Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
‘Não podemos chamar de vandalismo, pois isso é parte da cultura de ódio que vivemos há muito tempo’, destaca representante de comitê inter-religioso
Da Redação
Publicado em 9 de dezembro de 2022 às 06:00
Para as religiões de matriz africana, a cor branca simboliza paz, proteção e pureza. Hoje, no entanto, o símbolo ancestral deu lugar a mais uma função: a união religiosa pelo fim da intolerância. Isto porque, pessoas do axé, católicos, evangélicos e bahá'ís, vestiram-se com a cor e protestaram juntos contra o incêndio da estátua da Ialorixá Mãe Stella de Oxóssi. O ato começou às 9h e seguiu até às 12h, na Avenida Paralela - local que abrigava a imagem.
Organizado pelo Comitê Inter-religioso da Bahia, o evento foi batizado de Ato Inter-religioso por uma Cultura de Paz e Respeito. Na ocasião, semblantes de revolta, tristeza e solidariedade pediam para que o incêndio fosse reconhecido como racismo religioso. "Não podemos mais chamar isso de vandalismo é, na verdade, uma parte da cultura de ódio que vivemos há muito tempo", afirmou a Iya Marcia de Ogun, representante do comitê inter-religioso e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais.
Reforço no policiamento e câmeras de segurança nas redondezas da estátua, foram outros pedidos ecoados nas falas dos protestantes. Representando o comando geral da Polícia Militar (PM-Ba), o Major da PM, Geraldo Ramos participou do ato e garantiu a instalação dos equipamentos de filmagem com reconhecimento facial, assim como, a inclusão da área no roteiro de rondas diárias da polícia.
Diante da necessidade de medidas de proteção, o padre Lázaro Muniz, reitor do Santuário São Raimundo Politeama e capelão da Igreja do Rosário dos Pretos, comentou a importância da união de outras religiões no ato, para que ações como esta deixem de ser corriqueiras. "O fato de eu ter uma religião diferente não me torna inimigo do outro. Não estamos aqui para fazer ninguém aceitar o que pregamos por imposição. Todos devem poder escolher", comentou.
Reunidos em uma roda para que todos pudessem se ver e ouvir, outros líderes religiosos e integrantes de coletivos negros, discursaram para os dezenas de presentes. Entre eles estava a cantora baiana Margareth Menezes. "[Participo] como cidadã, pessoa que respeita a todas as religiões e como pessoa que está na equipe de transição do novo governo. Precisamos tomar consciência de que o respeito é um direito de todas as religiões. O que foi feito aqui precisa ser tratado como um crime", destacou a artista.
A Polícia Civil ainda segue investigando se a ação, ocorrida na madrugada de domingo (4), foi criminosa ou acidental. Mas devido a gravidade do incêndio, a estátua ficou completamente destruída e precisou ser removida. Agora, apenas a escultura de Oxóssi ocupa o espaço. Responsável por fomentar a instalação do monumento, em 2019, junto com a prefeitura de Salvador, o diretor da Fundação Gregório de Mattos (FGM), Fernando Guerreiro, lamentou a perda, mas garantiu que ela não será eterna.
Apesar de não poder ser restaurada, devido aos danos que sofreu, uma nova escultura de Mãe Stella poderá ser feita pelos filhos de Tatti Moreno - artista plástico que a construiu, falecido em julho deste ano. “O projeto da obra está preservado e, em contato com os filhos de Tati, queremos viabilizar a construção de uma nova. Daqui para frente, faremos de tudo para que isso ocorra o mais breve possível. Não aceitaremos crimes religiosos, nem contra a cultura”, assegurou o diretor da FGM, durante o ato.
Um grupo de alunos da Escola do Olodum também se uniu aos protestantes. No entanto, hoje, a missão deles não era tocar os tambores, mas apoiar o ato. Encerrando o movimento, todos os presentes formaram um círculo ao redor da estátua de Oxóssi - onde a da Ialorixá também ficava. De mãos dadas, eles entoaram um cântico da nação ketu, antes de gritar “Mãe Stella presente”.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro