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Alexandre Lyrio
Publicado em 18 de outubro de 2020 às 11:00
- Atualizado há 2 anos
Eis que Besouro, meu gato preto, não conseguia fazer xixi. Percebi rápido. Levei no veterinário. O diagnóstico foi de cálculos renais. Besouro passou por diversos exames, foi sedado e passou por uma desobstrução, além de internamento. Paguei pouco mais de R$ 1,7 mil. Mas exatos 17 dias depois, apresentou o mesmo problema. Voltamos na clínica e, como da outra vez, o veterinário abriu uma planilha de custos na minha frente. Na minha cabeça, aliás, isso deveria ser proibido. Médico é para falar de saúde e não de dinheiro.
Bem, o valor a ser pago seria o mesmo. Os mesmos R$ 1,7 mil e os mesmos procedimentos para resolver um problema que eles não resolveram da primeira vez. Eu disse que não tinha condições de pagar. Os dois gastos com a clínica somados ao valor dos medicamentos chegariam a mais de 80% do meu salário líquido. Eu disse que não tinha aquele dinheiro. Não me foi dada qualquer alternativa de tratamento ou redução dos custos.
Quis tirar Besouro dali. E tirei! O veterinário me fez assinar algum termo e disse mais ou menos o seguinte: “Olha, ele não corre risco no momento. Mas esteja ciente de que ele vai precisar fazer o procedimento”. E emendou: “Estarei torcendo que dê tudo certo. Vou te ligar para saber do Besouro, ok?”.
Nunca ligou! E nem imagina que Besouro jamais fez ou precisou fazer qualquer procedimento. Por indicação de um veterinário de confiança (mas que não tem clínica), levei Besouro em outro lugar. Fui atendido, aí sim, por uma veterinária sensível e empática. Viu minha aflição e sequer cobrou a consulta.
Tentamos com medicações e Besouro ficou bem por um tempo. Mas o problema voltou em alguns dias e levei em outro veterinário. Ele seguiu basicamente o que a anterior fez, mas sugeriu medicações mais potentes. “Eu não vou internar e tentar a desobstrução de um gato que está bem. Ele está esperto, só não está urinando. Se a bexiga não está repleta, o que se vê com exame clínico, algo pode estar inflamado e impedindo que ele possa expelir os cálculos. Quando desinflamar, tenho convicção de que vai sair".Deu certo. Besouro está ótimo! Custo total: R$ 100 de consulta e R$ 70 de medicações.
Tive então a ideia de produzir essa reportagem. Mas, em busca de fontes, a pauta vazou. Foi parar em um grupo de WhattsApp de veterinários e donos de clínicas. Pronto: virei o inimigo número 1 dos veterinários. “Eles ficaram transtornados. Parecia que tava caindo uma bomba atômica”, disse a mim um dos participantes do grupo, que me enviou prints das conversas.
Dezenas de veterinários que não me seguem e que eu nunca tinha visto passaram a ver meus stories e me monitorar no Instagram. Recebi ameaças de que seria denunciado ao Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV). Agora veja se eu estou preocupado em ser denunciado ao CRMV. Querem reclamar do meu trabalho, vão à Justiça, à Associação Bahiana de Imprensa (ABI) ou à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
Um amigo me alertou de que eu seria prejudicado em um dos meus projetos. Mantenho o perfil @lampiaocaogaceiro no Instagram, que tem como estrela o meu vira-lata, Lampião. Ele acumula mais de 13 mil seguidores e, de vez em quando, escreve uma coluna no CORREIO. Coluna esta que, nos últimos dois anos, deu visibilidade para dezenas, vejam só, dezenas de clínicas e veterinários. Mas meu amigo estava certo. Dois dias depois do vazamento da pauta, um dos parceiros enviou mensagem dizendo que, por conta da pandemia e contenção de gastos, estava suspendendo a parceria.
Eu não tenho medo de veterinário, nem de dono de clínica veterinária. E nem de perder parceiros. Sou jornalista e "pai" de pets. O que me interessa é fazer boas reportagens e cuidar dos meus bichos. Quanto a vocês, veterinários, do que vocês têm medo? Trabalhem certo. E trabalhar certo não é simplesmente seguir protocolos médicos. Sejam sensíveis às condições dos tutores, pensem em alternativas. Muitos fazem isso e quem não faz deveria fazer. Medicina não tem um caminho só a seguir.