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Thais Borges
Publicado em 16 de agosto de 2015 às 07:15
- Atualizado há 2 anos
Uma das vistas mais valorizadas de Salvador, com píers particulares e piscinas naturais. Um fundo de mar que, pela riqueza e beleza, impressiona até mergulhadores experientes. Um pedacinho da Baía bastante reservado. Talvez tão reservado que se tornou lugar ideal para o crime.Os moradores do Corredor da Vitória relatam que, recentemente, vêm ouvindo diversas explosões de bomba na região. Mas as vítimas do crime não são só eles. Somos todos nós. É todo o meio ambiente. Pesca com bomba Baia de Todos os Santos(Foto: Divulgação/Valter Pontes)E, na semana passada, um morador finalmente conseguiu registrar uma dessas explosões. Foi o fotógrafo Valter Pontes, 45 anos, que quando se preparava para sair para o trabalho, ouviu uma explosão e correu até a janela. "Eu estava preparando o equipamento, umas 7h e pouco, quando ouvi a porrada. Apesar de morar no 26º andar, fui na janela e consegui fotografar. Foi só o tempo de ajeitar, coisa de, no máximo, 10 minutos", conta ele, que mora na Avenida Sete de Setembro. Pontes registrou um trio de homens pescando com bomba próximo aos píers dos edifícios da região. Apesar de ser crime, a atividade não chega a ser rara na Baía de Todos os Santos (BTS), mas na região da Vitória é novidade até para quem faz o policiamento da atividade. "Normalmente, não temos casos da Vitória. Geralmente, as denúncias são na Península de Itapagipe e em algumas localidades da Ilha de Itaparica", explicou o capitão Moisés Brandão, subcomandante da Companhia de Polícia de Proteção Ambiental (Coppa), da Polícia Militar.Pelas fotos, dá para ver o mar remexido e os peixes boiando. Segundo Pontes, eram os vestígios do explosivo. "Depois, eles foram com o barquinho para perto do prédio do lado, como se estivessem se escondendo. Fiquei muito surpreso, não ouvia isso há uns três ou quatro anos".Apesar da surpresa do capitão, moradores da região dizem que o uso de bombas para pescar por ali tem sido frequente nos últimos meses. "O último que ouvi, há duas semanas, foi à noite. Foi um estrondo muito alto, com um tremor e o eco de lá para cá", afirma o estudante de Administração Riam Santos, 23, que mora na Residência Universitária da Ufba.Três homens são flagrados fazendo pesca com bomba na Vitória(Foto: Divulgação/Valter Pontes)TempoOs horários preferidos são a madrugada e o início da manhã, segundo o porteiro de um prédio do Corredor da Vitória, que não quis se identificar. O também porteiro Antônio dos Santos, que trabalha na Rua Aloísio de Carvalho, uma rua transversal, reforçou que esses são os momentos mais comuns. "É quando a gente ouve os estrondos. Há alguns anos, quando eu trabalhava no píer, via os peixes boiando de vez em quando", contou. A ação de quem realiza a pesca com bomba é rápida, o que dificulta a captura dos criminosos. Em média, dura apenas 12 minutos, entre o momento da localização do cardume, até o recolhimento dos peixes mortos. "Nós tentamos administrar esse tempo para chegar antes desses 12 minutos, posicionando as embarcações em locais estratégicos, mas é quase uma luta de gato e rato, de Tom e Jerry", diz o capitão Moisés. Lua nova Segundo a polícia, quem comete esse crime procura horários em que a maré está ou cheia, ou vazia. Só não pode ser nos momentos de transição, porque com o movimento da água fica difícil enxergar os cardumes. "Mas na BTS tem um fenômeno três dias antes e três dias depois da Lua Nova, chamado maré morta, que torna a baía um espelho d’água, possibilitando a pesca com bomba em qualquer horário", explica o capitão Moisés. Ele explica que os grupos só contam com uma bomba e não vão desperdiçá-la. "Ela custa entre R$ 60 e R$ 80. Eles conseguem lucro pela quantidade de peixes mortos, apesar de a qualidade ser péssima, porque o peixe vira um mingau. E também há um dano social horrível, porque as pessoas vão perdendo membros, ficando sem braços e com sequelas que atingem famílias inteiras", continua. Através da assessoria, o Exército, que fiscaliza produtos controlados, como é o caso dos explosivos, informou que as bombas utilizadas para pescar são caseiras, fabricadas com pólvora. Em nota, dizem que, "possivelmente, essa pólvora está sendo produzida de maneira ilegal ou obtida por meio da aquisição de fogos de artifício". Polícia afirma não ter conhecimento de pesca com bomba (Foto: Divulgação/Valter Pontes)Impactos ambientais A bomba costuma atingir uma profundidade de até 12 metros, segundo o superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na Bahia, Célio Costa Pinto. Ele diz que os impactos ambientais da atividade são "devastadores", já que a quantidade de animais diminui muito e há dificuldade de regeneração natural de corais e recifes, a depender do local. "Eles miram o cardume e a explosão mata peixes de diversos tamanhos, mas também afeta outros tipos de vida e seres aquáticos que vivem no fundo do mar e em locais de recife. A perda de biodiversidade é muito grande". Para a promotora Cristina Seixas Graça, coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente e Urbanismo e do Núcleo de Defesa da BTS, falta estrutura para os órgãos combaterem a atividade. "Os órgãos precisam se estruturar efetivamente para garantir isso, porque a pesca com bomba não atinge só o peixe, mas tambem as pessoas próximas, o turismo náutico e uma série de outras atividades", pontua. Segundo o capitão Moisés Brandão, da Coppa, além do policiamento no mar, a companhia tem contato com comunidades de pescadores para promover educação ambiental. No caso da pesca com bomba, o policiamento e a repressão são feitos exclusivamente pela Coppa - a Marinha não se envolve porque, pela legislação das Forças Armadas, essa é uma atribuição da polícia de cada região.