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Espera por vaga em centro de atenção psicossocial chega a cinco meses
Yasmin Garrido
Publicado em 24 de fevereiro de 2019 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
Muitas vezes ele é silencioso e descoberto apenas na idade adulta. Só na Bahia, no ano passado, o transtorno mental levou 5.568 pessoas a buscarem atendimento pelo Serviço Único de Saúde (SUS) - média de 15 internamentos diários no estado. Em 2017, foram 4.245, o que significa que, em 12 meses, houve crescimento de 31,2% no número de pacientes.
A área de saúde mental, inclusive, passará por mudanças este ano. No dia 4 de fevereiro, o Ministério da Saúde deu sinal verde para a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia (eletrochoques) para o SUS (ver mais detalhes abaixo).
Com o assunto à tona, o CORREIO fez um levantamento e descobriu que, nos últimos 10 anos (2008 a 2018), 68.763 baianos trataram doenças psíquicas. E.F, 41 anos, foi uma delas, mas o processo não foi simples. Viciado em álcool, ele esperou cinco meses para conseguir atendimento em um dos 20 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Salvador. “Eu não podia ficar sozinho, que bebia. Fiquei internado dois dias em uma clínica particular, mas, como não tinha plano de saúde, tive de tentar pelo SUS. Foram tempos difíceis, eu não tive o apoio da família. Com a demora, acabei me apegando ao Alcoólicos Anônimos, que foi o que me deu forças para deixar de beber”, relatou.Dos Caps de Salvador, só um atua em regime 24h - o Caps AD III Gey Espinheira, em Campinas de Pirajá. Os demais abrem de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.
De acordo com o dados do DataSus, em 2018, a maioria dos pacientes internados por transtorno mental na Bahia tinha entre 30 e 39 anos. Já a principal causa de internações no ano passado, principalmente entre a ampla faixa de idade entre 15 e 49 anos, é esquizofrenia - transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes.
Em pessoas mais velhas, entre 50 e 69 anos, os atendimentos são, na maior parte dos casos, relativos ao uso excessivo de álcool (alcoolismo).
Redução Entre 2008 e 2018, a Bahia registrou queda de 35,1% nos casos de baianos internados para tratar transtornos mentais pelo SUS. Porém, isso não significa que a demanda diminuiu. A redução, de acordo com especialistas, aconteceu por causa da diminuição de leitos destinados a esse tipo de tratamento.
Uma pesquisa do Conselho Federal de Medicina (CFM), divulgada no ano passado, mostrou que a Bahia perdeu 1.916 leitos nesse período, uma redução de quase 8%.
Para a psiquiatra Sandra Peu, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, o resultado da falta de leitos e da ausência de tratamento adequado à população faz com que aumente o número de “pessoas em surto morando nas ruas, além de presídios cheios de detentos com doenças mentais”.
O CORREIO teve acesso ao último relatório de inspeção do Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia, em Salvador, emitido em 4 de outubro de 2018, e constatou que, apesar de o espaço ter capacidade para 170 pessoas, estão internados 198 pacientes na unidade - ultrapassando em 13% o máximo permitido.
Deste total, apenas 53 estão cumprindo medidas de segurança. Segundo o documento, “existe problema de abandonados sociais”. Ou seja, alguns internos seguem na unidade de saúde porque não têm para onde ir.
De acordo com o juiz responsável pela inspeção, que não teve o nome divulgado, “o judiciário tem tentado, com dificuldades, localizar algum parente que possa cuidar do desinternado ou casas de acolhimento que os possam receber”. O magistrado ainda classificou as condições do estabelecimento penal como “péssimas”.
No cenário nacional, em 2018, a Bahia ocupou o nono lugar entre os estados com maiores registros de internação por transtornos mentais, com 2,5% do total registrado no país (224.527 casos). O resultado é equivalente a números absolutos. O estado com maior número de casos é São Paulo (55.305), seguido de Rio Grande do Sul (39.009) e Paraná (22.716). Cadê os leitos? O Ministério da Saúde divulgou que, em 2018, a Bahia possuía 988 leitos de internação geral pelo SUS, o que representa menos de um espaço para cada grupo de 10 mil habitantes.
Quando o assunto é saúde mental, segundo a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), o estado conta com três hospitais especializados nos cuidados de pacientes com transtornos: Juliano Moreira e Mário Leal, em Salvador, e Lopes Rodrigues, em Feira de Santana. São 202 leitos para internação, o que significa que, em 2018, 28 pessoas disputaram o espaço de um leito pelo SUS.
Somente em janeiro de 2019, o Juliano Moreira recebeu 1.657 pessoas para atendimento ambulatorial, sendo 271 de emergência. A unidade conta, hoje, com 112 internos em período integral, além de 17 no hospital dia. Apesar de serem apenas três hospitais para este tipo de tratamento, a Sesab diz que alguns atendimentos podem ser feitos nos hospitais Universitário Professor Edgard Santos, de Base Luís Eduardo Magalhães, Geral Prado Valadares, Geral de Vitória da Conquista e Hospital Santo Antônio.
A pasta informou ainda que “são disponibilizados mais de R$ 30 milhões por ano para as três unidades especializadas em saúde mental da rede própria”. Segundo levantamento do CORREIO, por meio do Portal da Transparência, a receita do estado para investimento em saúde foi, em 2018, de quase R$ 7,4 bilhões. Isso quer dizer que o estado investiu apenas 0,4% da receita destinada à saúde no tratamento de doenças mentais.
Caps Uma das alternativas para fugir da espera no hospital, é buscar um dos 280 Caps espalhados pelos municípios baianos que, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), são “serviços substitutivos ao modelo de assistência manicomial”.
Em Salvador, segundo a pasta, são 20 centros, sendo 18 municipais, um conveniado e um estadual. Em 2018, 73.465 pessoas se matricularam nos Caps da capital baiana - cerca de 4.081 pacientes para cada centro, além de uma média de 3.340 pacientes para cada profissional das unidades.
Para Sandra Peu, “existe uma situação deficitária na rede de atendimento em Salvador e demais municípios, com falta de vagas para pacientes nos Caps e ambulatórios, além de insuficiência de residências terapêuticas para receber pacientes que vêm de internações psiquiátricas prolongadas”. Além disso, os problemas tornam mais difícil a manutenção da qualidade de vida de um paciente com transtornos mentais.
A lista citada pela especialista, segundo ela mesma aponta, faz com que muitas pessoas sigam internadas mesmo sem necessidade.
Mudanças para 2019 Diante de todos os dados levantados, especialistas afirmam que o cenário na Bahia não é favorável quando o assunto é atendimento às pessoas com transtornos mentais. Para muitos, ainda faltam profissionais capacitados, leitos de internação pelo SUS, além de melhores cuidados nos Caps, que funcionam como serviços que atuam antes da necessidade do internamento.
No entanto, na prática, em razão do déficit de leitos nos hospitais especializados, o atendimento dos casos graves de surtos psicóticos é feito nos próprios Centros de Assistência dos municípios, em modelo de hospital dia, causando, como defendido por Sandra Peu, o fenômeno da “porta giratória”.
A psiquiatra afirmou que as transformações que vêm acontecendo quanto à saúde mental não se dão “no tratamento disponibilizado, mas, sim, nas políticas de saúde de dezembro de 2017, e na criação da Nova Política Nacional de Saúde Mental”.
As mudanças foram apresentadas em conjunto através da Nota Técnica Nº 11/2019 no último dia 4 de fevereiro. Para a médica, a Nova Política da Saúde Mental inclui na rede de tratamento “os ambulatórios especializados, hospitais psiquiátricos especializados e comunidades terapêuticas para tratamento de dependentes químicos, que antes funcionavam à revelia do Governo Federal”.
Outro ponto fundamental trazido pela norma incluiu a criação da modalidade de Caps para tratar dependentes químicos de cracolândias, políticas de saúde mental específicas para os indígenas, além de Residências Terapêuticas, que passam a receber pessoas sob grave vulnerabilidade social e egressos do sistema carcerário com doença mental.
Apesar das mudanças consideradas positivas, a Nova Política da Saúde Mental tem ressalvas, segundo apontam especialistas, pois possibilitou o retorno do tratamento psicoterápico e farmacológico com a eletroconvulsoterapia (eletrochoque). Esse tópico específico dividiu opiniões e causou muita divergência de posicionamento entre psiquiatras e psicólogos.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP), por exemplo, publicou, em 8 de fevereiro deste ano, uma nota de repúdio às mudanças. Para o órgão, o “documento aponta um grande retrocesso nas conquistas estabelecidas com a Reforma Psiquiátrica, marco na luta antimanicomial, ao estabelecer a importância do respeito à dignidade humana das pessoas com transtornos mentais no Brasil”.
Para a representante do CFP no Conselho Nacional de Saúde (CNS), Maria Helena Alves, “a medida rompe com a política de desinstitucionalização e incentiva a hospitalização e o tratamento desumanizado”. A conselheira ainda ressaltou a gravidade da desconstrução da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), com a inclusão dos hospitais psiquiátricos entre os mecanismos.“Este modelo coloca o hospital no centro do cuidado em saúde mental, priva o sujeito da liberdade, dentro de um sistema que não favorece a recuperação, mas simplesmente o isolamento”, disse. Maria Helena acredita que trancar a pessoa doente em um hospital psiquiátrico, quando não é garantido o tratamento adequado nem a manutenção da dignidade, não é a solução.A representante do CFP reforçou que os investimentos devem, na verdade, se voltar para a ampliação da rede de Centros de Atenção Psicossocial, reservando os leitos de internação aos casos graves, quando a vida do paciente é colocada em risco, dando a ele o tratamento adequado para a reinserção ao convívio social.
“Diante da atual conjuntura de avanço do conservadorismo e de redução de recursos para as políticas públicas sociais, com violento ataque ao Sistema Único de Saúde (SUS), é preciso reforçar a desconstrução do modelo asilar e combater a cada dia o manicômio em suas várias formas, do hospital psiquiátrico à comunidade terapêutica, incluindo o manicômio judiciário”, diz trecho do documento do Conselho Federal de Psicologia.
Já a psiquiatra Sandra Peu, afirmou que “essa grande guinada que o Ministério da Saúde propõe para a Saúde Mental foi rapidamente acolhida por alguns estados e municípios, que solicitaram os investimentos para ampliação da Rede de Saúde Mental e implantação de serviços”.
Ainda segundo a especialista, “alguns governos de estados, como o da Bahia, permanecem retrógrados, com ações tecnicamente deletérias à saúde pública e recusando-se a solicitar os recursos federais disponíveis para a implantação dos serviços”.
Veja abaixo onde buscar atendimento de emergência em Salvador:
Rede privada: Clínica Ápice In: Rua Macapá, 376, Ondina. Telefone: (71) 3018-8350 Holiste Psiquiatria: Rua Marquês de Queluz, 323, Pituba. Telefone: (71) 3082-3611 Rede Pública: CAPS II bairro Garcia | Telefone: (71) 3329-1004 CAPS II Oswaldo Camargo: bairro Rio Vermelho | Telefone: (71) 3611-3916 CAPS I Prof Luís Meira Lessa (Criança e Adolescente): bairro Rio Vermelho | Telefone: (71) 3335-6827 CAPS II Rosa Garcia: bairro Jardim Armação | Telefone: (71) 3489-9795 CAPS II Aristides Novis: bairro Engenho Velho de Brotas | Telefone: (71) 3611-2952 / 2953 CAPS II Eduardo Saback: bairro Pernambués | Telefone: (71) CAPS bairro Pernambués (álcool e drogas) | (71) 3116-4696 CAPS II Nise da Silveira: bairro Cajazeiras | Telefone: (71) CAPS II Águas Claras | Telefone: (71) 3309-9641 CAPS II Dr. Antonio Roberto Pellegrino: bairro Jardim Baiano | Telefone: (71) 3321-3679 CAPS II Franco Basaglia: bairro de Itapuã | Telefone: (71) 3285-0396 CAPS II Prof. Adilson Sampaio: bairro Caminho de Areia | Telefone: (71) 3611-6584/6585 CAPS II bairro Liberdade | Telefone: (71) 9997-9566 CAPSIA (infância e adolescência): bairro Liberdade | Telefone: (71) 3256-0869 CAPS II: bairro Pau da Lima | Telefone: (71) 3611-6584 CAPS II bairro São Caetano| Telefone: (71) (71) 32592556 CAPS II Maria Célia Da Rocha: bairro Alto de Coutos | Telefone: (71) 3397-6743 CAPS ad III Gey Espinheira: bairro Barris : Telefone: (71) 3329-7393 * Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro e da subeditora Fernanda Varela