Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Marcela Vilar
Publicado em 18 de setembro de 2020 às 15:36
- Atualizado há 2 anos
Uma escrivã do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), 64 anos, identificada como Libânia Maria Dias Torres, foi presa em flagrante por resistência e injúria racial depois de ter chamado um policial militar de “macaco” e dado um tapa no soldado que atendia uma denúncia de agressão da servidora contra a companheira dela. Um vídeo que circula nas redes sociais mostra o momento da agressão, feita na última quarta-feira (16). >
Segundo nota da PM, por volta das 20h30 de quarta, uma equipe da 50ª Companhia Independente da Polícia Militar foi acionada para interferir numa briga de casal. A denúncia foi de que uma senhora de 64 anos estava sendo espancada dentro da própria residência no bairro do Vale dos Lagos, em Salvador. >
Porém, ao chegarem ao local, os policiais verificaram que a própria Libânia era a agressora. “Mesmo com a presença da guarnição no local, a senhora agrediu a companheira dela fisicamente ao ponto em que o policial da guarnição interveio na agressão”, disse a Polícia Militar, por meio de nota. >
Em seguida, a servidora do TJ-BA deu um tapa no rosto do policial que tentava separar a briga e começou a chamá-lo de macaco. Por isso, foi conduzida até a delegacia.>
Libânia Torres, contudo, já está em liberdade, pois a lei de combate ao racismo não permite que a prisão seja convertida em preventiva por conta do tempo mínimo de pena. A liberdade provisória foi homologada pela juíza Ivana Carvalho Silva Fernandes, da Vara de Audiência de Custódia, nesta quinta-feira (17), após o Ministério Público da Bahia se posicionar favorável. “Um dos requisitos para que haja prisão preventiva é que a pena máxima seja superior a de 4 anos e a pena máxima de injúria racial é de 3 anos. Do que adianta o racismo ser um crime imprescritível e inafiançável se não cabe prisão? É mais uma lei pra inglês ver. Vou brigar para que ela venha responder um processo penal e seja penalizada”, argumenta o advogado Marinho Soares, que representa o policial agredido no caso. Marinho Soares compartilhou o vídeo em seu perfil do Instagram e Facebook e diz ter recebido uma notificação das redes sociais que o vídeo seria uma fake news. “As pessoas interessadas estão dizendo que a gente tá mentindo. Só falta dizer que o vídeo foi editado, alterado. Se a lei dificulta, imagine o que a defesa não vai falar”, disse. >
O CORREIO tentou entrar em contato com o policial, mas, segundo o advogado, ele teria sido orientado pela PM a não se pronunciar sobre o caso. Questionada, a instituição não se manifestou sobre esse ponto, disse apenas que “a palavra não é proibir”.>
Brechas na lei de combate ao racismo Aliado a falta de requisitos, os argumentos do promotor do MP à frente do caso para conceder a liberdade provisória é de que a prisão preventiva passou a ser considerada, pela lei 12.403/2011, “a medida mais extrema, a ser adotada em último caso, sendo a regra a concessão da liberdade provisória”. Além disso, o MP alega que a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), durante a pandemia, é que a prisão deve se limitar a casos de crimes perpetrados mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa e que a réu não tem antecedentes criminais. >
O especialista em Direito Criminal e professor da Faculdade Batista Brasileira, Marcelo Duarte, defende que é necessário mudanças na lei de combate ao racismo, ampliando a pena mínima, para que os agressores tenham penalidades mais severas. “É preciso aumentar a pena de injúria racial por meio de um projeto de lei. O que acontece hoje é que as penas são baixas, existem muita brechas. E quando a pena aumenta, a pessoa tende a não praticar o crime”, alerta o advogado. >
Duarte também advoga para o sindicato da Polícia Civil e da Guarda Municipal e indica que as agressões de racismo e injúria racial contra esses servidores são frequentes. “Os caras sofrem isso diariamente, é uma constante, porque a população acha que soldado da polícia e da guarda municipal é nada”, pontua. >
Dados obtidos com o MP-BA apontam que foram registradas sete denúncias de injúria racial em Salvador entre janeiro e agosto de 2020 pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação. Em 2019, foram 18 denúncias só na capital baiana, de janeiro a novembro.>
Aspra repudia agressão A associação dos Policiais, Bombeiros Militares e seus Familiares do Estado da Bahia (Aspra), repudiou a agressão contra o PM. “Inaceitável que ainda nos dias de hoje tenhamos que conviver com este tipo de ataque, mesmo após tantas leis que visam corrigir a prática. Deveria ficar presa por um tempo para aprender”, afirmou o deputado estadual soldado Prisco, coordenador geral da Aspra.>
Advogado diz que escrivã teve "surto psicótico" Procurado, o advogado da servidora Libânia Torres, Fábio Felsembourgh dos Santos, alegou que a cliente sofreu um "surto psicótico" naquele momento da injúria e que não lembra do que aconteceu, mas pede desculpas. O advogado diz ainda que a cliente faz uso de antidepressivos e apresentou ao CORREIO uma declaração psiquiátrica. Veja a nota na íntegra:>
"O advogado Fabio Felsembourgh responsável pela defesa técnica da senhora Libânia Maria Torres Ribeiro, esclarece que a mesma sofreu um surto psicótico na data de 16 de setembro de 2020, o que ocasionou o fatídico vídeo que vem sendo vinculado nas redes sociais e imprensa. A senhora Libiana está em tratamento psiquiátrico desde os meados de novembro de 2019, fazendo uso de medicações específicas para Transtorno Depressivo Recorrente, CID-F33.2, conforme se observa na declaração emitida pelo Psiquiatra responsável. A mesma não se recorda de absolutamente nada do fato, ainda assim lamenta o ocorrido e publicamente pede desculpas aos envolvidos".>
Entenda o que é considerado racismo e injúria racial, segundo a lei:>
Injúria racial - ofender a honra de alguém (indivíduo) valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem.>
Racismo - discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, atingindo uma coletividade indeterminada de indivíduos ao discriminar toda a integralidade de uma raça.>
*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro>