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Da Redação
Publicado em 22 de maio de 2012 às 08:26
Juan Torres e Rafael [email protected]@redebahia.com.br
Lojas de ferragens, de som automotivo, de peças de carro usadas, alguns ferros velhos, galpões acumulando carcaças e estratégicas portas por onde se vende cerveja. Atrás de tudo isso, 5.024 habitantes. Apinhados em casas de reboco exposto, em ruas sem calçamento, iluminação, saneamento... Lazer? Não há praças ou campinhos, nem mesmo os de barro.
A Baixa do Fiscal - região que segundo o IBGE pertence ao bairro Calçada - é a localidade mais violenta de Salvador. Lá foram registrados oito dos dez homicídios da Calçada. Se considerarmos a população de todo o bairro, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes ao ano (referência utilizada pela ONU para medir a violência) chega a exorbitantes 526 – a média em toda a capital baiana é de 65.
No segundo dia da série sobre as 1000 mortes em 2012 em Salvador e Região Metropolitana (RMS), o CORREIO mostra o mapa dos homicídios da capital, bairro a bairro, com base nos dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) cruzados com informações do IBGE.
No mapa, fica clara a diferença entre as taxas de homicídios mais baixas nos bairros nobres, em contraponto a uma alta violência na periferia e no Subúrbio Ferroviário, onde fica a Baixa do Fiscal.
“Em muitos lugares, você não tem cara de bairro, não tem uma padaria, uma praça, uma farmácia, isso mexe com a estima das pessoas. Às vezes eu chego em alguns locais e me pergunto: ‘o que essas pessoas fazem no fim de semana?’. Muitas vezes o que sobra é o caminho das drogas”, analisa a delegada Francineide Oliveira, coordenadora do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
“É onde temos a maior densidade populacional em condições precárias. Além da segurança pública, quais são os outros itens que estão pendentes na vida dessas pessoas? Não tem nada. Não tem iluminação, não tem saneamento, nada”, completou o secretário da Segurança Pública, Maurício Barbosa.
A faxineira Raimunda Nascimento, 32, sabe o que isso significa. “Criar filho pequeno aqui é duro. Eu ensino a não andar com quem faz coisa errada e ele, graças a Deus, me obedece, mas ele cresceu vendo defunto na porta de casa”, afirma.
Maior aumento A 2,5 km dali, o Lobato registrou o maior aumento no número de vítimas da violência. Pulou de 11 homicídios na mesma quantidade de dias de 2011 para 22 mortes violentas neste ano, um aumento de 100% com relação ao ano passado.
O motivo da escalada, segundo a delegada Laura Argolo, da DHPP, foi a briga entre gangues rivais que disputam o comando do tráfico de drogas na região. “Em março, houve uma invasão de território que era do traficante Cabelinho e houve nove mortes. De lá para cá, esse índice caiu”, diz.
Mais 4,5 km, chegamos à Liberdade, onde a situação é semelhante. O delegado responsável pela área na Delegacia de Homicídios – que optou por não identificar seu nome – relacionou a morte de sete pessoas entre abril e maio à disputa pelo ponto de venda de drogas que era comandado pelo traficante Bruno Ramos Figueiredo, o Bruxo, preso no dia 19 de abril. Segundo ele, boa parte dos traficantes do Nordeste de Amaralina se instalou na região. “Quem atuava lá e teve de sair depois das Bases Comunitárias encontrou abrigo na Cidade Nova, na Liberdade”, afirmou.
Como resposta aos altos índices de violência no Subúrbio Ferroviário, o secretário Maurício Barbosa apontou a inauguração da Base Comunitária de Segurança de Fazenda Coutos e a construção de outras duas em Rio Sena e Uruguai, e uma nova delegacia em Plataforma.
Ilhas de paz Cercados por áreas com alto índice de homicídios, bairros como o Cabula e o Imbuí não registraram nenhum homicídio em 2012. A estrutura urbana organizada em condomínios de classe média ajudou o trabalho de repressão, segundo analisa a delegada Francineide.
“O trabalho da polícia é diferenciado, porque a viatura transita tranquilamente nas ruas. Na Engomadeira (vizinho ao Cabula) o acesso é prejudicado, há muitos becos onde carros não entram, as casas são construídas de forma mais improvisada”, descreve.
CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIARSecretário: critério econômico influencia policiamentoQuase que em proporção inversa ao índice de homicídios, se distribuem os policiais que atuam na capital baiana. A região mais nobre da capital, que compreende os bairros da Graça, Barra e Corredor da Vitória, possui 40.997 habitantes. Para a segurança desta parcela da população, há uma Delegacia Territorial, a 14ª, e uma companhia da Polícia Militar. Lá, houve neste ano três homicídios.
Por outro lado 374.013 moradores de 22 bairros em uma região – que tem em seus extremos os bairros do Pernambués, Calabetão, CAB e Mata Escura – também têm direito a uma única delegacia, a 11ª DT. Nesta região morreram 79 pessoas este ano.
Em outra região crítica da cidade, que compreende nove bairros entre o Sâo Caetano e a Fazenda Grande do Retiro, há apenas uma delegacia (a 4ªDT) e uma companhia da PM para 216.260 habitantes. Nestes bairros, 51 pessoas foram vítimas fatais da violência.
O jornal CORREIO solicitou o número de policiais por Área Integrada de Segurança Pública (Aisp) à Secretaria da Segurança Pública, mas a informação não foi divulgada, sob o argumento de que seria estratégica.
O secretário Maurício Barbosa reconhece a diferença no tratamento dos bairros da capital. “Uma coisa é você pensar segurança pública na teoria, outra é a prática. Nós não temos como fator de influência para a questão de lotação policial somente a questão populacional. Temos outras áreas de interesse. Quais são? Econômica, turística, bancária, comercial, e por aí vai”, afirmou.
O secretário relembrou a repercussão da onda de arrombamentos na Barra, noticiada pelo jornal CORREIO no dia 18 de abril, e do tiroteio ao meio-dia após uma tentativa de sequestro na avenida Manoel Dias da Silva, no dia 11 deste mês, que acabou com a morte de um dos criminosos.
“A Barra tem mais policial por habitante do que o Subúrbio. Mas deixe de ter um policial na Barra para ver quais são os efeitos negativos com relação à imagem da cidade, a imagem do Estado, a imagem de um setor que traz dividendos ao estado, que é o turismo.
Tire um policial da Pituba, que tem uma extensa área na Manoel Dias da Silva, que é área bancária. Aconteceu um assalto a banco no meio da Pituba. Qual a repercussão disso aí? Não estamos lidando apenas com critérios objetivos. A gente tem que parar de levar a discussão para a questão matemática, temos que entender as nuances”, concluiu.
O secretário reiterou, entretanto, que a maioria dos 1.851 policiais que se formaram neste ano foi incorporada a companhias de bairros periféricos da capital e Região Metropolitana. “A preocupação nossa com a questão dos homicídios está estampada na política que estamos adotando”, salientou.