O verdadeiro "milagre econômico"

Plano Real completa 30 anos e foi fundamental no combate à miséria no país. Inflação chegou a 80% em um mês noa anos 1990 e hoje raramente passa dos 5% ao ano

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  • Roberto Midlej

Publicado em 6 de julho de 2024 às 08:27

Abaixo da nota de cem reais, a nota de cem mil cruzeiros, com Juscelino Kubitschek
Abaixo da nota de cem reais, a nota de cem mil cruzeiros, com Juscelino Kubitschek Crédito: reprodução

O Plano Real foi lançado em 1º de julho de 1994 e na última segunda-feira completaram-se 30 anos de sua existência, conforme alguns noticiários lembraram. "Primeiro dia do real teve falta de troco, filas, prisões e autógrafo em novas cédulas", observou a Folha de S. Paulo. "Moeda estável trouxe ganhos políticos e sociais", escreveu O Globo. "Inflação acumulada nos últimos 30 anos foi de 708%", revelou a mesma Folha. Chocou-se com esse número, leitor? Pois prepare-se para saber - ou relembrar - como era viver no Brasil dos anos 1980.

Para uma criança/adolescente de classe média no Brasil dos anos 1990 - como este jornalista -, o convívio com a hiperinflação era algo absolutamente natural. Quando você ganha sua suada mesada aos 12 ou 13 anos de idade, tudo o que lhe preocupa é o preço do ingresso do cinema ou da revistinha em quadrinhos que você coleciona.

Pois imagine que você é louco pela Turma da Mônica e compra hoje um exemplar por R$ 7. Aí, você volta à banca daqui a um ano para comprar o mais recente exemplar da revista. Crente que vai receber o troco, você se decepciona quando vê o preço da revista: R$ 34! Sim, um aumento de assustadores 382% em 12 meses.

Pois eram situações como essa que os brasileiros viviam entre 1985 e 1986. Com problemas muito mais graves, claro, que o preço de uma revista em quadrinhos. A miséria, por exemplo, chegava a inacreditáveis 38% da população brasileira. Em janeiro de 1993, um quilo de arroz custava seis mil cruzeiros em São Paulo. Seis meses depois, passava para Cr$ 27 mil, com um aumento de 348%.

Antes do Real, foram inúmeras tentativas de derrotar o tal "dragão da inflação". Lembro bem do Plano Cruzado, lançado em fevereiro de 1986, para acabar com a hiperinflação. Para se ter a ideia da desvalorização de nossa moeda, em novembro de 1985, um salário mínimo era Cr$ 600.000,00 (cruzeiros). Portanto, alguém que ganhava dois salários mínimos - Cr$ 1,2 milhão por mês - já era um "milionário". Com o Plano Cruzado, houve um corte de três zeros e o nome da moeda mudou: Cr$ 1.000 passaria a ser Cr$ 1, que passaria a se chamar cruzado.

Tentei explicar o tal corte dos zeros a duas jovens estagiárias do CORREIO, mas elas não conseguiram entender exatamente como funcionava. Quando disse que havia nota com o número 100.000 impresso, ficaram chocadas. E nem disse às meninas que uma moderníssima TV de 20 polegadas custava Cr$ 6,6 milhões em 1993, seis meses antes do lançamento do real.

Conheci, antes do Real, o já citado Plano Cruzado, que se mostrou eficiente nos primeiros meses. Mas a eficiência foi conseguida de forma artificial, mediante o congelamento de preços, que ocasionou até a prisão de gerentes de estabelecimentos comerciais que insistiam em remarcar preços. E vi outras tentativas e novos cortes de zeros: os planos Bresser (1987), Verão (1989), Color I (1990) e Collor II (1991).

O que causou mais danos, provavelmente, foi o primeiro de Collor, que criou o confisco das poupanças. Não é raro ouvirmos relatos de pessoas que haviam vendido seu imóvel para comprar outro e ficou com o dinheiro retido.

Diante dos fracassos anteriores, ficava muito difícil acreditar no sucesso de outro plano econômico. Principalmente porque ele estava sendo lançado a três meses das eleições para presidente, o que fez quase todos apostarem que se tratava de uma medida eleitoreira. Vale lembrar o Cruzado, que ajudou o PMDB a eleger 22 dos 23 governadores, mas poucos meses após as eleições, a inflação voltou com toda a força.

E um ministro do governo Itamar Franco, diretamente ligado ao Plano Real, seria candidato: Fernando Henrique Cardoso. Natural, portanto, o temor de que fosse um plano eleitoreiro. Mas FHC foi eleito e, em 1995, a inflação ficou em torno de 22%. Em 1996, 11%. Em 1997, não passou dos 8%. Depois, veio Lula e o índice continuou sob controle. Com Dilma, o acumulado entre 2011 e 2014 foi de 27%. Com Bolsonaro, entre 2019 e 2022, 26,9%. A ironia é que o PSDB, partido de FHC, não elegeu mais ninguém à Presidência depois do próprio ex-ministro.

Portanto, depois de 30 anos e de governos das mais diferentes matizes ideológicas, não dá mais para duvidar do sucesso e da solidez do Real. Há muito o que comemorar, especialmente a redução da miséria e da pobreza, que não teria ocorrido com a eficiência que ocorreu se não fosse a estabilização da moeda.

O Plano Real foi, portanto, uma conquista social tão importante quanto o Bolsa Família. Ou alguém acha que o baixo assalariado aplicava seu dinheiro para se proteger contra a inflação? E o Bolsa Família não teria sido tão bem-sucedido com aqueles índices surreais de inflação. Para se ter uma ideia, em 1988, 40% da população nacional vivia em extrema pobreza. Hoje, são 8,3%.

Agora, além de zerar a pobreza, o objetivo é combater a péssima distribuição de renda: segundo o Ministério da Fazenda, 10% dos mais ricos têm 51% da renda nacional. Falta muito, sem dúvida, mas o Real foi um passo essencial para vencer essa próxima etapa.

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