Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Marcela Vilar
Publicado em 11 de setembro de 2020 às 05:52
- Atualizado há 2 anos
A combinação mais comum na mesa dos brasileiros, arroz e feijão, está à beira de um divórcio. O rompimento, constatam os consumidores, é culpa do arroz, que aumentou 9,05% apenas no mês de agosto aqui na Bahia - a alta anual (janeiro a agosto) é de 22,5%, segundo a última pesquisa sobre a variação do custo da cesta básica feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Se antes o valor do arroz nas prateleiras era, em média, R$ 2,50/kg, agora os baianos têm de desembolsar entre R$ 3,69 e R$ 6,00 pela mesma quantidade. Se for integral, piorou: o CORREIO encontrou pacote de R$ 7,98/kg em um supermercado da Pituba. O aumento do cereal também foi visto em outras 15 das 17 capitais do Brasil analisadas pelo Dieese.
Decepcionados, consumidores começam a incentivar que feijão e macarrão se conheçam melhor. Inclusive, já foi encomendada uma campanha publicitária para que o grão case-se com a massa italiana, conforme declarou o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Sanzovo Neto, ao sair, na quarta (9/9) de uma reunião com o presidente da República Jair Bolsonaro em Brasília. Bolsonaro convocou Sanzovo Neto pois, preocupado, quer entender o que está se passando com o arroz.
Uma dessas consumidoras é a dona de casa Araci Gonçalves. “Não como nada sem arroz e continuo comprando. Mas depois que teve essa subida de preço, estou começando a substituir pelo macarrão, porque tá mais acessível”, admitiu. Já funcionária pública aposentada Ângela Araújo preferiu nem colocar o produto no carrinho de compras. “Não comprei por causa do preço e ainda tenho um pouco em casa. Vou esperar uma semana para ver se baixa”, explicou, ainda esperançosa na reconciliação
Tânia Maria, também aposentada, relata ter ficado “pasma” com o aumento do valor. Ela estava no mercado comprando alimentos para doar uma cesta básica à comunidade onde mora. “Como é que pode aumentar tanto sem o salário mínimo aumentar e o auxílio do governo diminuir? Fica difícil.”, reclamou. Por outro lado, há quem nem tenha notado o climão, “Senti aumento do queijo, da carne, mas não do arroz”, pontuou o administrador Ralf Macêdo.
E é difícil mesmo notar que feijão e arroz podem não dividir mais a mesma gôndola ou corredor do supermercado. O estudo do Dieese mostra crescimento nos preços de outros seis alimentos no mês passado: banana (18,87%), leite e óleo (10,21%), carne bovina (7,40%), pão francês (9,78%), café (2,31%) e manteiga (0,26%). Por conta desses principais vilões, Salvador foi a capital brasileira onde a cesta básica mais subiu este ano, alta de 16,15% acumulada em 8 meses. O administrador Ralf Macêdo não sentiu o aumento do preço do arroz, mas de outros produtos Foto: Marcela Villar/CORREIO) Motivos e perspectivas
A alta do arroz é explicada principalmente pela alta do dólar em relação ao real, que fez com que os produtores brasileiros vissem a oportunidade de exportar mais o produto. “O Brasil tem exportado mais, está mais vantajoso para o produtor brasileiro, e isso tem afetado a oferta interna”, explica a supervisora técnica do escritório do Dieese na Bahia, Ana Georgina Dias. Ela esclarece ainda que o governo já não tem mais estoque para regular o preço no país por conta da pandemia. “O governo adquiria uma parte da safra dos produtos ligados à cesta básica e, no momento que estavam mais escassos, eles colocavam estoques reguladores. Mas hoje isso não existe mais”.
Para controlar as escapulidas de preços do arroz, o governo federal zerou, anteontem (9/9), a tarifa de importação do arroz - que era de 12% - até 31 de dezembro de 2020. A ideia é reabastecer o mercado interno e assim deixar o valor do cereal mais próximo do custo do feijão, forçando uma reaproximação do casal preferido das mesas brasileiras. O efeito, no entanto, não será imediato, segundo Ana Georgina, até por conta do alto valor de câmbio em dólar.
O vendedor de cereais Roberto Ventura viu que o preço iria subir e resolveu fazer o próprio estoque na loja, que fica na feira de São Joaquim. Com isso, ele só aumentou R$ 0,50 o quilo do produto. “ A gente estocou 1 tonelada de arroz antes da pandemia, antes da inflação. Por mais que o preço esteja tabelado no mercado, a gente conseguiu sugerir um preço justo para o cliente”, disse. Ventura, que vende o quilo de arroz por R$ 3.
O produtor Maurício Mondo, presidente da Associação Catarinense dos Produtores de Sementes de Arroz (ACPSA), explicou que a produção nacional deste ano não mudou. Por ano, o Brasil produz de 11 a 12 milhões de toneladas de arroz e consome cerca de 10 a 11 milhões de toneladas do grão. “A produção foi normal e essa situação de aumento de preço é por uma conjuntura. Fizemos bastante exportação no primeiro semestre, o fator dólar impediu a importação de produtos de outros países e o consumo interno aumentou”, explicou.
Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), o abastecimento de arroz na Bahia vem de estados do Sul do país, como Santa Catarina.
8 alimentos que mais aumentaram de preço na Bahia em agosto: Arroz 9,05% Banana 18,87% Leite integral 10,21% Óleo de soja 10,21% Pão francês 9,78% Carne bovina 7,40% Café em pó 2,31% Manteiga 0,26% Fonte: Dieese
Aumento anual: Arroz 22,5% Banana 22,28% Leite 15,85% Feijão 12,85% Óleo de soja 23,38% Carne bovina 18,97% Pão francês 8,35% Café -8,10% Manteiga -0,65% Fonte: Dieese
Preço do arroz tipo 1 (saco de 30kg) de acordo com tabela do Ceasa - Fonte: SDE/GOVBA 9 de setembro 2020 - R$ 130,00 02 de setembro 2020 - R$ 110,00 a 120,00 03 de agosto 2020 - R$ 100,00 01 de julho 2020 - R$ 100,00 01 junho de 2020 - R$ 95,00 04 de maio de 2020 - R$ 85,00 a 90,00 01 de abril de 2020 - R$ 85,00 02 de março 2020 - R$ 80,00 3 de fevereiro - R$ 75,00 a 78,00
*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro