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Gil Santos
Publicado em 16 de junho de 2020 às 12:44
- Atualizado há 2 anos
O casal que acusou o estoquista desempregado Gabriel dos Santos Silva, 22 anos, de roubo e extorsão manteve a denúncia no depoimento que prestou para a Polícia Civil, nesta segunda-feira (15). O jovem disse, nesta terça (16), que estava em casa no dia do crime e que tem imagens que podem comprovar. >
A mulher que teve o Ford Ka Sedan roubado disse que Gabriel estava com outros dois homens em um carro quando cometeu o crime, na quarta-feira (10). Ela contou que o jovem estava no banco do carona, e que o homem que estava no banco de trás foi quem saiu e anunciou o assalto. A polícia informou no final da manhã que o crime aconteceu na Avenida Ulisses Guimarães, em Sussurana, por volta das 9h30. >
Gabriel contesta. Ele contou que passou a noite de terça para quarta-feira na casa da namorada, no bairro de Novo Horizonte. “Acordei por volta de 6h. Ajudei meu cunhado a colocar umas coisas no uber, e voltei para casa. Tem imagens do meu bairro que mostram eu saindo da rua da casa dela e subindo para a minha casa. Passei o dia todo em casa, e a noite voltei para a casa dela. Eu quero saber onde exatamente aconteceu o crime para verificar as filmagens. Eu quero as imagens”, afirmou. >
O relato da mulher assaltada feito nesta segunda-feira é diferente do que foi registrado por ela no dia do crime, na mesma delegacia. Na primeira versão, ela disse que foi assaltada por um homem a pé, de cor parda, magro e com cerca de 1,70 altura. Gabriel é negro, forte e tem 1,80 altura. A nova versão diz que os bandidos estavam de carro e que Gabriel estava no banco carona do veículo.>
Ele foi preso dois dias depois da mulher ter tido o carro roubado. O jovem trabalhava como estoquista em uma loja, mas perdeu o emprego em dezembro, sem justa causa. Ele deu entrada no seguro-desemprego e recebeu a primeira parcela em maio. Na sexta-feira (12), foi até a agência da Caixa Econômica Federal, em Sussurana, para sacar a segunda parcela. Foi nesse dia que foi preso. >
Extorsão Depois de ter o carro roubado, a mulher passou a receber ligações de alguém que dizia saber onde o carro dela estava, mas que exigia dinheiro para informar o local. A prisão de Gabriel aconteceu quando o marido da vítima do roubo do veículo foi encontrar o bandido que queria lhe extorquir. O homem viu Gabriel e o apontou como um dos suspeitos que roubou o veículo da esposa dele. >
Gabriel disse que passou na agência para sacar o seguro-desemprego, mas que ela estava fechada. Ele falou com o pai por telefone e deixou o local em seguida. Nesse momento, quando passava pelo estacionamento da Secretaria de Educação, ocorreu a abordagem.>
A prisão teria sido motivada apenas pela suposta semelhança física de Gabriel, que é negro, com o suspeito de roubar o carro. Até porque Gabriel garante que não abordou o marido da vítima. “Quando eu conversei com ele já foi imobilizado. Ele tirou foto minha e mandou para a esposa, que disse que me reconheceu, 'mas o cabelo tava diferente'. Eu pintei o cabelo de loiro há mais de uma semana”, argumenta o jovem. >
Habeas corpus Depois que ele foi preso, o Ministério Público solicitou que a prisão em flagrante fosse convertida em prisão preventiva, e o pedido foi aceito pelo Tribunal de Justiça. Articulados com entidades antirracistas e do movimento negro, um grupo de cinco advogados tomou conhecimento do caso e passou a atuar em defesa de Gabriel. Eles contestaram a prisão, e a desembargadora Ivone Bessa Ramos avaliou o caso. >
Ela concluiu que os indícios eram frágeis demais para manter Gabriel na cadeia, estavam amparados apenas na identificação visual, e disse havia ausência dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal (CPP), como o fato de o jovem ter residência fixa, ser réu primário e portador de bons antecedentes criminais. >
A desembargadora também fez uma consulta na Secretaria Especial do Trabalho que comprovou que Gabriel estava dizendo a verdade sobre ter trabalhado até dezembro, ter sido demitido sem justa causa, e estar recebendo o seguro-desemprego. >
“Revelando-se tais circunstâncias, a seu turno, favoráveis à constatação, ao menos nessa fase procedimental, da ausência de risco à ordem pública e à aplicação da lei penal. Ante o exposto, defiro a medida liminar vindicada para relaxar a prisão infligida ao paciente Gabriel dos Santos Silva”, afirmou a magistrada. >
Os advogados de Gabriel acreditam que a repercussão do caso ajudou na soltura. A forma como a prisão aconteceu e a fragilidade dos argumentos para decretar a prisão preventiva, ou seja, por tempo indeterminado, provocou criticas e revoltas. Alguns grupos fizeram manifestação na porta do Tribunal.>
Nesta quarta-feira (17), eles vão ás 14h à Corregedoria da Polícia Militar para denunciar o caso.>
Envolvidos Em nota, o Tribunal de Justiça da Bahia informou que a primeira decisão, de converter a prisão em flagrante em preventiva, foi tomada com base nos documentos apresentados pela policia e no parecer favorável do Ministério Público do Estado da Bahia.>
“Diante do teor do Auto de Prisão em Flagrante, da petição apresentada pela então Advogada do Flagranteado no procedimento e da manifestação do Promotor de Justiça pela prisão preventiva, a magistrada depois da análise detalhada do quanto constava no processo, verificando tratar-se de crime de extorsão, decretou a prisão cautelar, sem realização da entrevista presencial do preso, por não se mostrar viável a realização da audiência de custódia, nos termos do art. 8.º da Recomendação do CNJ n.º 62/2020, como medida preventiva à propagação da infecção pelo novo coronavírus”, diz a nota.>
O CORREIO perguntou para o Ministério Público quais critérios foram considerados para solicitar a prisão preventiva de Gabriel. Em nota, o MP informou que "o pedido de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva de Gabriel dos Santos Silva foi fundamentado nos indícios de materialidade e autoria delitivas contidos no Auto de Prisão em Flagrante, aliados à gravidade "in concreto" do delito supostamente cometido, circunstâncias que justificavam, a critério do promotor oficiante, a decretação da prisão". >
O MP disse ainda que o juízo preliminar é baseado nos elementos do auto de prisão em flagrante, como o depoimento da própria vítima e que este juízo pode ser ou não a ser confirmado após o término das investigações.>
Sobre a forma como Gabriel foi preso, a Polícia Civil disse que o jovem foi conduzido para Delegacia de Repressão a Furtos e Roubo de Veículos (DRFRV) e autuado em flagrante por extorsão.>
“Uma guarnição da Polícia Militar, que o conduziu à especializada, recebeu denúncia de que ele estaria exigindo dinheiro do proprietário, para devolver um veículo roubado no dia 10 de Junho. Encaminhado para audiência de custódia, teve o flagrante convertido em prisão preventiva. As perícias pertinentes foram solicitadas, pessoas ouvidas e o inquérito será concluído e remetido à Justiça”, disse em nota.>
Já a Polícia Militar disse que de acordo com informações da 82ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/ CAB), na sexta-feira (12), por volta das 15h30, policiais militares da unidade realizavam rondas no Centro Administrativo da Bahia (CAB), quando foram acionados por um homem. O rapaz disse ter identificado o suspeito que estava tentando lhe extorquir.>
“O solicitante apresentou o boletim de ocorrência registrado na delegacia aos policiais militares, ambos foram encaminhados para a Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos, onde foi lavrado o flagrante conforme BO de N° 3183/20”, diz a nota.>
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou que o caso está sendo investigado com prioridade pela DRFRV, que o celular de Gabriel está sendo periciado, e que outras pessoas envolvidas estão sendo ouvidas. O delegado titular da unidade se pronunciará após conclusão do inquérito.>
Enquanto isso, Gabriel está respondendo em liberdade. A segunda parcela do seguro-desemprego dele está disponível, mas como a carteira de trabalho segue na delegacia, o jovem está sem acesso ao benefício.>