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Violência em Valéria: quatro pessoas são assassinadas em meio a disputa do tráfico

Ao menos uma das vítimas foi morta pela PM, acusam os moradores

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 4 de fevereiro de 2021 às 18:14

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Bruno Wendel/ CORREIO

Mesmo segurando uma bíblia, testemunha de sua fé, o pedreiro não conseguiu domar a dor que lhe consumia no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR). "Na minha terra, as pessoas costumam morrer de velhice. Os filhos enterram os pais. Mas hoje estou sentindo a pior dor da minha vida", declarou, emocionado, Eronilson da Silva, 55 anos, natural da cidade de Teodoro Sampaio, pouco depois de reconhecer o corpo do filho, Edilson Ferreira da Silva, 28, na manhã desta quinta-feira (4). Edilson tinha saído da prisão há dois anos. Ele e outros três foram vítimas de uma quarta-feira (3) violenta no bairro de Valéria, em Salvador. 

Todos quatro foram mortos a tiros em regiões do bairro onde atualmente está acirrada a disputa entre as facções Katiara e Bonde do Maluco (BDM) pelo  controle total do tráfico de drogas. Em nota, a Polícia Civil informou que a Secretaria da Segurança Pública (SSP) determinou que os Departamentos de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) atuem em conjunto e com celeridade nessas quatro ocorrências, que, segundo apuração inicial, têm relação com o tráfico de drogas. "Informa ainda que a PM reforçará o patrulhamento no bairro de Valéria", diz a nota.

Apesar de a polícia afirmar que todos os mortos estão relacionados diretamente com a guerra do tráfico, moradores de Valéria disseram ao CORREIO que pelo menos uma das vítimas foi baleada pela Polícia Militar, acionada para atender uma das ocorrências anteriores. Leandro Queiroz da Silva, 20, voltava para casa quando uma guarnição teria chegado atirando na Rua Leão Diniz. 

Ainda segundo os moradores, o bairro está em guerra desde novembro do ano passado, quando o traficante Jho, integrante da Katiara, foi sequestrado e morto por homens armados ligados ao BDM. 

Dor O desejo do pedreiro Eronilson era de que o filho, Edilson, seguisse seu ofício. "Estava preparando para tirá-lo daqui, levá-lo para São Paulo, junto comigo, para trabalhar como meu ajudante. Mas ele não queria, infelizmente. Fui criado na roça e nunca me envolvi com drogas. Dei tanto conselho, falei tanto, mas preferiu o outro lado, fazia parte de grupo que mexe com drogas", contou o pai, que mora em Narandiba. Ele disse que o filho estava numa padaria quando dois homens desceram atirando na Rua Nova Brasília, por volta das 19h desta quarta - segundo moradores, o local é território da Katiara.  No IMLNR, o pedreiro Eronilson da Silva lamenta a morte do filho Edilson (Foto: Bruno Wendel/ CORREIO) Edilson morava com a mulher a poucos metros do local onde foi morto. A mãe dele, a dona de casa Ana Lúcia Gonçalves da Paixão Ferreira, 45, reside no mesmo bairro, mas não soube dar detalhes sobre o crime. "Eu não estava lá, por isso, não sei de nada", respondeu. Ela não soube dizer por qual crime o filho cumpriu pena na prisão por dois anos. "Nem me lembro", disse ela. Questionada sobre o comportamento do filho, a mãe disse que deu conselhos. "A gente fala, mas filho não ouve. Cansava de dizer pra ele não andar com gente envolvida, mas era a mesma coisa que nada", declarou. 

Eronilson disse que é pai de outros três filhos com Ana Lúcia. Eles também têm envolvimento com o tráfico. "Cada um carrega a sua cruz e eu ainda tenho mais três", desabafou. 

Além de Edilson, as outras vítimas foram Jadson Alan Souza Damascena, 20, morto na Rua Penacho Verde, por volta do meio-dia. O tráfico de drogas no local é controlado pela Katiara. Não há informações sobre as circunstâncias do crime.  Pouco depois das 22h, foi encontrado o corpo de um homem ainda não identificado no Caminho 15, após o Atacadão, região dominada pelo BDM. Também não há detalhes de como foi a morte. 

Já no caso da morte de Leandro Queiroz da Silva, ocorrida pouco depois das 21h30, na Rua Leão Diniz, onde o comando é do BDM, moradores relataram que o rapaz trabalhava fazendo pães numa padaria da região e que, ao voltar para a casa, deu de cara com uma guarnição da PM. "A polícia chegou atirando e ele ficou parado, porque não devia nada, era trabalhador. Mas aí os policiais atiraram nele. Mesmo ferido, ele correu, mas caiu morto. Ele era uma pessoa de bem. Ninguém tinha o que falar dele", contou uma mulher que conhecia a vítima, que morava na Rua Boca da Mata.

A reportagem foi até a padaria apontada como o local de trabalho de Leandro. Funcionários disseram que ele não era padeiro, que vez ou outra fazia uns serviços de entrega de pães. Relataram ainda que o rapaz já não aparecia há quase um mês. Outros moradores sinalizaram que há um mês Leandro passou a andar com um grupo de rapazes ligados ao tráfico. 

Posicionamento Segundo a PM, de acordo com informações da 31ª CIPM (Valéria), por volta das 21h45, guarnições da unidade foram acionadas para atender a ocorrência de homicídio na Rua Leão Diniz. No local, os policiais militares acionaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que constatou o óbito de um homem  por disparos de arma de fogo. "A área foi isolada, e o Silc, acionado para realizar a perícia e remoção do corpo. As circunstâncias serão investigadas pela Polícia Civil", diz a nota. 

A PM também se posicionou sobre os outros casos. Sobre a morte de Edilson, filho do pedreiro Eronilson, a nota diz que "por volta das 19h12, guarnições da unidade foram acionadas para atender a ocorrência de homicídio na Rua das Palmeiras, Nova Brasília de Valéria".  No local, a guarnição constatou que havia um homem de 28 anos morto a tiros. Já o crime que resultou na morte de Jadson, os PMs foram acionados pelo Cicom para atender a uma ocorrência de homicídio na Rua Penacho Verde e, no local, constataram o fato. A mesma situação se aplica ao corpo encontrado no Caminho 15. A única diferença é que a vítima também apresentava ferimentos com arma branca.

Reforço A guerra entre a Katiara e o BDM foi acirrada com a morte do traficante Jho. "Ele tinha acabado de sair do mercado e ia levar as compras para mulher, mas resolveu parar num bar e tomar umas. Foi quando dois homens pegaram ele e o botaram no carro", contou uma jovem. Jho estava no Penacho Verde, área de atuação da Katiara, quando foi sequestrado por integrantes do BDM da Palestina, que também atua em algumas localidades de Valéria.

"O corpo dele foi encontrado na BR. Desde então, o bairro vive em guerra. É tiro toda hora. A gente não consegue ficar em paz. Eles passam atirando a qualquer hora do dia ou da noite e a gente vê a hora de ser encontrada por uma dessas balas. Tem gente que já abandonou a casa. Se a situação não melhorar, vou largar tudo e ir para o interior", disse a moradora. 

Ainda na manhã desta quinta, o CORREIO circulou em Valéria e constatou  algumas viaturas do Batalhão de Choque posicionadas na via principal, no trecho da prefeitura-bairro, por volta das 9h30. Neste local, a sensação de segurança era maior. "A polícia aqui é a garantia de que as coisas devem ficar bem melhores', disse o dono de uma loja de calçados. "A situação ontem [anteontem] foi difícil. Um Gol prata circulou atirando pra cima à noite. Ninguém sabe o motivo. Algumas mortes já tinham acontecido. Vamos ver agora com a polícia se a coisa melhora", comentou o funcionário de uma lanchonete. 

Já nas regiões afastadas da via principal, como a Rua do Penacho Verde e Nova Brasília, não havia viaturas posicionadas. "Não ficam. Quando surgem, passam direto. Isso é segurança? Não! Botam as viaturas paradas na principal. Mas onde realmente precisa, de uma ação da PM com mais força, não tem", comentou um agente da prefeitura que mora na Penacho Verde.