Forró de janeiro a janeiro: quais as inovações e os desafios dos músicos da nova geração

Conheça forrozeiros e forrozeiras que agitam a cena cultural local

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  • Luiza Gonçalves

Publicado em 22 de junho de 2024 às 05:00

Fole renovado: inovações musicais e desafios marcam a nova cena do forró baiano Crédito:
Fole renovado: inovações musicais e desafios marcam a nova cena do forró baiano Crédito: Ilustração: Quintino Andrade

O forró foi cunhado como gênero musical em 1958 por Luiz Gonzaga, a partir de uma variação do baião. Xote, xaxado, baião, forró e arrasta-pé são ritmos difundidos por artistas nordestinos referenciais, como Dominguinhos, Jackson do Pandeiro e o próprio Gonzagão, demarcados pelos toques da zabumba, da sanfona e do triângulo. Forró também era o nome das festas que reuniam todos esses ritmos e, com o decorrer dos anos, tornou-se um termo representativo de uma cultura em temas, danças e modos de vida.

Nestes quase 70 anos a expressão trouxe inovações, como a chegada do forró eletrônico nos anos 90 e do forró universitário nos anos 2000. A Bahia sempre foi marcada pela paixão pelo forró, dentro e fora do palco: do tradicional com o Trio Nordestino, passando pelo forró temperado de Zelito Miranda e Adelmário Coelho, até deter uma das composições mais famosas nos anos 2000, Ai Se Eu Te Pego, de autoria da banda Cangaia de Jegue; e fomentando a cena de ritmos aparentados como o piseiro dos Os Barões da Pisadinha.

"O estado tem um cenário privilegiado de experiências musicais e de dança no forró. Nós temos a continuidade do forró pé de serra tradicional nordestino, temos os desdobramentos do forró eletrônico e temos também influências do forró que surge no sudeste a partir das experiências de processos migratórios, inclusive dos próprios músicos como Luiz Gonzaga, Marinês e Anastácia, que tocaram muito no sudeste. Na Bahia tivemos esse intercâmbio que trouxe renovações", explica a historiadora Ciran Cardoso.

A mistura entre o tradicional e o forró eletrônico sempre marcou a trajetória de Genard, antes mesmo dele se tornar cantor de forró. Cresceu em Natal, acompanhando bandas como Mastruz com Leite, Limão com Mel e Aviões do Forró, ao mesmo tempo que, na casa dos avós em Caicó, no interior do Rio Grande do Norte, se conectava à cultura sertaneja e ouvia muitas histórias sobre Zé Dantas, primo de sua avó.

Há 18 anos atuando como cantor na Bahia, dos quais 10 em carreira solo, ele cultiva esse equilíbrio: "Geralmente eu começo meu show com uma coisa mais tradicional, depois vou para o que eu vivi, parto para uma parte mais atual e encerro com o arrasta-pé, que eu acho que não pode faltar", afirma. Genard destaca que o que mais agrada seu público são as canções clássicas e nostálgicas: "Eu acho muito característico do baiano o jeito de cultuar o tradicional, nos destacamos nisso; aqui as pessoas gostam e vivem as coisas mais antigas do que em alguns lugares do nordeste."

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Cantor de forró Genard  Crédito: Divulgação

Empresária do forrozeiro Zelito Miranda por quase 40 anos, Thelma Miranda afirma que os outros estados ainda têm mais frequência nas rádios, mas que nós temos “forrozeiros de altíssima qualidade que não devem nada a ninguém". Idealizadora do projeto Forró no Parque, Thelma reflete positivamente a passagem dos últimos 20 anos em dois aspectos: a maior valorização do gênero como elemento turístico do estado e a multiplicação das vozes. Ela nomeia um desses talentos: "Jeane Lima é uma representante feminina do forró baiano e, no mercado, não tinha muitas cantoras solo. Eu a convidei para o Forró do Parque justamente pensando em colocar uma mulher como centro e ela veio com essa força, tem um show maravilhoso."

Jeanne sempre gostou, acompanhou e quis cantar forró. Teve a chance de concretizar esse sonho pela primeira vez quando se mudou de Alagoas para a Bahia, há 23 anos, para integrar a banda Chave de Cadeia. Passou pela Colher de Pau, Marcinho do Forró e, para ela, foi consagrada de uma vez por todas quando integrou a banda Limão com Mel, seguindo para a carreira solo em 2017. "Tá no meu sangue, eu nasci para cantar forró", diz, categórica. A cantora prioriza no repertório as composições que trazem vivências nordestinas e a batida romântica e acredita que, para ela e os colegas de cena, o mais importante é fazer um forró autêntico, moderno, mas sem esquecer a raiz. Jeanne é uma das 20 concorrentes do Troféu Correio Folia Junina, promovido pelo CORREIO, que vai escolher, até dia 28, o hit do São João pelo 3º ano consecutivo. Ela está na disputa com nomes como Targino Gondim, Del Feliz , Forró do Tico, Tio Barnabé e Ù Tal do Xote. (Vote aqui)

Cantora Jeanne Lima
Cantora Jeanne Lima Crédito: Reprodução/Instagram

Fusões e desafios

Um traço interessante do forró na Bahia está exatamente na relação com a musicalidade de outros segmentos fortes no estado, como pagode e axé music. A relação pode ser difícil de equilibrar em alguns momentos, como aponta o jornalista Gabriel Carvalho, responsável pelo portal São João da Bahia. Em sua opinião, os desafios do forrozeiro hoje é ocupar espaço na mídia, incrementando o diálogo com as redes sociais e com o público, como já fazem artistas do sertanejo e do arrocha. “Na Bahia, a concorrência é muito grande, somos um estado muito rico musicalmente. Então, às vezes, o forró fica realmente em segundo plano durante o resto do ano, restrito a pequenos eventos ", diz o jornalista.

Numa perspectiva de que “o novo sempre vem”, o jornalista relativiza polêmicas e queixas sobre excesso de inovações no gênero. Ele cita o exemplo da banda Mastruz com Leite, que no começo foi muito criticada “Há 30 anos, diziam até que a Mastruz ofendia Luiz Gonzaga e hoje ela é chamada forró raiz, quem diria? ”, questiona Gabriel, acrescentando que a importância dos artistas tradicionais segue firme e que as inovações fazem parte da cultura do forró e renovam o público.

O cantor e sanfoneiro Tico Cavalcanti, por exemplo, lançou o álbum Especial Verão em 2024, regravando sucessos do Carnaval em ritmo de forró, e já fez um feat com Léo Santana em 2019. "O forró é na base zabumba, triângulo e sanfona. Mas, na minha opinião, nunca foi algo rígido que não pode ter outros elementos. O próprio Dominguinhos colocava um pouco de jazz em cima do forró, então, assim, todo mundo tem seu estilo. E meu repertório também passeia nas décadas, vai do clássico ao atual, de Luiz Gonzaga e Flávio José a Dorgival Dantas, Aviões do Forró, Safadão e vaquejada", defende.

Cantor e sanfoneiro Tico Cavalcantti
Cantor e sanfoneiro Tico Cavalcantti Crédito: Reprodução/Instagram

E se tem forrozeiro cantando axé, tem axezeiro cantando forró. O próprio pai da axé music, Luiz Caldas, nutre uma relação profunda com ritmos juninos, construída ainda na sua infância ao som de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Marinês. Uma paixão que aumentou quando percebeu as semelhanças nos instrumentos que acompanhavam o forró e outros ritmos como o choro. Luiz já gravou mais de 100 canções de forró e, em 2022, foi indicado ao Grammy Latino com o álbum autoral de forró Tradição. "Para mim, foi mais uma indicação de que eu pertenço também a esse universo junino", revela.

Maurício Cairo, vocalista da banda Ú Tal do Xote, também não gosta de classificações categóricas. "Eu não concordo muito quando dizem que é forró ou que não é forró. Eu acho que na música cabe de tudo, você só não pode perder suas referências. Mas a gente faz um forró diferenciado. Somos jovens tocando forró, talvez com vestimentas, linguagem diferente, mas com referências de forró. Eu acho que, para dizer o que é e o que não é forró, você precisa conhecer primeiro o trabalho", defende. Com 15 anos de grupo, ele acredita que o cenário na Bahia está em fase de "aquecimento", e aposta na alta do gênero nos próximos anos, enfatizando a importância do relacionamento com o público: "Especialmente a galera dos bailes, das aulas de forró, que apreciam em comunidade. Eles vivem o forró o ano todo e precisamos fortalecer o movimento. Todo mundo sai ganhando."

Banda Ú Tal do Xote com o vocalista Maurício Cairo
Banda Ú Tal do Xote com o vocalista Maurício Cairo Crédito: Reprodução/Instagram

Quem também prevê um cenário promissor para o forró baiano é o radialista Maurício Habib, responsável pelo prêmio Zelito Miranda, da Rede Bahia. Entretanto, ele, assim como outros entrevistados, ressalta que a dificuldade número um dos forrozeiros no estado ainda é o fomento, principalmente fora do período junino, e nas contratações, entendendo que iniciativas como a premiação têm o poder de contribuir para a mudança desse cenário. "Se a gente se concentrar um pouco mais hoje na nossa questão cultural e na gestão de negócios, o que é produzido na Bahia tem possibilidade de alcançar todo o Brasil. Precisamos dar visibilidade a esses artistas", defende.

Mais diverso e feminino

A nova geração de forrozeiros e forrozeiras também traz inovações nos instrumentos e temas abordados. "Eu acho que é importante inovar sim. Tem que usar guitarra, inovar no arranjo, acho que tem que botar as batidas do axé, do samba reggae. Eu defendo que o forró tem que ser tocado o ano inteiro e estar envolvido socialmente. O forró é atemporal", defende a produtora cultural Thelma Miranda.

Vocalista da Tio Barnabé há 16 anos, Neto Bittencourt a define como "o forró mais irreverente do Brasil". Para ele, desde que se conserve o inviolável e se reverencie os mestres, o resto é por conta da criatividade: "A música te deixa à vontade para que você possa experimentar. Tem álbuns da gente que têm violino ou uma percussão mais ostensiva e a gente cria. Sempre levamos um show diferente para cada cidade", garante Neto, que comanda. Além de Neto, a banda traz na linha de frente a drag queen Sabrina Sasha, no triângulo e backing vocal; e Bruno Almeida, também no backing vocal e na zabumba.

"A nossa linha de frente é completamente diferente. Temos Bruno, que era dançarino da banda e, em determinado momento, veio integrar a frente; com o passar do tempo, sentimos falta de uma presença feminina e, nas redes sociais, encontramos Sabrina, que depois soube que era uma drag queen e achei maravilhoso. Ela ampliou nossas possibilidades e nosso enxergar. Somos a primeira banda de forró pé de serra a ter uma drag integrando a linha de frente. Essa pluralidade também é nosso diferencial", garante.

Banda Tio Barnabé
Banda Tio Barnabé Crédito: Divulgação

A banda Flor de Imbuia surgiu em 2018, a partir da provocação de criar um forró que tivesse a presença da rabeca — instrumento ainda pouco utilizado nas bandas baianas. Porém, com a união do grupo, veio outro desejo: montar um grupo de forró só de mulheres, concretizado em 2019. Hoje, a banda conta com Leticia Correa na rabeca, Thalita Batuk no triângulo, Teba Rocha na sanfona e Lu Aguiar na zabumba e vocais. A banda mescla influências de diversos ritmos nordestinos, como cavalo marinho e maracatu, ao forró.

Leticia Correia explica que a banda tem como ênfase a valorização da participação feminina, com um repertório dedicado majoritariamente a mulheres icônicas do forró, como Anastácia e Elba Ramalho, além de compositoras contemporâneas. "A gente deseja que o futuro do forró seja cada vez mais plural, mais justo e com oportunidades para as bandas. Por um forró em que as pessoas possam ir para os bairros sabendo que é um show que pode dançar como quiser, com aula ou sem, cheio de passos ou só no dois pra lá dois pra cá. Quem quer dançar sozinha dança, quem quer dançar com seu par, não importa quem seja, dança. Por um forró que seja um espaço de respeito e de mais diversidade", finaliza a musicista.

Banda Flor de Imbuia
Banda Flor de Imbuia Crédito: Divulgação

Sobe o Som Junino 

O Correio realiza o projeto Sobe Som, que é uma iniciativa do #correio24horas, lançada no São João de 2021, para apoiar artistas de música independente da Bahia. Com a curadoria de Eduardo Bastos, em 2024, teremos novos grupos e artistas de forró nas nossas redes sociais. Confira tudo aqui. 

Para ler, ouvir e saber mais sobre o São João

Livro O Fole Roncou! Uma História do Forró, Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, Zahar Editora

O projeto São João 2024 é uma realização do jornal Correio com apoio do Sicoob.