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Da Redação
Publicado em 8 de março de 2022 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
Situações como assédio na rua ou comentários machistas têm sido cada vez mais rebatidas por meninas que nasceram a partir dos anos 2000. Com o contato com o feminismo através das redes sociais, elas levantam bandeiras do movimento mais novas. Neste Dia Internacional da Mulher, conversamos com quem almeja a igualdade de gênero e discute o empoderamento feminino desde cedo, para entender no que diferem das gerações de antigamente. Afinal, o que pensam e querem as meninas retadas da geração Z?
Autora do best-seller Sejamos Todas Feministas, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie é um ícone para Rafaela Brito, soteropolitana de 17 anos. A jovem graduanda em Biomedicina conta que começou a se interessar pelo feminismo dentro de casa, quando passou a prestar atenção em situações em que a desigualdade entre homens e mulheres era visível. “Acho que assim como acontece com a maioria das meninas mais novas e até das mais velhas, o nosso primeiro contato com o feminismo começa dentro de casa, a partir do momento que vemos relações entre os gêneros e percebemos que existem coisas que podem estar bem erradas. Aí começamos a perguntar o porquê de ser dessa forma”, conta. No caso de Rafaela, a curiosidade em entender a desigualdade a levou para estudos sobre o feminismo interseccional, teoria que busca explicar como características sociais e raciais interferem na vida de cada mulher, para além das opressões de gênero. A jovem faz parte de dois movimentos sociais, o Movimento Popular da Juventude e a União Municipal dos Estudantes Secundaristas, e leva seus conhecimentos para o maior número de pessoas possível.
Rafaela é uma das meninas da nova geração do feminismo que vê com bons olhos a participação dos homens na luta. Ela defende que um processo de reeducação deve ser feito para que eles possam agir ativamente para diminuir a desigualdade. “Isso começa com um balanceamento de pequenas coisas. Por exemplo, um homem pensando que aquele não é seu lugar de fala e que por isso ele deve deixar uma mulher falar”, diz. Rafaela também é modelo e faz curso de teatro (Foto: @lorenzoexclusive) “Hoje conseguimos entender mais cedo o papel do racismo e o que é ser um corpo preto na sociedade patriarcal e normativa, que nos molda a essa estrutura. Agora conseguimos ver mulheres pretas em espaços em que diziam não serem nossos, porém não posso dizer que é mais fácil, porque muitas vezes não sabemos como agir diante do preconceito”, afirma a estudante.
A cientista política, doutora em Estudos Feministas e de Gênero e pesquisadora do programa A Cor da Bahia, da Ufba, Rebeca Sobral, explica que as jovens enfrentam desafios compartilhados por mulheres mais velhas, como o combate à violência de gênero e disparidade na representação política, mas afirma que a diferença de idade tensiona outras disputas. “Há questões próprias em torno da idade e geração, como o direito ao aborto legal de forma mais ampla, como acompanhamos em experiências recentes latino-americanas", diz.
Entre irmãs
Maria Paula Costa, 19 anos, cursa Fisioterapia e é uma referência de mulher feminista para irmã, Joana Costa, de apenas 12 anos. “Conversamos sobre situações cotidianas e o feminismo na prática, quando envolvem meninos ou a sororidade entre meninas”, diz a mais velha. Para Paula, que começou a ter contato com o movimento através de páginas do Instagram, o feminismo foi importante para que ela não naturalizasse certas circunstâncias.
“Assédio acontece direto, outro dia estava andando na rua e dois carros buzinaram para mim em menos de cinco minutos. É uma coisa que infelizmente acontece no nosso cotidiano e que não devemos aceitar [...] Quando somos mais novas, acontecem situações que a gente não enxerga como assédio”, afirma. Paula lembra que desde muito cedo ensina à irmã que ninguém deve tocar em seu corpo sem permissão.
Já a mais nova acredita que por ter acesso a um grande contingente de informações, pela internet e na escola, sua geração deverá proporcionar algumas mudanças para a sociedade. “Os adultos são em grande parte o que aprenderam na infância e adolescência, as pessoas da minha idade vão se tornar mais evoluídas porque aprendem mais cedo”, afirma Joana. A menina diz que chama atenção dos avós e pais quando eles têm atitudes machistas dentro de casa.
A professora Joselice Souza, 43, leciona História na rede de ensino estadual em Feira de Santana. Feminista e antirracista assumida, ela conta que aproveita componentes curriculares para abordar com sutileza pautas do feminismo no cotidiano escolar. Apesar de ver a mudança de postura das meninas dentro da sala de aula, se preocupa que os discursos estejam se tornando pouco embasados teoricamente.
“Percebo uma mudança importante nas novas gerações, comparadas à minha, no que se refere a reivindicar igualdade de gênero, a entender sobre objetificação dos nossos corpos, de não tolerar a violência doméstica. No entanto, vejo também que esse conteúdo chega com algum ruído e esvaziamento de conceitos muito caros à pauta feminista”, defende.
Para além da disseminação de discursos, Rebeca Sobral afirma que as redes são importantes para a manutenção de relações: “Essas tecnologias permitiram o contato entre pessoas e grupos, viabilizaram encontros e potentes articulações entre feministas jovens com o compartilhamento de experiências e construção de laços de solidariedade entre mulheres, dando espaço para o processo criativo de luta e militância feminista”
Meninas almejam cada vez mais independência
Outra jovem que desde os 11 anos procura informações sobre o feminismo na internet sociais é Marina Pereira. Hoje com 19 anos, ela tem a sorte de ter uma família que sempre discutiu temas do movimento dentro de casa.
“Sem esse ensinamento deles, eu não teria hoje tão claramente a noção que eu sou a única responsável pelo meu futuro e que não preciso de um relacionamento para conquistar o que eu quiser. Entendo que não devem existir barreiras impostas pelo meu gênero”, afirma.
Se em momentos da história as mulheres eram proibidas até de estudar, grande parte das meninas hoje pensa primeiro em garantir a sua independência financeira, para depois construírem uma família. Este é o desejo de Marina, que rompeu barreiras já na escolha do curso, Engenharia da Computação, majoritariamente masculino. “Estar numa sala só de homens sendo mulher é complicado. Por mais que eu me dê bem com todo mundo e haja um respeito na relação de amizade, sempre escuto comentários machistas e não me sinto muito à vontade”, relata. Durante o último ano do curso técnico que cursou, só havia Marina e mais uma outra colega mulher em toda a turma (Foto: Acervo Pessoal) A especialista Rebeca Sobral lembra que para além da maior independência feminina, até mesmo o conceito de família tem mudado para se tornar mais amplo e dar conta das mudanças sociais, considerando casais homoafetivos e mães solteiras, por exemplo.
“A dedicação à carreira ou profissão tem sido um foco de planejamento e realização para muitas mulheres. Além disso, o direito ao divórcio, uma das pautas legais da luta feminista histórica, pode ser observado recentemente com comemorações e até festas públicas por todo o país”, diz.