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Milena Hildete
Publicado em 14 de junho de 2018 às 19:19
- Atualizado há 2 anos
Matheus Santos Silva, 12 anos, só pensa em futebol. Entre os amigos da rua onde mora, é tachado como o mais 'fominha' de bola. Usa camisa de time, faz qualquer espaço virar campo de futebol e já acorda com vontade ir pro campinho na frente da sua casa, no bairro de Pernambués, para bater o baba. Mas quando chega a tarde, Matheus interrompe a brincadeira e segue para uma missão tão difícil de encarar como uma bola dividida: vender balas na região do Shopping da Bahia.
Essa rotina fazia parte da vida do menino há quatro anos, época em que começou a vender doces no local. Na última segunda-feira (11), no entanto, muita coisa mudou depois que um vídeo viralizou e fez muita coisa mudar na sua vida. Matheus aparece sendo abordado por um segurança do Shopping da Bahia, após um cliente se oferecer para pagar o seu almoço.
Agora, o menino, que não estuda desde 2017, quer virar a página e ser jogador do Vitória, como seu ídolo Kanu. Ele diz que não pretende vender mais balas. "Eu vendia os doces e pedia comida pra matar minha fome. Faço qualquer coisa pra matar minha fome, mas agora vou jogar bola no Vitória, que nem Kanu", disse ele ao CORREIO, entusiasmado.Na última terça (12), o Esporte Clube Vitória anunciou que iria acolher o garoto. A ideia é que ele participe do programa de ações sociais do clube, batizado de Vitória Cidadania.
A mãe, Eliene de Oliveira Santos, 57, também está cansada de saber da vontade do pequeno. "Matheus só quer saber de bola o dia todo. Eu preciso ficar chamando pra entrar, porque ele só quer ficar no campo", comenta.
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Trabalho e escola Se a paixão pelo futebol não cessa, é preciso retomar, no entanto, o interesse pelos estudos. E ele garante que está pronto para voltar à sala de aula. "Eu estava afastado da escola esse ano, mas vou voltar. Eu gosto de estudar e jogador também precisa saber das coisas", comentou Matheus, que cursa o terceiro ano do ensino fundamental. O ideal é que ele estivesse no sétimo ano (sexta série).
O aspirante a boleiro vive com a mãe, padastro, duas irmãs e duas sobrinhas. Todos da casa trabalham como baleiros. A renda das balas, segundo Matheus, era utilizada para aumentar a renda da casa."Eu vendia pra comer e pra ajudar aqui em casa também", conta.Sua mãe afirma que é contra o trabalho do filho. "Eu fico preocupada quando meus filhos saem pra rua pra vender, mas peço a Deus pra cuidar. Não queria que nenhum dos meus filhos trabalhassem, mas eles começaram a ir não pararam mais", diz ela.
Responsabilidade e MPT Apesar de ter dito à reportagem, mais cedo, que não voltaria a vender bala, Matheus foi visto à tarde, no Salvador Shopping. O ativista político Enderson Araújo publicou uma foto no Facebook dizendo que o garoto havia voltado à comercilizar os doces. "Alguém avisa a moça que fez foto e vídeo com o garoto Mateus, que ele continua vendendo bala, foi visto a pouco no Salvador Shopping vendendo balas", comentou ele, ao publicar a foto do garoto no local (ver abaixo). Foto: Enderson Araújo/Facebook O CORREIO voltou a ligar para a mãe do garoto, que informou que saiu para trabalhar, mas, quando voltou, o menino não estava mais em casa. "Ele me disse que não ia sair, mas quando cheguei, não o encontrei", disse ela, que não soube dizer o paradeiro de Matheus.
Nesta quinta-feira (14), o MInistério Público do Trabalho (MPT) abriu inquérito para investigar as condições que levaram o menino a trabalhar como vendedor de balas e doces. Os pais do garoto serão ouvidos para explicar a situação.
Segundo o MPT, o objetivo é encontrar soluções para que a criança possa se dedicar exclusivamente a estudar e brincar. O Shopping da Bahia também será ouvido. A rede de proteção da infância e da juventude será acionada.
Relembre o caso O vídeo do segurança tentando impedir o menino de pegar o almoço comprado por um cliente ganhou repercussão nas redes sociais. Parte da situação foi gravada por uma pessoa que estava no local e, depois, postada no Facebook do próprio Kaique.
O vídeo se tornou viral. Até as 10h desta terça-feira (12), apenas a gravação original tinha sido assistida por 8,9 milhões de pessoas e compartilhada mais de 400 mil vezes. Ao longo de pouco mais de cinco minutos de gravação, é possível ver parte da discussão entre o jovem e o segurança.
“Estou querendo dar o almoço ao menino aqui e o segurança está me rejeitando, falando que vai me tirar do shopping à força, que vai tirar o menino”, diz Kaique, logo no início do vídeo.
Ele segue dizendo que a criança – um garoto magrinho, vestindo uma camisa de time de futebol e chinelos – vai, sim, comer. Diz que ele pagaria. A discussão acontece diante de um dos restaurantes da praça de alimentação.
O segurança, nesse momento, também carrega um celular. Indignado, Kaique se dirige a ele mais uma vez. “Queria ver se fosse seu filho que tivesse na rua passando fome. Eu queria ver. Ele vai comer”, afirma, em reposta à negativa do segurança. O funcionário do shopping pede que um funcionário do restaurante chame o gerente, com o objetivo de que também se recuse a servir a comida.
Ainda no vídeo, Kaique diz para o segurança chamar o supervisor. Enquanto os funcionários do restaurante atendem Kaique e a criança – que estava acompanhada, ainda, de outro adolescente –, o segurança repete que o menino não poderia comer ali. “Não vai, não vai”. Durante todo o período, o segurança se mantém ao lado deles.
Quando a funcionária do restaurante vem entregar o pedido, o segurança empurra o garoto para longe do balcão. Kaique intervém e os três saem andando. No vídeo, é possível escutar uma mulher revoltada com a atitude do segurança. “Não faça isso, não. Isso é palhaçada”, diz ela. “Eu trabalho aqui e ele não vai comer. Ele não vai comer. Meu trabalho é esse”, afirma o segurança, enquanto continua tentando impedir a aproximação do menino e de Kaique ao restaurante.Neste ponto, outros dois seguranças chegam e cercam os dois. Em seguida, um homem que parece ser o supervisor dos profissionais de segurança do shopping surge e diz que o menino não poderia vender nada ali – a criança segurava uma sacola amarela nas mãos.
“Certo, não pode (vender), mas agredir a criança também não pode, não”, intervém uma mulher que assiste a cena. Enquanto conversa com o supervisor, Kaique reforça que vai pagar pelo almoço da criança e faz críticas à postura do segurança. “Ele me pegou pelo braço, pegou o menino pelo braço”, diz o jovem. O segurança argumenta que também teria sido agredido, mas algumas testemunhas questionam. “Ele nem te tocou. Está tudo filmado”, diz a mulher que está gravando.
Inicialmente, o primeiro segurança diz que o menino deveria pegar o almoço e sair. Que não poderia sentar na praça de alimentação. Kaique, então, reage: diz que o menino comeria com ele, na mesma mesa em que estava. Depois que o supervisor se dirige à criança, os seguranças se afastam e, finalmente, o menino pôde sentar e comer a refeição.
*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier e do editor João Gabriel Galdea.