O calor pode matar? Evitar que temperatura do planeta se eleve mais de 2° é questão de sobrevivência

É preciso mudar para seguir a vida, avaliam especialistas

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 31 de julho de 2024 às 05:00

A substituição de combustível fóssil por outras fontes de energia renováveis, como a eólica e a solar, são estratégias de descarbonização Crédito: Divulgação

Secas, enchentes e variações drásticas no clima são os sintomas mais visíveis em um cenário de emergência climática que, com uma frequência cada vez maior, estabelece novos recordes, que jamais deveriam ser batidos. O mais recente deles é o de chuvas no Rio Grande do Sul, que causou 182 mortes, até o dia 8 de julho, e impactou negativamente milhares de pessoas. Numa tentativa de preservação da vida humana, as maiores nações da Terra se reuniram em Paris e assinaram um acordo em que se comprometem a evitar que a temperatura média do planeta aumente mais que 2ºC em relação ao que se registrava antes da industrialização.

Desde que a humanidade dominou o fogo e, com isso, se tornou capaz de construir civilizações, a capacidade de controlar e utilizar a energia passaram a moldar o mundo. E o domínio das novas fontes energéticas foi determinante para o surgimento de novas potências geopolíticas e econômicas. A humanidade vive em constante transição energética, o que muda agora é que a busca por combustíveis eficientes e competitivos apenas economicamente dá lugar ao desafio de encontrar matrizes que sejam também sustentáveis ambientalmente e socialmente.

Na última semana, uma pesquisa feita pela Nasa, a agência aeroespacial dos Estados Unidos, sobre o aquecimento global trouxe alertas preocupantes. Ainda que alguns dados tenham sido retirados de contexto, como os que indicariam o Brasil inabitável em 2070, o estudo indica claramente que diversas partes do mundo, incluindo-se nosso país, deve sim sofrer com os extremos climáticos.

Vice-presidente do conselho do Instituto Climainfo, o pesquisador baiano Aurélio de Andrade Souza explica que cada país tem as suas responsabilidades em relação às mudanças climáticas. No caso do Brasil, diz, a maior parte está ligada ao uso da terra, o que envolve questões como o desmatamento e queimadas em destaque. Ainda assim, acredita, o país precisa seguir investindo também na descarbonização da sua matriz energética.

“A gente está chegando a um ponto de não retorno, com eventos climáticos acontecendo de maneira cada vez mais extremada”, ressalta. Se a mudança de atitude custa caro, o custo de não fazer nada é ainda maior. “A frequência de catástrofes que eram de décadas em décadas está cada vez menor. Isso tudo custa vidas, mas também traz prejuízos econômicos”, alerta. A sobrevivência vai demandar adaptação, investimentos em infraestrutura e em mitigação, aponta, mas também bastante tecnologia e inovação.

Souza destaca ainda a necessidade de que o processo de transição seja cada vez mais inclusivo. “Precisamos de uma transição que seja justa, que envolva a todos”, diz, citando como exemplo do que precisa ser mudado casos de projetos de geração de energia eólica que trazem transtornos para comunidades próximas.

Mercado de carbono

No ano passado, o mercado voluntário de créditos de carbono – onde as compras e vendas acontecem sem a imposição de órgãos públicos – foi 10 vezes menor do que em 2021, aponta levantamento do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV) . Em 2023, houve um pouco mais de 10 projetos e 3,38 milhões de créditos emitidos. A participação dos créditos de energia renovável aumentou para 45%, enquanto os de floresta e uso da terra diminuíram para 41%.

Houve uma queda de 89% no volume de créditos emitidos e 44% no volume de créditos aposentados, em relação ao ano de 2021, recorde da série histórica. O estudo constata que o mercado voluntário de carbono no Brasil passou por um crescimento significativo, mas enfrenta desafios críticos que precisam ser abordados para garantir sua credibilidade e sustentabilidade. As regiões Norte e Nordeste foram as duas onde foram apresentados mais projetos, com quatro e três, respectivamente.

Entre as dificuldades, o Observatório aponta tanto dificuldades de garantir que os créditos representem reduções reais e, por outro lado, dúvidas sobre o modo como os créditos podem ser utilizados.

Luciana Gil, sócia do escritório Bichara Advogados, acredita que o Brasil precisa evoluir no estabelecimento de um mercado regulado.

A advogada acredita que ainda falta ao país uma adequação do discurso, que tem uma “embalagem muito colorida”, ao conteúdo do bolo, “que hoje não é tão saboroso quanto parece”. Segundo ela, é importante ressaltar os avanços do país em relação à votação do marco legal no Congresso Nacional, mas ainda é necessário regulamentar a questão.

“A gente tem compromissos parecidos com a Europa, mas lá já está muito mais avançado que aqui, não temos nem um mercado de carbono regulado aprovado”, compara. “Temos ideias de política, mas é política, tudo muito amplo. Temos um mercado voluntário de carbono, mas precisamos de algo mais estruturado”, defende.

Luciana Gil explica que tudo o que vem sendo feito atualmente no país para o enfrentamento da emergência climática global parte de iniciativas voluntárias das empresas. “É muito mais por obrigações mercadológicas. O mercado cobra o ESG (a responsabilidade ambiental, social e de governança), medidas de sustentabilidade, de diversidade e climáticas. Isso tudo vem num pacote, principalmente para companhias abertas e que tem investimentos estrangeiros, dentro deste combo de demonstrar ações”, destaca.

Grandes mercados internacionais já indicaram ao setor produtivo a intenção de dificultar o acesso de empresas descomprometidas com as questões climáticas e de sustentabilidade. Hoje, diz Luciana, esta é a grande motivação das corporações brasileiras na adoção das agendas. “Não existem obrigações legais, estamos falando do sistema capitalista, que exige selos e auditorias”, explica. “Eu mesma tenho clientes que se eu não comprovar políticas de sustentabilidade, não passo no compliance deles e não me habilito a participar das concorrências”, exemplifica.

Ela lembra que a realização da Conferência Climática em Belém (COP) no ano que vem deve reforçar as discussões sobre o assunto internamente. Do mesmo modo, o desastre no Rio Grande do Sul mostrou que os riscos estão muito mais próximos do país do que se gostaria de imaginar. “Precisamos ter mais sentido de urgência”.

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