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Thais Borges
Publicado em 25 de maio de 2017 às 04:00
- Atualizado há 2 anos
Entre os ácidos usados em ataques contra mulheres, há três mais frequentes: o sulfúrico, o nítrico e o clorídrico (também conhecido como ácido muriático), de acordo com as entidades que apoiam sobreviventes dessa violência. Além desses, há o ácido fosfórico.
“O mais comum é o ácido muriático, que é para limpeza de piso pós-obra, é o mais comum aqui”, explica o coordenador do Centro de Tratamento de Queimados e do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Geral do Estado (HGE), Marcos Barroso, referindo-se aos pacientes atendidos pelo setor. O ácido muriático é facilmente encontrado em casas de material de construção. Na internet, um litro é vendido por cerca de R$ 10. Em Salvador, encontramos por até R$ 5.
Em março, o vereador Igor Kannário apresentou um Projeto de Lei na Câmara Municipal para controlar a venda de ácidos a pessoas físicas na cidade. Votado nesta quarta-feira (24), o PL 156/2016 foi aprovado pela Casa. Segundo o texto da matéria, qualquer comprador deve apresentar um documento de identificação, além de um comprovante de residência. A justificativa do projeto, segundo o texto, é justamente o aumento do número de casos de violência doméstica com ataques com ácido.
Segundo o professor Hélio Pimentel, do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia (Ufba), especialista em segurança química e materiais perigosos, todos esses ácidos usados nos ataques são perigosos. São, inclusive, chamados de ‘ácidos fortes’ na Química, porque se dissociam completamente.“Não é como o ácido acético, que, diluído, a gente bebe no vinagre. Esse agem com bastante corrosão se encontram material hidratado, como a pede como corpo humano. Ele vai reagir, estragar e danificar os tecidos humanos”. O ácido sulfúrico, inclusive, é capaz de penetrar até os ossos.
O professor critica a facilidade com a qual esses ácidos podem ser comprados. “Tem lugar que até criança pode comprar. Assim como remédios que tem restrição de identidade, produtos químicos perigosos não deveriam ser comercializados com essa tranquilidade. As pessoas estão usando para cometer crimes e ficam no anonimato, porque vão comprar e ninguém sabe quem comprou. Não sou contra comercializar, sou contra não identificar (o comprador)”.
O Exército Brasileiro fiscaliza a comercialização de produtos como os ácidos, mas nenhum dos quatro está na lista de produtos controlados atualmente. Até 2012, o ácido nítrico era o único que tinha controlado, mas somente nas etapas de produção. Segundo o Setor de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército, estão na lista das Forças Armadas somente produtos e substâncias que têm efeito psíquico, neurológico ou lacrimogênio, além daqueles que podem ser usados na fabricação de explosivos ou de armas químicas.
Com exceção do ácido nítrico, todos os outros ácidos estão na lista de fiscalização da Polícia Federal (PF), mas o acompanhamento é feito somente com as empresas que vendem os produtos. A assessoria da PF não deu mais detalhes sobre como é feita a fiscalização.
Base, não ácido
No dia 8 deste mês, a recicladora Vanessa Ferreira Santos, 28 anos foi vítima de um desses ataques enquanto trabalhava em um galpão de reciclagem no bairro de Valéria. Até esta quinta-feira (25), ela continuava internada no HGE, depois de ter boa parte do corpo atingido pela substância. No entanto, a instituição não pode confirmar qual foi o ácido que atingiu a recicladora – nem se foi mesmo um ácido.
O que acontece é que há outra substância química que, por vezes, é muito mais usada do que os ácidos, em ataques como o que Vanessa sofreu, segundo Marcos Barroso, do HGE. “A maioria das vezes dizem que é ácido, mas é soda cáustica, que substância alcalina. É base, não ácido – ou seja, pela Química, é um composto oposto ao outro – , mas dá uma queimadura profunda e grave. Mesmo com todo tratamento adequado fica a vida toda”, diz o médico. A grande preocupação dos especialistas é que a soda cáustica é ainda mais acessível: está disponível até em supermercados.Embora as duas queimaduras sejam chamadas ‘queimaduras químicas’, elas têm mecanismos de ação diferente. Quando um ácido entra em contato com a pele, a necrose do tecido é por corrosão. Quando a queimadura é provocada por uma base, a necrose é por liquefação. Ou seja: é como se a pele se liquefizesse.A lesão por ácido tende a ficar um pouco mais escurecida, mas, depois, a profundidade da lesão é a mesma. Assim, o tratamento das duas é similar. “O grande problema é que, como o aspecto final da lesão é semelhante, a gente não tem como saber se foi alcalino ou ácido. O paciente geralmente não sabe, mas, às vezes, quando ele contra a história, a gente descobre”. A aparência dos ácidos e da soda cáustica também é parecida, segundo ele.Seja lá qual for a substância, a primeira medida a se tomar, em caso de queimadura química, é irrigar com abundância. Além disso, o paciente deve ser levado imediatamente a um hospital.
Mais de 1,5 mil ataques são reportados por ano no mundoAtaques com ácido como uma forma de violência contra a mulher são um problema comum em países como a Índia, Paquistão, Bangladesh e Camboja. Pelo menos 1,5 mil ataques são reportados no mundo todo por ano, de acordo com as entidades não-governamentais que apoiam as vítimas. No entanto, a estimativa dos especialistas é de que a realidade seja muito maior: só na Índia, são dois ou três ataques por semana.De uma forma geral, são países onde há muita desigualdade de gênero. Isso reflete nas estatísticas: 80% das vítimas são mulheres. Em alguns países, cerca de 70% delas são menores de 18 anos. Segundo o relatório do Centro Global para Mulheres Avon, os ataques com ácido têm o objetivo de destruir a beleza dessas mulheres.Na Índia, onde os ataques são comuns, há um café gerenciado pelas sobreviventes dessa violência na cidade de Agra (Foto: Divulgação)Os principais motivos para os agressores são quando as mulheres rejeitam propostas de casamento ou sexo. Em outros casos, eles atacam esposas e filhas de homens com os quais têm disputas por terras ou negócios. Para eles, desfigurar essas mulheres trará um dano à toda família.
A ONG Acid Survivors Trust International (Asti), que oferece apoio às vítimas, defende que é preciso de um movimento global para acabar com a violência por ácido. “O movimento deve insistir que qualquer injustiça que aconteça com toda mulher acontece com todos nós. Há uma função para todos: de artistas a médicos, jornalistas ao Judiciário, das grandes empresas aos cidadãos comuns – e às próprias sovreviventes”, defendem, em um manifesto, em inglês.