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Marcela Vilar
Publicado em 2 de novembro de 2020 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Chega o final de ano, um dos melhores períodos para as vendas por conta da renda extra do 13º salário, e as lojas de material de construção de Salvador e alguns fabricantes estão sem material para comercializar ao cliente. Um dos vilões é a falta de alumínio, presente nas esquadrias como portas, janelas, basculantes, escadas e varais. O atraso nos pedidos de empresas e de consumidores finais está quatro vezes maior que o normal. Em média, a espera, que antes era de 15 dias, agora é de 60, 90 dias e, em alguns casos, 190 dias. Há relatos de comerciantes que desde maio aguardam os produtos. Até a multinacional Coca Cola tem sofrido com o desabastecimento do setor e não tem encontrado o insumo para as latinhas.
Na loja de materiais de construção O Fazendão, no bairro de Cajazeiras, em Salvador, os pedidos, que chegavam em 15 dias, demoram pelo menos 60 dias para chegar. “Os fabricantes estão com dificuldade porque fazem o pedido, ele vem pela metade e tem demora na entrega. Tudo isso ele passa para gente e toda a cadeia fica atrasada. Tenho pedido de julho que até hoje não chegou”, contou o empresário Gilberto Cerqueira, proprietário da loja. Por isso, o estoque dele reduziu-se à metade e o preço teve que subir. “O preço, de abril para cá, subiu em torno de 50%. Todo mês vem mais caro, com 13%, 11% de aumento”, completou Cerqueira. Espera em pedidos podem chegar a 190 dias (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Essa realidade tem feito o cliente mudar de comportamento. “O consumidor não entra mais na loja perguntando o preço, ele pergunta: vocês têm para entregar?”, contou Artur Queiroz, gerente da loja de material de construção Irmãos Queiroz, no Retiro. “Principalmente portas e janelas, a gente tem pedido desde maio que não chegou ainda. A fábrica não libera o pedido todo, tá com bastante atraso, além do aumento excessivo”, disse Queiroz. O gerente, ainda, contou que, para uma nova encomenda, o prazo estimado de entrega estava em 190 dias. As consequências são a redução do estoque, que tem uma quantidade limitada de modelos, e o preço mais alto: portas passaram de R$ 299 para R$ 399, e as janelas, antes de R$ 129, custam agora R$ 169.
Julieta Pimentel, que tem uma loja de esquadrias no bairro de Boa Vista, espera há dois meses o perfil de alumínio para fazer a encomenda da cliente, uma grade pantográfica. “Estou quase ligando para a cliente para ver se ela não quer desistir, para eu poder devolver o dinheiro. Disseram que ia chegar em 15 dias, atrasam mais uma semana e nunca chega”, revelou Pimentel. A média de entrega antes da pandemia era de oito dias com o fornecedor. Ela também reclamou do aumento nos valores: “Em todo pedido aumentam o preço. Tá um absurdo. A gente tá sem saber como vender, porque não posso ficar aumentando direto para o cliente. E aí vai diminuindo nosso lucro”, explicou. A escassez tem reduzido os estoques e elevado o preço do metal (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) A Peixe Material de Construção, no bairro Tancredo Neves, também tem passado por isso. “A situação está complicada, o alumínio a gente está tendo que agendar e geralmente demora dois meses para retirar. Quando a gente vai diretamente nas fábricas, percebe uma diminuição na produção de materiais e no quadro de funcionários. Eles falam que é devido à falta de matéria-prima”, relatou Alex Silva, dono da loja.
Na Alumar Esquadrias, em Campinas de Brotas, o gerente Flodoaldo Martins já tem recusado os pedidos. “Se a gente vê que não atende o prazo do cliente, já recusamos, para ele não ter inserviço”, comentou. Ele também tem adaptado e negociado com os consumidores, oferecendo portas e janelas de outras cores ou materiais, para não deixar o cliente na mão. O prazo para entrega também aumentou de 15 para 60 dias, assim como na Dibox esquadrias, na Barros Reis. “Estamos com falta de alguns produtos. O alumínio só tá chegando com 60 dias ou o pedido é cancelado e o prazo de pagamento tem que ser adiantado”, contou a secretária da empresa, Camila Santos.
Não há falta de matéria-prima, diz ABAL Contudo, a Associação Brasileira de Alumínio (Abal), que representa empresas fabricantes do metal no Brasil, explica que não houve uma falta de matéria-prima. Na verdade, a previsão é que o Brasil produza mais do metal este ano que em 2019, quando a produção nacional foi de 650 mil toneladas. Segundo o presidente-executivo da Abal, Milton Rego, a explicação para a falta de produtos de alumínio no mercado é pela demanda reprimida no início da pandemia que estourou nos últimos meses. Além disso, por medo da crise financeira, os produtores escoaram todo o estoque a fim de levantar fluxo de caixa.
“O que está acontecendo é um desabastecimento de estoque ao longo da cadeia. Quando começou a pandemia, as empresas não tinham a menor ideia de como ia ser a recuperação do mercado, o que fez todo mundo zerar o estoque, ninguém comprou mais nada”, esclareceu Rego. O presidente ainda acrescentou que a demanda reprimida veio toda de vez, quando os fornecedores já não tinham estoque. E, segundo ele, o problema é na conversão da matéria-prima em perfil, material usado nas esquadrias.
“O problema foi que toda a cadeia de fornecedores estava sem estoque. Desde o alumínio metal até uma janela, tem umas quatro, cinco empresas em sequência. Tem o fabricante que faz o perfil, depois pintura, revestimentos. Depois, tem o fabricante de janela, que junta com vidro, maçaneta, parafuso, selante. É um longo processo”, concluiu o presidente-executivo. De acordo com Rego, todo o processo demora em torno de dois meses. Portanto, ele estimou que a cadeia produtiva deve se regularizar até final de novembro. Apesar da falta, a previsão é que o Brasil produza mais alumínio do que no ano anterior (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) A Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), entidade que representa mais de 400 fábricas no país de 22 segmentos de mercado, ressaltou que a produção nas indústrias de materiais de construção tiveram queda de 50% na produção, em abril e maio deste ano, por conta da pandemia, de acordo com pesquisa junto a associados da entidade. Após esse fato, houve uma “retomada abrupta da demanda”, que resultou nessa demora e falta de estoque.
“Nos últimos meses, tivemos uma grande volatilidade da demanda, onde a indústria de materiais de construção, por imposição da pandemia, viu sua produção diminuir abruptamente e, logo na sequência, uma retomada abrupta da demanda, com necessidade de reposição de estoques e incremento expressivo dos volumes de produção. Trazendo ao setor um desafio de curto prazo, para fazer uma série de ajustes internos de equipamentos, de pessoal e de aquisição de insumos que não são imediatos”, informou a Abramat, em uma nota publicada no dia 16 de setembro.
A Abramat ainda disse que houve alterações na oferta e demanda de algumas matérias-primas - sem mencionar quais seriam - e que foi devido a flutuações cambiais, além de problemas de serviços logísticos. A entidade também ressaltou que tem plena capacidade de atender a demanda do mercado.
Os principais setores que dependem do alumínio, baseado no levantamento de consumo de 2019 divulgado pela Abal, são embalagens (39,1%), transporte (16,5%), eletricidade (14%), construção civil (10,4%), bens de consumo (8,5%), máquinas e equipamentos, (2,8%) e outros (8,7%).
*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.