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Da Redação
Publicado em 31 de outubro de 2018 às 03:00
- Atualizado há 2 anos
Quem passa pela Avenida Vasco da Gama, em Salvador, talvez não saiba, mas ali fica um terreiros mais antigos e tradicionais do mundo: a Casa de Oxumarê. Nas últimas semanas, no entanto, as paredes brancas do muro que cerca o templo candomblecista foram pichadas com as palavras “Jesus é o caminho”.
O terreiro diz estar resolvendo a situação com seu setor jurídico. Câmeras internas serão consultadas para que uma denúncia formal, de intolerância religiosa, possa ser realizada. “Nós temos câmeras no terreiro que servem para segurança. Elas serão consultadas para que possamos ingressar com denúncias”, contou o ogan da Casa de Oxumarê e rapper, Lázaro Erê.
O babalorixá do terreiro, Babá Pecê, ressaltou que os ataques e a tentativa de interromper ou impedir que o terreiro funcione são constantes.“Sempre os cristãos estão nos atacando. Nós denunciamos, fazemos ações para que a intolerância não ocorra, mas sempre somos atacados”, lamentou em conversa com o CORREIO.Neste ano, a página da Casa de Oxumarê no Facebook sofreu ataques em massa, chegando a ser retirada do ar pela rede social. “Eles estão denunciando em massa a nossa página no Facebook. A página chegou a ser desativada, mas nós entramos em contato com o Facebook e conseguimos colocá-la no ar novamente”, comentou.
Em nota, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) afirmou que uma equipe técnica realizará uma visita ao terreiro nesta quarta-feira (31). Um levantamento dos possíveis danos sofridos na materialidade será realizado."O Ipac se solidariza com toda a comunidade do terreiro e destaca que a intolerância religiosa é inaceitável não só sob a ótica da preservação, mas é inaceitável também sob a ótica das relações humanas e vai de encontro com a Constituição. Reforçamos o nosso repúdio a qualquer ato de vandalismo e preconceito, pois acreditamos que a sociedade deve viver na diversidade", afirmou o instituto em nota.Intolerância dobra O número de registros de intolerância religiosa na Bahia quase que dobrou de 2017 para este ano. Até esta terça-feira (30), foram notificados 74 casos de racismo e 36 de intolerância, totalizando 110 casos pela Secretaria estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) através do Centro de Referência Nelson Mandela. Em 2017, foram 66 no total, sendo 45 de racismo e 21 de intolerância. O caso da Casa de Oxumarê não entrou nessa na contagem.
A secretária da Sepromi, Fabya dos Reis, acredita que o aumento do registro de intolerância religiosa retrata o atual cenário do país, mas que a divulgação do Centro de Referência Nelson Mandela tenha influenciado no número de notificações.“Acredito que o número tenha consequência do cenário que vivemos, que é um momento de acirramento, de crise política e econômica. Nós percebemos que existe um número maior de intolerância religiosa, sempre vinculada às religiões de matriz africana. Esses casos envolvem depredação, apedrejamento, pichações e invasões”, listou.“Nunca é, no entanto, uma variável apenas. Nós temos um trabalho através das oficinas, dos seminários e campanhas que a secretaria vem desenvolvendo, sobretudo após a unidade móvel do centro de referência começar a se deslocar para os territórios baianos. Temos uma divulgação maior do serviço e levamos esse conhecimento para a população”, acrescentou.
Fabya contou que a Sepromi atua em uma rede de combate ao racismo e intolerância que integra outras entidades, como o Ministério Público (MP-BA), a Defensoria Pública do Estado (DPE), o Tribunal de Justiça (TJ-BA), universidades e órgãos da sociedade civil. “Nós trabalhamos com campanhas para discutir esse racismo estrutural e procuramos difundir ao máximo as razões e as consequências desse crime. Convidamos a sociedade a repensar essa estrutura racista”, ressaltou.Ataques constantes Ao CORREIO, o ogan da casa afirmou que não é a primeira vez que o terreiro é pichado e que os integrantes estão se articulando para que a parede seja pintada. “Essa perseguição, essa tentativa de silenciamento, esses ataques de escárnio e violência, nós de religião de matriz africana já sofremos há muito tempo!”, escreveu o ogan em seu Facebook.
Ao longo dos anos, outros ataques já haviam sido registrados. “Já houve uma vez em que estávamos fazendo nossas obrigações e eles colocaram um carro de som com som para dentro do terreiro. Nós fomos pedir para que fosse retirado e eles não tiraram. Sempre acontecem coisas assim. Até sal eles já jogaram na porta do terreiro”, relatou.
Outro alvo de intolerância religiosa recente no terreiro foi uma grafitagem de Oxumarê que o artista Lee Mendes fez próximo à casa. A imagem foi pintada e, no lugar, uma passagem da Bíblia foi grafitada. “Eles pintaram a imagem e escreveram um verso da Bíblia”, lembrou Babá Pecê. Grafite em homenagem a Oxumarê foi substituído por passagem bíblica nas proximidades do terreiro (Foto: Acervo Pessoal) O CORREIO entrou em contato com a Superintendência de Trânsito de Salvador (Transalvador) e com a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) para saber se a área é de alcance das câmeras que eles dispõem na cidade. A Transalvador afirmou que não possui câmera no local e a SSP-BA disse que não divulga os locais de instalações das câmeras por questões operacionais.
Como denunciar A SSP-BA orienta que o terreiro preste queixa na delegacia da área. Com o caso denunciando, o delegado poderá avaliar a necessidade de procurar por imagens de câmeras próximas do local.
O Centro de Referência Nelson Mandela orienta que vítimas e testemunhas de racismo e intolerância religiosa denunciem a ação criminosa de imediato.“O Centro lembra que é importante registrar a queixa na Delegacia de Polícia Civil mais próxima, narrando o ocorrido com o máximo de detalhes e fornecendo os nomes das testemunhas, além de pedir ao policial para anotar na queixa o desejo de que o agressor seja processado e o crime investigado por meio de um inquérito policial”, afirmou a Sepromi, em nota.As denúncias também podem ser realizadas no próprio Centro, que possui uma equipe multidisciplinar para apoiar as vítimas nas áreas da assistência social, psicológica e jurídica, encaminhando o caso para delegacias, defensoria, ou Ministério Público.
O primeiro contato pode ser realizado através do telefone do Centro de Referência, (71) 3117-7448 / 7447, ou da Ouvidoria Geral do Estado, 0800 284 00 11.
A promotora de Justiça Márcia Teixeira, coordenadora Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH) que abrange o Grupo de Atuação Especial de Combate à Discriminação (GEDHDIS), afirmou que o MP-BA está preparado para receber denúncias e orientar as vítimas nos casos de intolerância religiosa. A denúncia deve ser realizada através na ouvidoria da instituição pelo telefone 0800 284 6803, do e-mail [email protected] ou presencial nas sedes do MP-BA em Salvador.