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Thais Borges
Publicado em 8 de dezembro de 2017 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Horas após a juíza Gelzi Maria Almeida Souza proferir a sentença que absolveu a médica Kátia Vargas da acusação de ter provocado a morte dos irmãos Emanuel e Emanuelle Gomes Dias, em um acidente de trãnsito em outubro de 2013, a decisão dos jurados ainda dominava discussões de especialistas e rodas de conversa entre amigos e nas redes sociais. Foi o assunto do dia.
Kátia tinha sido denunciada pelo MP-BA por duplo homicídio doloso com três qualificadoras: motivo fútil, impossibilidade de defesa da vítima e perigo comum. Para os jurados, não foi o que aconteceu.
“O maior advogado que Kátia Vargas teve foi o Ministério Público, quando pretendeu não julgá-la, mas execrá-la pelo que aconteceu. Há uma diferença entre julgar e execrar alguém em nome de uma mera punição”, afirma, categórico, o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Fernando Santana, professor de Direito Penal da Universidade Federal da Bahia (Ufba).
Em entrevista ao CORREIO, o professor criticou parte da opinião pública, que defendia que Kátia recebesse a maior pena possível. “O que fizeram com o júri? Botaram uma faca no pescoço do júri e disseram: ou pena máxima ou absolvição. E, na dúvida, o júri absolveu. Foi a decisão mais sensata”, diz.
Uma absolvição, inclusive, não é extraordinário. O advogado criminalista Gamil Föppel reforça que qualquer julgamento pode resultar em absolvição ou condenação.
A diferença é que, nesse caso em particular, a grande comoção popular fez com que muita gente passasse a ter um interesse pessoal no desfecho. “Houve uma tese da acusação e os jurados entenderam que a da defesa era mais sustentável”, explica Föppel.
O criminalista ainda comentou sobre possíveis brechas encontradas pela defesa na tese da acusação. Segundo a denúncia oferecida pelo MP-BA, por exemplo, o carro dirigido pela médica Kátia Vargas teria tocado no fundo da moto pilotada por Emanuel. No entanto, durante os depoimentos das duas testemunhas que afirmaram ter visto um choque, foi dito que o toque teria sido na lateral.
O professor Fernando Santana criticou, ainda, a espetacularização do julgamento. Acredita, inclusive, que se Kátia tivesse diante de um juiz comum, não de um júri popular, talvez tivesse sido condenada por homicídio culposo – quando não há intenção de matar: “Na dúvida, o júri absolveu”.
Já o advogado Sebastian Mello, professor da Ufba e da Faculdade Baiana de Direito, reforçou que ninguém pode – sem ser leviano – dizer se a médica é culpada ou inocente: “Não se pode condenar na dúvida. Esse é um princípio constitucional”. Conduta A conduta dos promotores Luciano Assis e Davi Gallo também foi motivo de polêmica: os dois saíram sem assinar a ata que promulgou a sentença. Além disso, divulgaram o resultado em entrevista a jornalistas antes de ele sair oficialmente. Procurados pelo CORREIO, os dois não quiseram dar entrevista. O MP-BA também informou que não se manifestaria.
A juíza Gelzi Maria Almeida Souza fez constar em ata que a atitude dos promotores foi “desrespeitosa e deselegante”. O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) e a Associação dos Magistrados da Bahia (Amab) também não comentaram a conduta. O assistente da acusação, o advogado Daniel Kellernão atendeu às ligações da reportagem.
Uma das maiores críticas da defesa foi aos lados do Departamento de Polícia Técnica (DPT), que também não comentou.
Anulação Ontem, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) pediu a anulação do julgamento. O pedido foi protocolado no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). A acusação alega que a decisão do júri foi contrária à prova dos autos. O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) confirmou que a 1ª Vara do Júri recebeu o pedido de nulidade do MP-BA e que ele está sendo analisado. Não existe prazo para a resposta.
A possibilidade de pedir a aulação já havia sido levatada pelo assistente da acusação, Daniel Keller, logo após o resultado do júri, anteontem.
“A decisão dos jurados foi no sentido de que não houve impacto, de que a moto caiu sozinha. Foi assim que o júri entendeu. Por quê? Não sei. A lei nos dá o direito de apelar, de recorrer, e entre as possibilidades desse recurso, é possível pedir um novo júri”, afirmou Keller.
O recurso foi oficializado ontem pelo MP-BA, no final da manhã. Em nota, o promotor Luciano Assis afirmou que “houve nulidade absoluta em razão de violação de preceitos legais, e portanto, manifesto prejuízo” do julgamento. Ele afirma que a decisão dos jurados, pela negativa de autoria, foi “manifestamente contrária à prova dos autos”. Ele pediu a nulidade com base no artigo 593 do Código de Processo Penal.
Horas antes, o advogado de Kátia Vargas, José Luis Oliveira Lima, chegou a dizer em entrevista ao CORREIO que não seria surpresa se a acusação apelasse em relação do resultado do julgamento.
“Não tenho a menor duvida que a acusação vai recorrer. É um direito dela que eu respeito. Agora, a jurisprudência dominante no Brasil é pela manutenção da decisão do conselho de sentença, que é soberano”, disse.