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Thais Borges
Publicado em 7 de março de 2020 às 05:57
- Atualizado há 2 anos
O sonho inicial era trabalhar com laboratório. Mas, quando a então estudante Jaqueline Góes, 30 anos, entrou na faculdade de Biomedicina na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, em 2008, as coisas mudaram. “Eu nem imaginava que ia para pesquisa. Mas, quando entrei, a única coisa de laboratório que me interessou era análise clínica”, lembra.
Essa semana, Jaqueline foi parar nas manchetes nacionais justamente pela pesquisa: mais especificamente por ter sido uma das pesquisadoras responsáveis pelo sequenciamento do genoma do coronavírus no Brasil. O grupo liderado por ela e pela pesquisadora Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Universidade de São Paulo (USP), chamou atenção pela rapidez: os cientistas conseguiram analisar o material genético em pouco menos de 48 horas, ao lado do Instituto Adolfo Lutz e de pesquisadores da Universidade de Oxford. Para dar uma ideia, em outros países, pesquisadores chegaram a demorar 15 dias.
“Essa semana foi uma loucura”, admitiu, ao CORREIO, por telefone. Em São Paulo, onde mora hoje para fazer o pós-doutorado no IMT, Jaqueline tentava equilibrar a rotina de pesquisadora – que passa das 12 horas de trabalho por dia – com os pedidos de entrevista. Encaixou a conversa entre outra entrevista e a participação em uma banca de monografia de um curso de especialização. “Me sinto privilegiada de ter conseguido chegar nessa etapa da vida. A ciência não é fácil. A gente passa por muitas situações complicadas que nos fazem querer desistir, mas, com o auxílio da família, persisti e estou aqui”, disse. Ainda na faculdade, no terceiro semestre, Jaqueline participou de uma seleção para ser bolsista de iniciação científica. O desempenho dela foi tão bom que uma professora a convidou para participar de um projeto na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-BA). Jaqueline entrou em um grupo de pesquisa naquela época e ficou até o ano passado, quando defendeu a tese de doutorado sobre vigilância genômica de arboviroses, na Universidade Federal da Bahia (Ufba). O mestrado, antes disso, foi na Fiocruz. Jaqueline nasceu em Salvador e estudou na Escola Bahiana, fez mestrado na Fiocruz e doutorado na Ufba (Foto: Acervo pessoal) Pós-doutorado Quando terminou o doutorado, recebeu uma sugestão do orientador: que buscasse algo fora da Bahia, talvez até fora do país. Ele defendia algo que muitos pesquisadores acreditam: que, na ciência, é preciso mudar de grupos de pesquisa e mesmo de orientação para abrir novos horizontes. O grupo da Fiocruz já trabalhava em cooperação com o da professora Ester Sabino e, por coincidência, soube que havia uma vaga de supervisão para pós-doutorado.
“Era uma vaga internacional, então, concorri com pessoas do Brasil e do mundo. Continuo fazendo as coisas que eu fazia em Salvador, mas com foco em vigilância, trabalhando em colaboração com o Instituto Adolfo Lutz, que é o laboratório central”, explicou.
Um dos projetos acompanha a zika pelo Nordeste, além de ter estudado surtos de febre amarela em Minas Gerais e o de chikungunya em Feira de Santana.“A gente tem expertise nessa área. Quando soubemos do coronavírus, já começamos a nos preparar e pensar nos reagentes e coisas específicas para o vírus, devido à possibilidade de acontecer algum caso”. Quando o primeiro registro foi confirmado em São Paulo, na semana passada, o material genético foi enviado ao Instituto Adolfo Lutz para que fosse feita a contraprova. Foi quando o grupo de Jaqueline foi convidado a ajudar no sequenciamento. “Nós levamos a nossa tecnologia, porque eu já trabalhava com isso, mas com a dengue”, diz. Em 48 horas, o sequenciamento estava pronto.
A diferença, segundo ela, foi a metodologia. Usando um aparelho sequenciador chamado minION, é possível analisar os resultados gerados praticamente em tempo real. Em outros laboratórios, é comum usar sequenciadores maiores, mais lentos e que não possibilitam análise em tempo real. Assim, apenas o sequenciamento pode demorar três ou quatro dias. Hoje, ela estuda a zika, a dengue e outras arboviroses (Foto: Acervo Pessoal) A equipe é grande. Uma colega conseguiu, inclusive, baratear o custo do processo. Com reagentes mais baratos e que eliminam etapas, conseguiram reduzir o valor do sequenciamento de US$ 1 mil para até US$ 50 por amostra. “Fazer o sequenciamento, de fato, consiste basicamente em você descobrir a ordem de bases nucleotídicas presentes no genoma daquele vírus, ou seja, decodificar o vírus presente naquele paciente. Isso permite comparar com sequências da China, da Alemanha... Isso mostra como o vírus está circulando e permite tomar providências em relação à saúde pública”. Baiana de Salvador, Jaqueline sempre morou na Avenida Vasco da Gama. Foi lá que os pais se conheceram e é onde moram até hoje, do lado da via que engloba o Engenho Velho da Federação. Antes de se mudar para São Paulo, neste ano, Jaqueline continuava morando na Vasco, mas do lado que compreende o Acupe de Brotas.
“Eles continuam lá. Eu que sempre tive asas”, explica. Durante o mestrado, passou um ano e meio em Ribeirão Preto (SP). No doutorado, estudou na Inglaterra por seis meses. “Agora, estou aqui (em São Paulo). Mas a vida de pesquisador é essa”.
A vida era sem luxos, mas os pais sempre investiram na educação. Quando criança, estudou em escolas particulares. No ensino médio, foi aluna do antigo Cefet, hoje Instituto Federal da Bahia (Ifba). “Tudo foi um investimento na gente. Só cheguei onde cheguei porque meus pais sempre deram esse incentivo”.