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Gabriel Moura
Publicado em 26 de janeiro de 2020 às 02:00
- Atualizado há 2 anos
Foto: Reprodução/Acervo pessoal Dois anos atrás, mais especificamente no dia 29 de janeiro de 2018, um garoto de 18 anos pulava do computador e saia correndo e gritando pela casa. A razão do entusiasmo não era uma declaração da crush ou o anúncio de uma nova temporada da sua série favorita, mas sim o resultado do Sisu, que apontava o nome de Lívio Pereira - um negro da periferia que fez o ensino médio inteiro em colégio público - como primeiro lugar geral em Direito na Universidade Federal da Bahia (Ufba).
Poucos dias após a conquista e ainda tomado pela euforia, o jovem conversou com o CORREIO, quando revelou o desejo de servir de exemplo para outros garotos e garotas que, assim como ele, estudaram em escolas públicas e sonham em entrar na Federal. Hoje, aos 20 anos, com quatro semestres do curso nas costas e um sorriso no rosto, o universitário conta que, de fato, ajudou outros estudantes que tinham o mesmo sonho dele.
Assim que a matéria foi publicada, o garoto começou a receber mensagens de outros jovens pedindo ajuda e conselhos. Lívio chegou a ir na Biblioteca Central com alguns deles - que posteriormente viraram seus amigos - para estudar. Esse contato com outros estudantes, somado com sua experiência própria, fez o rapaz perceber que o maior problema das escolas públicas não é a estrutura ou nível de ensino, mas a falta de pessoas que acreditem nela e nos meninos que lá estão. “O jovem pobre e de colégio estadual, em muitos casos, não tem o direito de sonhar. Sempre escuta que jamais conseguirá nada na vida. Como ninguém acredita nele, ele deixa de acreditar em si mesmo. Esse é o maior problema que nós enfrentamos. Claro que não há como comparar a estrutura das nossas escolas com as particulares, nem a qualidade do ensino, pois aqueles lugares são verdadeiros preparatórios para o vestibular. Mas essas dificuldades nós conseguimos enfrentar com luta. Mas se acreditarmos que não é possível, nem conseguimos lutar”, afirma.Apesar disso, Lívio lembra que a falta de um ensino adequado na escola causou dificuldade para ele nos primeiros semestres da faculdade. O jovem sentiu a mudança de ritmo. Seu rendimento no primeiro ano do curso foi aquém do que ele esperava, com algumas notas baixas - algo que ele conseguiu reverter no terceiro e quarto período.
Maior desafio Mas a eventual dificuldade de compreensão dos assuntos não era o que mais o assustava. Esforçado, o jovem sabia que conseguiria vencer esse desafio com sua garra - a mesma que o fez passar no Enem. O que realmente deixava Lívio com medo era um eventual racismo ou preconceito de classe que ele poderia sofrer na Faculdade de Direito, historicamente, um curso elitista.
Chegando lá, felizmente, a surpresa foi positiva. Por conta da reportagem do CORREIO, Lívio entrou na faculdade como o “calouro famoso” e isso o ajudou a fazer amizades. Além disso, por conta das cotas, o garoto se deparou com um ambiente muito mais plural do que imaginava.
“Atualmente, é muito melhor (a faculdade). Os professores relatam que antigamente lá era muito elitizado. Hoje, isso mudou. Tenho até colegas em condição financeira mais difícil que eu, além de outros estudantes de colégio público. Isso me deixa feliz demais, pois muitas pessoas, só de verem a farda da escola estadual, já enxergam a gente como um delinquente ou pessoa sem futuro. Quando nós chegamos a um espaço como esse, que também pertence a nós, provamos que eles estão errados. Nossa presença aqui incomoda e queremos incomodar”, defende.
Futuro Passadas as dificuldades dos primeiros meses, Lívio já está adaptado. Prestes a começar o quinto semestre do curso (são dez ao todo), o jovem já decidiu que quer seguir carreira entre as áreas administrativa, financeira, constitucional ou penal. O estudante, inclusive, faz estágio nessas áreas desde o primeiro semestre - e a bolsa o ajuda a manter os custos da universidade.
O garoto também conseguiu organizar sua rotina de vida e de estudos para conseguir unir as obrigações com as gandaias da vida universitária. Mas o jovem garante que não é muito de farra e coloca sempre os estudos à frente de tudo. A dedicação é tanta que até nas férias ele não se separa dos livros.
“Agora mesmo eu estou na Ilha (de Itaparica) e todo dia acordo às 7h para revisar os assuntos. Não posso perder o pique. Uma das primeiras coisas que aprendi é que na faculdade não se pode deixar para estudar na última hora antes da prova, igual ao colégio, ou você vai se dar mal”, brinca.
*Com orientação do editor Wladimir Pinheiro.