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Ministério Público pediu interdição e demolição parcial; liminar da Justiça obriga prefeitura a dar documentação
Bruno Wendel
Publicado em 19 de dezembro de 2018 às 05:00
- Atualizado há um ano
Hotel não tem autorização para operar; parte da piscina fica em área pública (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) São 40 apartamentos elegantes, com varandas e banheiros modernos, erguidos numa área de 4.800 m². O Iara Beach Hotel Boutique também tem piscina de borda infinita a poucos passos da praia de Itapuã. O problema é que o hotel nem deveria funcionar. Inaugurado em 2016, ele não tem alvará, nem autorização para abrir como hotel ou o Habite-se - um alvará após vistoria. O empreendimento ainda invade área pública em mais de 1.000 m².
As irregularidades foram constatadas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur) e também apontadas pela promotora Hortênsia Gomes Pinho, de Habitação e Urbanismo do Ministério Público da Bahia (MP-BA). No último ofício, de 19 de novembro, ela recomenda à própria Sedur que o empreendimento seja imediatamente interditado e demolido parcialmente – na parte que invade área pública, incluindo a área da piscina.
A Sedur apontou que o hotel, na verdade, só possui autorização do município, chamada de Termo de Viabilidade de Localização (TVL), para operar como escritório. Desde abril, a prefeitura tenta suspender o funcionamento do hotel, mas uma liminar, do mês de agosto, autoriza a operação.
Agora, uma decisão mais recente, desta segunda-feira (17), tornou a favorecer o empreendimento: outra liminar do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) manda que a prefeitura conceda o TVL, o alvará de funcionamento e o Habite-se parcial, mesmo diante de todas as irregularidades apontadas (leia mais abaixo).
Diferente do projeto As diárias do hotel, que costuma lotar no Verão, variam de R$ 270 a R$ 570 - e não faltam elogios por parte dos hóspedes em sites. Mas, a ausência do Habite-se chama a atenção porque é este documento que atesta que o edifício pode receber seus ocupantes de forma segura, seguindo legislação vigente, e que tudo foi feito como no projeto aprovado.
Para se ter o Habite-se, o proprietário do imóvel faz a requisição ao órgão responsável, que faz uma vistoria. No caso do Iara Beach, há um Alvará de Construção (nº 11.795), de 2005, mas o Habite-se estava condicionado à apresentação de um estudo com a finalidade de preservação de 67 espécies de árvores, o que não foi cumprido.“Faz-se necessário medidas materiais e concretas no exercício de polícia administrativa, de forma a promover a demolição das construções em desconformidade com o projeto, especialmente porque invadiu cerca de 500 m² de área destinada à rua, além de ocupar a faixa limite de preamar sem anuência da Superintendência Patrimônio de União (SPU)”, diz o trecho do documento assinado pela promotora Hortênsia Pinho. Nesta quarta-feira (19), às 15h, acontece uma audiência no MP-BA, em Nazaré, para tratar do assunto.Sociedade O Iara Beach Hotel Boutique é um dos empreendimentos da Vinte e Sete Serviços Turísticos Viagens e Locações de Automóveis Ltda, que tem como um dos sócios o italiano Cláudio Lorenzetti. Diante das irregularidades, a Procuradoria-Geral do Município entrou com uma ação na 7ª Vara Cível e Comercial da Comarca de Salvador, no dia 26 de fevereiro deste ano, pedindo o bloqueio de atividades comerciais e afastamento imediato do sócio.
O documento, assinado pelos procuradores João Carlos Cunha Cavalcante e Vera Lúcia da Hora Dultra, diz que há um impasse interno: o hotel teria sido arrendado para outra empresa de Lorenzetti, a Hi Group, sem autorização do outro sócio, o italiano Antonio Spiezia, que vive em Mônaco.
Spiezia disse que não sabia que o Iara Beach estava funcionando, justamente por conta da falta do Habite-se. Na Justiça, ele pede o fechamento imediato do hotel, pois teme ser responsabilizado pelas irregularidades. Pede ainda o afastamento de Lorenzetti da sociedade e prestação de contas.
Diante das irregularidades, Cláudio Lorenzetti foi notificado, mas “manteve-se inerte, evidenciando-se, portanto, a sua má-fé”, diz documento da Procuradoria. O CORREIO esteve no hotel, mas funcionários disseram que o gerente não estava e que só ele teria o contato da direção e de Lorenzetti. Hotel foi construído em dois lotes, mas ultrapassa área privada e invade espaço público e de preservação (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Liminar da Justiça autoriza operação de hotel O pedido de interdição e demolição parcial feito pelo Ministério Público Estadual pode estar comprometido. É que, nesta segunda-feira (17), o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) concedeu uma liminar em favor do hotel, obrigando a prefeitura de Salvador a conceder o Termo de Viabilidade de Localização (TVL), o alvará de funcionamento e o Habite-se parcial, em caráter provisório, ao Iara Beach.
Em nota, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur) esclarece que nunca deixou de exercer o seu papel de agente fiscalizador, mas que seu poder de polícia administrativa tem sido inibido por força de decisão judicial.
“Todas as providências que estavam a cargo da Sedur foram feitas e, no momento que iríamos fazer a interdição física do empreendimento, chegou a ordem judicial. A decisão foi questionada pela Procuradoria Geral do Município e agora o Tribunal de Justiça reforça mais ainda a posição do juiz de primeira instância e determina que a Sedur conceda as licenças”, diz o titular da pasta, Sérgio Guanabara.
A promotora Hortênsia Pinho disse que não entende que a liminar da juíza Maria da Silva Carvalho impeça a demolição. “É uma liminar que não englobou, não compactuou e nem autorizou a ocupação de áreas públicas”, afirma. Ela elogiou o processo administrativo da Sedur, mas disse que faltou concluir, justamente com a interdição a tempo. O TJ-BA foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta matéria. Diante das irregularidades apontadas pelo MP-BA e pela Sedur, um dos sócios pede o fechamento do hotel (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Trade teme prejuízo de possível interdição Nos últimos cinco anos, 30 hotéis fecharam em Salvador. A crise econômica é o principal fator. “Os que não fecharam, venderam porque não estavam tendo lucro. Em 2010, houve incentivo para expansão de novos hotéis sem a viabilidade de estudo de impacto econômico. Depois da Copa, começou a crise na economia e o excesso de quartos”, declarou Silvio Pessoa, presidente da Federação Baiana de Hospedagem e Alimentação (Fehba).
Segundo ele, a possível interdição do Iara Beach Hotel Boutique pode agravar ainda mais a situação do setor. “Os hotéis que ficam em Itapuã são importantes para o turismo de lazer, para quem quer ficar descansando, relaxando, tomando sol na beira da praia. A interdição agora, na alta estação, vai fadar o empreendimento à falência e, caso quebre, teremos mais um elefante branco na nossa cidade”, disse Pessoa. De acordo com ele, há na Bahia 404 meios de hospedagens, entre hotéis, albergues, pousadas e motéis – em Salvador, são 375 hotéis. “O turismo representa 20% do PIB da cidade. Tivemos índices positivos superiores ao mesmo período do ano passado no segundo semestre. A exposição de Salvador durante a novela (Segundo Sol, da Rede Globo) nos seis meses foi incalculável”, comemorou Pessoa.
Ele também falou sobre a movimentação no setor na primeira quinzena de dezembro. “Sempre é mais fraco, esperamos que cresça a ocupação a partir de 20 de dezembro. Apesar de vermos muito turistas na cidade, são aqueles que ficam na casa de amigos, em albergues, apartamentos de temporadas que já estão aproveitando o Verão, que já começou. Nosso ponto máximo será no Réveillon. Esperamos que seja igual ou melhor do que o ano passado”, finalizou Pessoa.
Entenda o caso do Iara Beach: Alvará de construção O documento, de número 11.795, foi concedido, em 3 de fevereiro de 2005, para construção do hotel. Ele tinha um prazo de validade de dois anos. Como só o alvará de construção não garante o funcionamento, o Habite-se, que é um documento definitivo, só seria entregue se constasse no projeto final um estudo com a finalidade de preservação de 67 espécies de árvores na região.
Pedidos negados Como a parte do estudo não foi cumprida, os pedidos de alvará feitos nos anos de 2015 e 2017 foram indeferidos. Na época, já havia diversas irregularidades.
Área verde ocupada De acordo com relatório emitido pela Sedur, o imóvel em questão "integra o Loteamento Farol de Itapuã, com o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) de aprovação em 21/1/1971 pela Prefeitura Municipal de Salvador e recai em área verde do loteamento (544,13 m²), área destinada à rua (521,33 m²) e faixa de praia (202,75 m²)” e, conforme levantamento cadastral, o imóvel ocupa área verde em faixa de limite de preamar – um trecho da piscina encontra-se na faixa.
Liminar Mesmo sem autorização da prefeitura, o hotel foi inaugurado em 2016 e possui mais de 60 funcionários, além de 40 apartamentos, sendo 23 superiores, nove de luxo e oito suítes - quatro delas com jacuzzi. Ele opera por força de uma liminar concedida pela Justiça em agosto deste ano. A Procuradoria-Geral do Município entrou com um recurso no dia 23/8/2018 para derrubar os efeitos da liminar, mas o processo ainda não foi julgado.
Sociedade Um dos sócios do empreendimento, o italiano Antonio Spiezia, que mora em Mônaco, disse que não sabia que o hotel estava funcionando. Como não vive em Salvador, ele só soube da operação por meio de sites especializados. Agora, tenta, na Justiça, o fechamento do hotel e a destituição do sócio que vive no Brasil, o também italiano Cláudio Lorenzetti.
Hotel arrendado Um dos motivos para o pedido de fechamento por parte do sócio de Mônaco é a denúncia de que Cláudio Lorenzetti arrendou o hotel a outra empresa pertencente a ele, “(...) utilizando a sociedade para seus fins pessoais em detrimento do interesse coletivo da sociedade”, diz um trecho do processo. Lorenzetti foi acionado judicialmente, mas não se manifestou. Antonio Spiezia também diz que o hotel, como está hoje, não condiz com o padrão dos empreendimentos dele na Europa.
*Colaborou Clarissa Pacheco