Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Millena Marques
Publicado em 5 de setembro de 2023 às 23:22
O afastamento de Wesley Safadão dos palcos reacendeu um debate que esteve presente nas agendas dos principais veículos de comunicação durante a pandemia da covid-19: a importância do cuidado com a saúde mental. No último final de semana, a equipe do artista informou que ele daria uma pausa na carreira – por tempo indeterminado – após ter sofrido “fortes crises de ansiedade”. Safadão, assim como um terço da população brasileira, sofre com transtorno de ansiedade. >
Uma pesquisa Datafolha, divulgada no mês passado, indicou que 23% dos brasileiros consideram ter uma saúde mental regular, enquanto 7% relataram ser péssima ou ruim. O levantamento foi realizado com 2.534 pessoas de 16 anos ou mais, entre os dias 31 de julho e 7 de agosto. Ele também indica que 21% da população brasileira entrou em contato com um especialista em saúde mental. >
Mas ansiedade não é algo natural? Sim. No entanto, os níveis excessivos do sentimento podem ser transformados em uma patologia, conforme explica a psicoterapeuta Lívia Meinking. “Nós somos naturalmente ansiosos. Quando a ansiedade vira uma coisa patológica, a pessoa pode desenvolver uma crise do pânico e transtorno de ansiedade generalizado”, explicou. >
Há quem acredite que mãos suando excessivamente antes de uma apresentação acadêmica ou problemas recorrentes ao sono antes de um primeiro encontro são sintomas comuns para humanos naturalmente ansiosos. No entanto, sinais como estes, apresentados em excesso, podem ser indicadores de uma crise de ansiedade, que deve ser diagnosticada e tratada com apoio de especialistas. >
Ainda de acordo com Meinking, nem todas as pessoas que vivem uma crise de ansiedade sabem identificá-la. Para auxiliar na identificação, ela citou 10 sintomas que são comuns nesses casos: >
Foi o que aconteceu com o estudante universitário Rafael Rocha, 27 anos, há cinco meses. Ele estava dentro de um ônibus, a caminho da faculdade, quando sofreu uma forte crise de ansiedade, que culminou em um desmaio, seguido de uma convulsão. “Estava muito sobrecarregado com algumas tarefas da faculdade e acabei não conseguindo lidar com essa crise, e quando isso acontece, meu corpo começa a reagir. Hoje, não apresento mais esses sintomas com frequência, devido ao tratamento que fiz”, disse ao CORREIO. >
Antes de realizar um tratamento com um psiquiatra, Rafael apresentava tremores nas mãos, espasmos musculares que dificultavam o sono, pensamentos excessivos e perda de cabelo. “Às vezes me pego muito preocupado com o ‘amanhã’ e isso acaba me afetando um pouco”, disse. A preocupação excessiva com o futuro é justamente a definição para o transtorno de ansiedade, como aponta a professora de Psicologia da Universidade Salvador (Unifacs) Fernanda Cunha. >
"O sujeito antecipa situações provavelmente catastróficas quanto ao futuro. Nem sempre, as antecipações são na ordem da consciência, na verdade, são medos excessivos relacionados ao futuro, que acabam resultando em sintomas físicos", detalhou Cunha, explicando que estes sinais possuem relação com a ordem psíquica. >
Ao identificar um quadro de ansiedade, a orientação é procurar profissionais especializados em saúde mental, como psicólogos e psiquiatras. Ainda conforme a professora, o trabalho acontece de forma conjunta - não basta tomar remédios prescritos e participar das sessões de psicoterapia, é necessário manter rotina de exercícios físicos, buscar uma alimentação saudável e realizar um balanceamento da qualidade de vida, associado a condições de trabalho, relações familiares e momentos de lazer.>
"Vivemos em um momento em que a alta produção é cobrada o tempo todo, não há espaços para erros. Qualquer imagem que a pessoa tem sobre perda de controle da alta performance, por exemplo, pode aumentar os índices de ansiedade", pontuou Cunha. >
O médico psiquiatra Lucas Alves, coordenador do Núcleo de Psiquiatria da Faculdade Zarns, explicou que existem transtornos de ansiedade diferentes. A depender da intensidade, medicações podem ser importantes. "Tem casos muito graves, que levam indivíduos a ficarem caquéticos", disse, ressaltando a importância de investigar causas clínicas, que podem gerar transtorno de ansiedade, como hipertireoidismo. >
De acordo com a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), "por não se tratar de uma condição de notificação compulsória", não há dados sobre aumento do número de casos de pessoas diagnosticadas com transtornos de ansiedade no estado. A Secretaria Municipal de Saúde de Salvador também foi contatada, mas não havia repostas até a publicação desta matéria.>
Os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica (IBGE) indicam que o número de pessoas acima de 18 anos que referiram diagnóstico de depressão na Bahia aumentou 78,2%, de 2013 para 2019, o mais recente levantamento da entidade: eram 397 mil e passaram para 707 mil. >
Mulheres têm mais transtorno de ansiedade>
O levantamento do Datafolha também indicou que mulheres são mais diagnosticadas com transtorno de ansiedade. A pesquisa aponta que 21% dos brasileiros já foram diagnosticados - 27% são mulheres e 14% são homens. A psicoterapeuta Meinking explicou que a sobrecarga feminina resulta em maiores índices. "Quem fica com toda a carga quando o homem sai? As mulheres que pagam o preço", disse. >
Um relatório desenvolvido pela Organização Não-Governamental (ONG) Think Olga, indicou que 45% das mulheres brasileiras têm um diagnóstico de ansiedade, ou seja, o transtorno faz parte da rotina de seis a cada 10 mulheres do país. A professora Cunha explica que os fatores socias são determinantes para esses indicadores. Além da sobrecarga excessiva em tarefas domésticas e mais comprometimento na educação dos filhos, o público feminino ainda sofre com pressões estéticas. >
"É um fator social. A quantidade de demandas femininas é maior por causa da desigualdade de gênero, além de padrões de beleza estabelecidos pela sociedade. É como se variáveis de medo estivessem mais presentes na vida de uma mulher", pontuou. >
A estudante universitária Karine Lima, 22, é uma dessas mulheres. Sua última crise de ansiedade foi há um ano e três meses, antes de dormir, como de costume. "Tive um gatilho relacionado à alimentação e a insônia veio, chorava muito, com o coração acelerado", desabafou a jovem. Ao passar por psicoterapia, ela foi diagnosticada com transtorno de alimentação, que pode ser associado ao de ansiedade. Hoje, ela realiza psicoterapia semanalmente, faz exercícios físicos regularmente e mantém uma alimentação balanceada, o que afastou as crises. >
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro>