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Norberto Odebrecht: centenário do fundador do grupo resgata história de um nome além do tempo

Conheça a história do empresário

  • Foto do(a) author(a) Ronaldo Jacobina
  • Ronaldo Jacobina

Publicado em 27 de setembro de 2020 às 11:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Foto: Arquivo CORREIO
. por Foto: Divulgação

Certa feita, um prefeito baiano procurou Norberto Odebrecht (1920-2014) para informar que gostaria de homenageá-lo com um busto em praça pública. O pernambucano riu de banda e pediu tempo para pensar. Queria saber o que seu pessoal achava. Como quem não queria nada, consultou seu então diretor de comunicação, Márcio Polidoro. Este o conhecia bem e devolveu-lhe com outra pergunta: “Em vida, o senhor acha meio esquisito, não é?”.

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Odebrecht já sabia o que responder, mas gostava de “testar” os que o rondavam. “Você tem toda razão, isso de as pessoas me verem lá todo dia me preocupa, mas o que acho pior mesmo é ver os pombos ‘cagarem’ na minha cabeça”. Embora pragmático, tinha senso de humor. “Ele gostava de piadas”, revela a neta Iolanda Peltier. Discreto, não gostava de aparecer. Tão pouco de homenagens. Não foram poucas as que recusou. Ainda mais se viessem com sua efígie. 

A única que, em vida, aceitou receber seria concedida só após sua morte. Partiu dos membros da Ordem Beneditina do Mosteiro de São Bento da Bahia, com a qual tinha boas relações de amizade, apesar da formação religiosa luterana que recebeu do preceptor alemão contratado pelos pais para educá-lo. Considerou tamanha honraria que deixou o compromisso registrado em carta. Para que não pairassem dúvidas.

“Aceito a honraria de ter meus restos mortais trasladados, após o tempo apropriado, do Mausoléu da Família Odebrecht para o Ossuário da Capela Lateral de Santa Gertrudes, na Basílica de São Sebastião da Bahia, no Mosteiro de São Bento. Minha Família está ciente e não se oporá ao que aqui expresso”, escreveu, em carta endereçada ao abade dom Emanoel, com cópia destinada aos filhos, à qual a reportagem teve acesso.

O tempo apropriado, ao qual se referiu na missiva, era de, no mínimo, três anos após a morte, segundo norma da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Já se passaram seis, e, apesar do desejo da Ordem Beneditina de trasladá-los, os restos mortais ainda repousam no mausoléu projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi, no Cemitério do Campo Santo, na Federação.

A intenção do Mosteiro de São Bento era que a transferência fosse feita este ano, quando ele faria 100 anos. Consultados, os filhos ainda não se pronunciaram. Elegante, o abade prefere não se manifestar enquanto a resposta não chega. Atribui o silêncio da família à pandemia.

No próximo dia 9 de outubro, completa um século do seu nascimento. Embora tenha nascido no Recife, foi na Bahia onde viveu desde garoto, formou-se em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Bahia e construiu seu império, hoje espalhado pelo planeta.

Avesso a festas e celebrações, nem aniversários comemorava. O seu e o de ninguém. Detestava celebrações. Ao longo de 93 anos, passou a léguas de distância das badalações e holofotes. Mas a data é marcante. E a empresa não quer deixar passá-la em branco, mas de jeito dele. “Será tudo muito discreto”, garantem.  A Odebrecht, que nos últimos anos teve a imagem arranhada pela Lava Jato, vai exaltar a imagem de seu fundador, que partiu antes do turbilhão. O atual comando da empresa quer virar a página. Firmou acordos com autoridades brasileiras e estrangeiras para devolução de R$ 2,7 bilhões ao longo dos próximos 20 anos, valor que, pelos cálculos projetados pela Advocacia Geral da União (AGU), pode chegar a R$ 6,8 bilhões corrigidos ao final do prazo.

“A Odebrecht mudou sua forma de atuação e implantou controles internos mais rigorosos, que reforçam o compromisso da empresa com a ética, a integridade e a transparência”, afirma Marcelo Gentil, responsável pela comunicação do grupo na Região Nordeste.

Em assembleia virtual, no último dia 22 de abril, os credores aprovaram, após dez meses de intensas negociações, o plano de recuperação judicial da Odebrecht  e de mais 11 empresas controladas ou controladoras.

“Foi uma demonstração de confiança no nosso futuro e destrava as ações para darmos continuidade a uma história de mais de 75 anos de realizações. Com novas e importantes contribuições para as sociedades em que estamos inseridos, cumpriremos o plano de recuperação judicial e voltaremos a ter imagem e reputação positivas”, diz Ruy Sampaio, presidente da Odebrecht S.A.

Fênix  Essa, aliás, não foi a primeira vez que a empresa quase sucumbiu. A crise de agora, claro, é bem diferente de outras do passado. Como a que quase a abateu durante a Segunda Guerra Mundial, quando os insumos, a maioria importados, atrasavam muito, e o Brasil, pouco ou quase nada, produzia, enquanto a inflação disparava. A construtora, àquela época, era comandada por seu pai, Emílio, mas foi Norberto, o filho, ainda estudante de engenharia, quem a salvou. 

“Meu pai não compreendeu nada, pegou o patrimônio da empresa e da família, entregou ao banco e foi embora”, disse Norberto Odebrecht, em entrevista à Muito, suplemento semanal de A Tarde, em 2008. O jovem assumiu o comando, entregou as obras e foi negociar as dívidas. Transformou os operários em parceiros e partilhou resultados com eles, firmando um pacto social. Com o restante, quitou as dívidas, negociou com o banco e recomeçou do zero.

E assim, talvez, a história se repetirá! Dentre as homenagens programadas para o centenário de Norberto, está a criação de um site dedicado a ele, cuja imagem permanece respeitada. Na página virtual, que já está no ar (www.norbertoodebrecht100anos.com.br), estão reunidos imagens, depoimentos, documentos e outros fatos históricos.

Está previsto também um vídeo, que será postado nas redes sociais de forma fragmentada. Tipo web série. Mas o grande feito mesmo será a entrega do trabalho de sistematização da tecnologia social concebida pelo engenheiro-empresário para a Fundação Odebrecht, comandada por ele durante os últimos 16 anos antes de sua morte, em julho de 2014.

A trajetória do empresário, iniciada na Bahia, ganhou o mundo e deixou a marca da companhia em grandiosas obras espalhadas pelo Brasil - como o Hotel da Bahia, em Salvador, e o Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro - e em todos os continentes. Mas não é apenas como engenheiro e executivo que ele é lembrado. Além do espírito de liderança, seus admiradores e pupilos o descrevem como um educador responsável pela formação profissional de milhares de engenheiros e gestores.

Foi esse lado educador que deu origem aos princípios, conceitos e critérios que ancoram a Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO), livro guia dos “odebrechtianos” e obra admirada por gerações de engenheiros e empreendedores. Esta é, talvez, a mais importante das obras, dentre outras tantas que escreveu. A TEO, segundo Polidoro, tornou-se uma filosofia de vida que “rompe barreiras empresariais ao valorizar potencialidades do ser humano, como a disposição para servir, a capacidade e o desejo de evoluir e a vontade de superar resultados”.

Homem de muita leitura e de poucos amigos, assim era Norberto “Só tive Barachísio Lisboa. Trocávamos confidências, éramos muito próximos”, declarou certa vez. Com Irmã Dulce (hoje Santa Dulce dos Pobres), tinha uma relação próxima. Dizia que era sua conselheira. Nas horas difíceis, ambos se socorriam. Ele com recursos financeiros; ela com conselhos para superar momentos difíceis. Na intimidade, a chamava de “minha mestra, minha mãe profissional”.

Muito ligado à família, gostava do convívio com os seus. No Verão, juntava quem podia carregar e partia em temporada de férias na Ilha de Kieppe, localizada a quatro quilômetros da ponta da Península de Maraú, no Sul do estado. Mas o ente querido precisava merecer estar ali.

A neta Iolanda conta que a ilha, para ele, era o local para conviver com a família, “mas o entretenimento nunca podia vir sem o merecimento”. Segundo ela, para o avô, a propriedade precisava ser produtiva e um local de aprendizado – “da natureza, seus ciclos, as marés e de certas atividades específicas, inerentes ao local, como pescar”, lembra.

O empresário, ao contrário de dar o peixe, ensinava a fisgá-lo. “Comprávamos os equipamentos de pesca e o que pescávamos, parte ia para o consumo, parte vendíamos em Ituberá, cidade mais próxima. E assim o ciclo estava completo - com o dinheiro da venda, comprávamos, no ano seguinte, os aviamentos para as pescarias das próximas férias”, conta.

Embora fosse o homem forte da família, não se considerava patriarca. “Não me meto na vida dos filhos, deixo-os muito à vontade”, dizia. Para o engenheiro, que recebeu educação prussiana e achava que mulher deveria ficar em casa cuidando dos filhos, costumava dizer que “o maior monumento de um homem são os homens que ele forma”. Rigoroso com a educação dos filhos, disse certa vez: “Hoje o que a gente vê são filhos que não chegam aos pés dos pais. E a obrigação de um pai é o que o filho possa superá-lo”.

Para o descendente de alemães, seu maior orgulho foi ter conseguido manter a família unida. “Não tem discussão na família, nada! Do que mais eu me orgulho? De ver meus filhos arrumados. Isso eu consegui!”, disse, seis anos antes de morrer.