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Fernanda Varela
Publicado em 30 de janeiro de 2020 às 14:12
- Atualizado há 2 anos
O dia 2 de fevereiro é sagrado para os baianos e, a partir deste ano, se tornará ainda mais especial. É que neste sábado (1º), véspera de uma das mais tradicionais celebrações religiosas do calendário baiano, o Dia de Iemanjá se tornará Patrimônio Imaterial de Salvador.
A partir das 10h, na Colônia de Pescadores do Rio Vermelho, uma solenidade marcará a entrada da Festa de Iemanjá do Rio Vermelho no “Livro do Registro Especial dos eventos e Celebrações”. O pedido de registro e reconhecimento da festa como Patrimônio Cultural de Salvador foi feito pela Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Bahia, com o apoio da própria Colônia de Pescadores, que organiza a festa.
O processo será realizado pela Prefeitura de Salvador, por meio da Fundação Gregório de Mattos (FGM), que promoverá o ato solene.
Para abertura do processo, a equipe técnica do Departamento de Patrimônio Histórico da FGM consultou pescadores do Rio Vermelho, que também assinaram declaração de anuência quanto ao registro da festa como Patrimônio Cultural do Município.
Ao CORREIO, a FGM informou que o Registro Especial do Patrimônio Imaterial pela Prefeitura, por meio da lei 8550/14, "se constitui em ação de valorização e reconhecimento da Festa de Iemanjá do Rio Vermelho". Acrescentou ainda que "o presente do Rio Vermelho vem sendo promovido por pescadores desde a década de 20 do século passado, reforçando a fé no culto afro-brasileiro, e alcançou espaço no calendário, reunindo pessoas de todas as partes do mundo, reforçando os laços de pertencimento com o mar do Rio Vermelho e sua história, que está integrada ao universo macro da cidade do Salvador, logo trata-se de referência cultural local digna de nota".
Ainda segundo a fundação, após o registro ser feito neste sábado (1º), haverá uma reunião com detentores e produtores da Festa de Iemanjá para a elaboração de um Plano de Salvaguarda, que tem como objetivo promover ações de apoio à celebração e implementar as ações de curto, médio ou longo.
O CORREIO conversou com Roberta Casali, presidente da Comissão de Responsabilidade Social da OAB Bahia e secretária geral da Comissão Nacional de Meio Ambiente da OAB, responsável por tomar a iniciativa de propor a imaterialização da festa dedicada à sereia.
"Tomei a iniciativa de fazer a proposta à Ordem e fizemos uma petição de requerimento após uma longa pesquisa envolvendo a Festa de Iemanjá. O requerimento foi feito para a FGM, para que haja imaterialização em Salvador, mas também para o Ipac (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia), para que tenhamos esse reconhecimento no estado, e para o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), para que seja nacional também. Esses dois últimos estão tramitando ainda", disse.
Ela acrescenta ainda que a festa é uma das mais importantes do calendário baiano. "A Festa de Iemanjá é a com maior visibilidade na região, não temos nenhuma outra assim. Fora isso, acho um festejo riquíssimo em representatividade, principalmente para o candomblé", completou.
Já para Cristiane Sobrinho, doutora em Antropologia e mestre em Estudos Étnicos e Africanos, esse processo de patrimonialização imaterial será de suma importância. "É importantíssimo, porque a Festa de Iemanjá é a única da cidade que não tem relação direta com o catolicismo, que não tem esse sincretismo direto com a Igreja Católica", avalia.
A pesquisadora enaltece ainda a força que tem os festejos de 2 de fevereiro. "A festa acontece desde o século 20, feita pelos pescadores. Isso mostra uma resistência. A Colônia de Pescadores do Rio Vermelho, que é a mais antiga da Bahia, tem uma força imensa e conseguiu manter essa festa com fortes tradições. Ela passa por mudanças ao longo dos anos, como a própria preocupação com a ecologia, o meio ambiente, mas segue seus rituais. Então, essa imaterialização também é uma forma de assegurar um apoio institucional para que ela siga", completa.Pedido O CORREIO teve acesso ao documento que solicita a imaterialização da Festa de Iemanjá. Veja na íntegra as justificativas que sustentaram o pedido:
1. Por ser a principal festividade em homenagem a Iemanjá do mundo; 2. Por expressar, a um só tempo, tradicional comemoração em religiões de matriz africana, como Candomblé e Umbanda, bem como manifestação secular de comunidade de pescadores locais; 3. Por ser uma celebração de continuidade histórica, representativa que está sempre se (re)elaborando e se atualizando na construção e fortalecimento da identidade religiosa e cultural, pública e popular; 4. Por congregar hoje não apenas povos de terreiros e pescadores como também, diante da magnitude que alcançou, atrair devotos de diversas religiões, curiosos e turistas locais, nacionais e internacionais; 5. Por oferecer visibilidade e proporcionar a difusão de saberes das manifestações tradicionais afro-brasileiras na cidade; 6. Por ser um instrumento no combate ao racismo e à intolerância religiosa, por meio de seus ritos e suas práticas, fortalecendo a compreensão da pluralidade cultural; 7. Por reconhecer práticas e conhecimentos de culturas afrodescendentes, que expressam as culturas do povo do Axé; 8. Por se trata se evento de grande relevância e promover a imagem do país no exterior, haja vista movimentação do setor de turismo e comércio em decorrência da divulgação de suas belíssimas imagens e canções por todo o mundo; 9. Por ter sido reconhecida como patrimônio cultural em outros estados brasileiros; 10. Por ser considerada como a inauguração do calendário de carnaval do estado da Bahia; 11. Por ser imprescindível a preservação e difusão da memória cultural brasileira por intermédio do instrumento do registro de festas populares, previsto no Decreto Federal nº 3.551/2000; e 12. Pelo fato de que o registro recomendará ações de salvaguarda, possibilitando a manutenção da “memória coletiva” e seu reconhecimento com o patrimônio cultural nacional.