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Da Redação
Publicado em 17 de agosto de 2022 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
A violência que atinge motoristas de aplicativos cresce consideravelmente na Bahia. Entre janeiro e agosto deste ano, sete desses profissionais sofreram latrocínios [roubos seguidos de morte]. O número de mortes mais do que triplicou em comparação com o mesmo período do ano passado, quando dois condutores foram assassinados após sofrerem assaltos enquanto estava de serviço. O reflexo desse cenário é que os profissionais estão aterrorizados em sair para trabalhar sem saber se voltarão para casa.
Em apenas quatro dias de agosto, dois motoristas foram mortos enquanto trabalhavam em Salvador e na Região Metropolitana. De acordo com o levantamento feito pelo Sindicato dos Motoristas por Aplicativo da Bahia (Simactter), os sete latrocínios ocorridos na Bahia nos oito meses do ano foram registrados em Salvador (2), Simões Filho (1), Itapetinga (1), Feira de Santana (2) e Ilhéus (1).
A última vítima foi Florisvaldo Rodrigues Filho, 46 anos, morto a tiros durante uma corrida na noite de domingo (14), na Av. Pinto de Aguiar. Antes do desfecho trágico, o motorista, que trabalhava com aplicativos há quatro anos, já havia sido vítima de assalto pelo menos duas vezes, segundo contou uma sobrinha. “Ele já tinha sofrido assalto, levaram celular, dinheiro…Ele morava no Doron, mas rodava toda a cidade de Salvador”, disse Iani Sued Rodrigues. Florisvaldo deixou mulher e quatro filhos, sendo dois ainda pequenos, um de 3 meses e outro de 3 anos.
Quatro dias antes de Florisvaldo ser assassinado, o também motorista Ednoel Santos Moura, 40, foi baleado e morto durante uma troca de tiros entre suspeitos de assalto e a Polícia Militar, na estrada CIA-Aeroporto. Para o diretor do Simactter, Lucas Magno, os dois casos ocorridos em sequência demonstram um aumento da insegurança no cotidiano dos profissionais.
“A violência vem se estendendo todos os dias e sabemos que a quantidade de policias que existe hoje não é suficiente para atender todos os habitantes de Salvador. Infelizmente, os bandidos estão migrando dos assaltos a ônibus para o aplicativo porque eles acham que os motoristas andam com dinheiro, sendo que a maioria só roda com cartão de crédito”, diz Lucas Magno.
Ainda segundo o diretor do Simactter, os criminosos aproveitam o roubo de celulares na rua e utilizam os dispositivos para assaltar os motoristas. “Para aceitar a corrida, nós olhamos a nota do passageiro, mas existe hoje uma modalidade de assalto em que os ladrões pegam o celular roubado para pedir a corrida. Então, o passageiro pode ter uma nota boa, mas quem está por trás é o assaltante”, explica Lucas Magno.
O próprio diretor conta que já sofreu duas tentativas de assalto em seus cinco anos como motorista. “Uma vez o criminoso estava portando uma arma de brinquedo e entramos em luta corporal. Na outra, eu joguei o carro na lateral de uma viatura e consegui me livrar”, relembra
Roubos também aumentam no estado
Ao menos dois motoristas de aplicativo são vítimas de furto por dia na Bahia, segundo o levantamento do sindicato da categoria. Entre janeiro e julho deste ano, foram 600 vítimas de roubos ou furtos registrados nos 24 municípios em que motoristas trabalham com aplicativos no estado. O número leva a uma média de 2,8 ocorrências por dia. No mesmo período, no ano passado, ocorreram 551 casos desse tipo, 2,5 notificações diárias.
Outro dado relevante cedido pelo sindicato é que 90% dos crimes acontecem durante corridas solicitadas por suspeitos disfarçados de passageiros. Um exemplo disso é a situação enfrentada pelo condutor Eliomar Cunha, 34, quando fazia uma viagem com saída do bairro de São Marcos em direção à Sete de Abril.
Eliomar transportava quatro pessoas e foi rendido quando passava pelo estádio Barradão. “Eles estavam vestidos de músicos, com instrumentos, como se tivessem saído de algum bar naquela região”, detalha a vítima. O motorista conseguiu recuperar o carro, que tinha sido levado pelos suspeitos, no mesmo dia. Ele, no entanto, chegou a registrar a ocorrência e reportar o caso à Uber, que, por sua vez, não teria prestado assistência. “É um jogo em que a balança pende para um lado só: para um [a operadora] é só o bônus; para o outro [os motoristas], só o ônus”, se queixa.
O presidente da Simactter, Átila do Congo, atribui o elevado índice ao que ele considera uma baixa exigência, pelas empresas de transporte por aplicativo, para a adesão de passageiros. “Não adianta colocar 2 milhões de policiais militares. Não vai conseguir resolver o problema da segurança com este tanto de motorista por aplicativo. Principalmente porque a empresa afrouxa todo o cadastro de usuário e isso é um prato cheio para o bandido, enquanto o motorista tem toda uma burocracia”, reclama.
Por meio de nota, a Uber lamentou o ocorrido e afirmou que, quanto ao caso trazido pela reportagem, “a conta utilizada para solicitar a viagem foi desativada assim que a empresa tomou conhecimento do episódio”. A empresa disse ainda que tem como foco a prevenção e que o aplicativo dispõe de um recurso de checagem de documentos de usuários. “Ferramenta inédita no Brasil, por meio da qual alguns dos usuários que optarem por pagar sua primeira viagem em dinheiro, sem fornecer dados do meio de pagamento digital, precisarão fornecer um documento de identidade”, diz o texto.
Já a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP) disse que tem reforçado as ações voltadas para prevenir crimes contra motoristas por aplicativo e taxistas. Afirmou ainda que blitzes com objetivo de prevenir roubos foram intensificadas. A SSP disponibiliza, através da Superintendência de Telecomunicações, um número exclusivo voltado para a comunicação imediata de furto ou roubo para os motoristas profissionais, permitindo o acionamento e a atuação mais ágil dos policiais.
Para o professor e pesquisador da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Horácio Hastenreiter, os órgãos da segurança pública e das empresas de transporte de aplicativo devem buscar uma solução conjunta. “Por que a gente tem críticas com relação a nossa segurança pública e tantos elogios durante o carnaval baiano? Porque [o carnaval] é um trabalho que é construído por várias mãos, com muito aprendizado e muita interação entre todas as partes interessadas. A segurança pública é, por si só, problema extremamente complexo e que demanda uma interatividade maior entre os atores”, pontua.
*Orientados pela subchefe de reportagem Monique Lôbo.