Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Da Redação
Publicado em 31 de julho de 2013 às 07:26
- Atualizado há 2 anos
Natália Falcón, Joana Rizério e Rangel [email protected]
Povo na rua, cartazes, gritos de guerra, ônibus depredados, repressão policial e engarrafamentos. As manifestações de 2013 repetem os dias que tumultuaram Salvador há dez anos, quando a série de protestos conhecida como Revolta do Buzu, liderada por estudantes secundaristas, parou a cidade. O estopim de 2003 foi o reajuste de vinte centavos na passagem - de R$ 1,30 para R$ 1,50, mesmo valor do último aumento em São Paulo que desencadeou as recentes mobilizações em todo o Brasil. Em 2003, reajuste da tarifa levou milhares às ruas do Centro, com a PM menos violenta; já em 2013, sem aumento em Salvador, a tensão seguiu o rastro de violência do resto do paísDe lá para cá, a forma de protesto mudou. “A galera passava nas salas chamando os alunos para ir às ruas”, lembra o poeta e escritor Emerson Paixão. Na época um dos mais ativos líderes estudantis da Escola Senhor do Bonfim, nos Barris, Paixão recorda da articulação entre os grêmios escolares que desencadeou a Revolta do Buzu. “Era tudo no boca a boca”, acrescenta o operário Roque Peixoto, um dos estudantes à frente das manifestações e que, na época, liderava a Associação Brasileira de Estudantes Secundaristas (Abes). “Fazíamos vaquinha para colocar crédito e falar com outros colégios, mas era um celular para a escola toda”, conta Roque. Nas manifestações recentes, o boca a boca foi substituído pela pulverização em massa: “Uma hora depois que criei o evento no Facebook, já havia três mil pessoas confirmadas”, dimensiona o escritor Pareta Calderasch, ao falar da primeira assembleia do Movimento Passe Livre (MPL) em Salvador, em 15 de junho, no Passeio Público. Apesar de ter tecnologia para mobilizar um maior número de pessoas, as manifestações de hoje não garantem mais gente nas ruas. Segundo a contagem de Pareta, dos 3 mil confirmados via Facebook, apenas 1,2 mil compareceram ao evento. Para o professor Nelson Pretto, da Ufba, a população usa os recursos que possui. “Os meios tecnológicos são um meio de organização e de visibilidade, mas também têm milhares de problemas que são facilitados pela tecnologia. O meio tradicional que sempre foi importante é o grito na rua”, afirma. BorrachadasAssim como na nova onda de protestos, a Revolta do Buzu teve momentos de tensão e confronto com a PM, mas sem a intensidade vista recentemente nas ruas, onde sobraram bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, balas de borracha e detenções. Em 2003, a tática dos líderes para evitar confrontos com a polícia era divulgar uma rota e seguir outra. “A polícia não sabia para onde os manifestantes estavam indo. Quando se pensava em barrar as manifestações, o grupo já estava em outro caminho”, afirma o professor Dêvid Gonçalves, um dos manifestantes da revolta de dez anos atrás.Já Calderasch, do grupo dos novos manifestantes, destaca a falta de estratégia nos protestos deste ano. “O pessoal fez uma passeata do Campo Grande até o Iguatemi. É longo demais, quando chegaram, a polícia os esperava”, afirma. Nos protestos contra a Copa, durante os jogos da Arena Fonte Nova, a PM os aguardava no local.A fronteira da Fifa para a Copa das Confederações (raio de dois quilômetros ao redor do estádio) foi delimitada pela Tropa de Choque, e, antes do jogo Nigéria x Uruguai, dia 20 de junho, um cenário de guerra se instalou fora de campo. Em cada esquina, montanhas de lixo incendiadas, banheiros públicos transformados em trincheiras, três ônibus queimados e dois micro-ônibus da Fifa depredados. As bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela Tropa de Choque para evitar a passagem foram revidadas com pedradas pelos manifestantes. Daí para balas de borracha e spray de pimenta foi um pulo. “Tinha gente com bebê de colo, idosos, gente de paz, ninguém fez nada. Eles encurralavam as pessoas e disparavam bombas de efeito moral com canhões e helicópteros”, descreve Calderasch. Os acontecimentos do dia 20 se aproximaram do caos do domingo, 23 de junho, quando seis mil pessoas se dividiram entre Iguatemi, Garibaldi e Campo Grande, e as cenas de confronto voltaram a se repetir no centro da cidade. Big Brother Além do poder de mobilização, a internet também influenciou as ações policiais. Se, em 2003, as fotos foram tiradas quase que exclusivamente pela imprensa, as câmeras digitais, celulares e smartphones estavam por toda a parte, o que evitou mais excessos por parte da polícia. Um vídeo com imagens de tiros disparados de dentro de um carro oficial do governo, no Vale dos Barris, gerou repercussão suficiente para o governador Jaques Wagner e a Secretaria da Segurança Pública assumirem o compromisso de apurar e punir os responsáveis.O mesmo não aconteceu em 2003, quando ativistas sentavam no chão para travar o trânsito da cidade. “Um major da PM pediu para eu sair da pista. Quando disse que não iria levantar, ele ameaçou pisar na minha cabeça”, lembra Roque Peixoto.PluralidadeOutra diferença entre os dez anos de protestos é a diversidade de bandeiras. Enquanto 2003 mirava apenas o sistema de transportes, os protestos recentes tinham queixas para todo gosto. Nos cartazes, as pautas iam da cura gay ao fim do ato médico, passando pela corrupção e os gastos com a Copa das Confederações.Para o secretário de Transportes de Salvador em 2003, Ivan Barbosa, a chuva de reivindicações deste ano revela que a mobilidade urbana foi apenas o pavio da bomba. “As reivindicações mostram que a sociedade civil está atenta. Pensei até que eles não fossem mais voltar às ruas”, afirma Barbosa, que enfrentou a maior crise da segunda gestão do então prefeito Antonio Imbassahy.Mesmo com as diferenças, muitos dos estudantes secundaristas que foram às ruas há 10 anos, grande parte de escolas públicas, voltaram em 2013 para “acordar o gigante” - expressão que virou lema dos protestos, em referência ao Hino Nacional. E, ao contrário de antes, viram surgir o apoio que não tiveram em 2003. Agora, o tal gigante não teve classe, idade, cor ou renda.Reivindicação: prefeitura garante abrir planilha das empresas de ônibus da capitalO secretário municipal de Transportes e Infraestrutura de Salvador, José Carlos Aleluia, garantiu que divulgará hoje a planilha de gastos das empresas de transporte público. Aleluia havia pedido prazo para informar os dados, sob a alegação de que havia defasagem no atual levantamento feito pelas empresas da capital. No mesmo dia, representantes do Movimento Passe Livre (MPL) em Salvador planejam uma série de atos. Os protestos serão acompanhados pelos manifestantes que estão ocupando a Câmara de Vereadores desde o último dia. Segundo o MPL, eles deixarão o plenário da Casa em direção à Estação da Lapa. De lá, cogitam sair em passeata até a sede do Sindicato de Transporte de Passageiros de Salvador (Setps). Mas, com o término da Copa das Confederações e a trégua do MPL paulista e de outras capitais, os movimentos perderam força em Salvador. Ontem, só vinte ativistas ainda ocupavam a Câmara.Cria da Revolta do Buzu, MPL mantém mira nos transportesApesar da distância de uma década e das diferenças, o Movimento Passe Livre (MPL) é filho da Revolta do Buzu. E, como em 2003, combate o atual sistema de transportes. Em Salvador, não houve aumento na tarifa, mas a redução do preço e a gratuidade permanecem na pauta dos manifestantes. Semelhante ao que aconteceu na Revolta do Buzu, o passe livre sequer foi cogitado pela prefeitura este ano. Em 2003, a revolta não conseguiu baixar a tarifa, mas conseguiu estender a meia passagem estudantil aos finais de semana e congelar por um ano o valor de R$ 1,50. Para Ivan Barbosa, secretário de Trasportes na época, os protestos tiveram influência nos planejamentos que se seguiram. “As manifestações motivaram uma discussão geral que nunca havia acontecido. Minha agenda ficou voltada para isso durante 15 dias”, recorda. Dez anos depois, a redução também foi descartada pelo prefeito ACM Neto (DEM). Mas começou a valer, no último domingo, o bilhete único, que permite que o passageiro pague o valor de uma tarifa (R$ 2,80) no deslocamento com dois ônibus de áreas diferentes (indicados por letras no parabrisa), em um período máximo de duas horas. Mesmo com a ligação umbilical, participantes da Revolta do Buzu criticam a falta de unidade dos movimentos de hoje. “O MPL se tornou uma franquia. Qualquer um se denomina representante. É interessante, mas, para negociar com governantes, não sei se funciona”, critica Roque Peixoto, ex-presidente da Abes. Ele se refere ao fato de Prefeitura e Câmara dos Vereadores terem se movimentado para debater as reivindicações, mas sob a condição de falar com representantes, que o MPL se recusa a eleger.