Feliz é a palavra dita por Bethânia

Cantora baiana completa 78 anos nesta terça-feira (18)

Feliz é a palavra que sai da boca de Maria Bethânia Viana Teles Veloso. Ao ser por ela dito, o vocábulo passa a existir de fato. Faz-se o batismo, a crisma, a unção. Sua voz é o carimbo que registra a palavra no glossário do tempo.

Bethânia, essa voz que recebeu um corpo, ressignificou Saint-Exupéry ao mostrar — ou nos fazer escutar — que o essencial é tão invisível aos olhos quanto perceptível aos ouvidos.

Sendo ela o cartório que atesta a unidade da língua com significação falada e escrita, é quem faz o substantivo á.gua ser líquido composto por oxigênio e hidrogênio, mas, principalmente, rio, mar, chuva, doce e sal.

Xan.gô é orixá dos raios e trovões e sinônimo de viva, São João. Pois uma vez evocado pela voz santa-amarense foi como tal validado.

Ainda adolescente, quando pisou no primeiro palco, seu canto já tornou-se Opinião. Deu ao carcará a imortalidade da fênix, a elegância da garça, a força da harpia e a autoridade do condor. A canção de João do Vale ganhou asas e a sua versão definitiva, bem como tudo mais gravado pela artista.

O mais comercial dos jingles ou a mais profunda poesia, ao sair da voz de Maria Bethânia conquista um lugar. Se ela falou, cantou, declamou, esbravejou, escute. Apenas escute com a atenção de quem está diante do Taj Mahal, da Aurora Boreal ou de um completo e raro eclipse.

Seu timbre incomparável deu vida e vez a centenas de composições, poemas e prosas reproduzidas em milhões de discos, arquivos, streamings.

Vê-la ao vivo, num palco, virou trabalho hercúleo digno dos dispostos a dormir em filas, madrugar em sites, ou que dispõem das benesses do capitalismo. Coisas do show business que cobra um preço daquilo cujo valor é inquantificável. Faz parte.

Fato é que essa voz chega aos 78 anos imune ao tempo e com o mesmo vigor de sempre. Incansável, se reinventa ao mesmo tempo em que visita as origens. Leva o mundo até Santo Amaro e o Recôncavo para o mundo, enquanto transforma o que antes eram meras junções silábicas em verdadeiras edificações acústicas.

Texto publicado saulomiguez.medium.com