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Maysa Polcri
Publicado em 17 de dezembro de 2022 às 05:00
O salão do tradicional Porto do Moreira ficou pequeno para receber a quantidade de clientes que visitaram o lugar icônico na sexta-feira (16). Há tempos não se via o restaurante tão cheio e com fila na porta. A procura foi tanta que os pratos de arraia, siri e caranguejo deixaram de ser servidos antes das 14h. A moqueca de camarão continuou no cardápio do dia, mas só porque o dono foi renovar o estoque nas proximidades. Entre as mesas, frequentadores antigos se debruçavam em busca de soluções para evitar a venda do local, tido como patrimônio soteropolitano.
Para quem passava pelo Largo do Mocambinho no horário de almoço foi quase impossível não notar o restaurante movimentado, com barulho de amigos conversando e garçons correndo de um lado a outro para atender a clientela. O cenário em nada se parecia com o do início da semana, quando poucas mesas eram ocupadas e a sensação de final de festa pairava no ar. Houve um momento no início da tarde em que mais de 40 pessoas coupavam o salão e pessoas esperavam na porta.
O ponto de virada surgiu com a notícia de que o sobrado onde restaurante está abrigado foi colocado à venda, com a possibilidade de incluir a marca também. O fim do Porto do Moreira ficou mais próximo depois da pandemia, quando as dívidas se acumularam e a clientela deixou de frequentar o espaço.
Porém, se Chico Moreira, 75, achou que a placa de “vende-se” instalada na parte de cima do espaço traria apenas propostas de compra, se enganou. A notícia causou um estardalhaço principalmente entre os frequentadores mais antigos - inclusive alguns que não iam ao local há um tempo considerável. Logo que soube da notícia, Luiz Coutinho, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), criou um grupo no WhatsApp que em poucos dias juntou mais de 80 integrantes.
Parte do grupo autointitulado “Amigos Porto do Moreira" reuniu-se em uma das mesas do salão para pensar, em conjunto, iniciativas que evitem o fim de um dos restaurantes mais antigos da capital baiana.“Estamos buscando um esforço primeiro com os clientes para que o espaço continue cheio e também junto ao poder público para melhorar as condições do lugar”, afirma Coutinho. Chico e Cristina não viam um movimento como o de sexta-feira (16) há um bom tempo.
Entre as possibilidades colocadas pelo grupo estão a arrecadação financeira através de um livro de ouro, realização de eventos no local e a criação de uma entidade permanente registrada em cartório que possa pleitear ações de intervenções junto ao poder público. Em poucos dias, a mobilização em torno do Porto do Moreira virou uma espécie cruzada composta por amantes do Centro da cidade. Ou pelo menos do que ele já foi antigamente.
“Essa é uma oportunidade para olharmos para todos os estabelecimentos que fazem parte da história de Salvador. Temos que entender que esses espaços são de memória e precisam ser preservados”, defende Ernesto Marques, presidente da Associação Baiana de Imprensa (ABI) e uma das pessoas que almoçou no restaurante na sexta-feira (16).
Cruzada movida pelas lembranças pessoais O Porto do Moreira passa uma sensação de aconchego, seja pela comida que muitos caracterizam como sendo “de mãe” ou pela própria tradição da família Moreira, que administra o lugar há oito décadas. Por isso, Mina Schultz, de 73 anos, sentiu que precisava comer mais uma vez no restaurante que frequenta desde que era moça. Quando estava no auge dos seus 20 e poucos anos, Mina e o marido passavam o mês economizando para frequentar o restaurante uma única vez.
“Eu vi a reportagem falando sobre a venda e me choquei porque esse lugar é uma herança. O Porto do Moreira faz parte da minha história e a gente se emociona porque o que era parte da minha época está embora”, lamenta Mina Schultz. Infelizmente, ela não conseguiu almoçar no local porque não havia mesa disponível quando chegou, mas garantiu que vai voltar uma próxima vez na companhia da filha e da neta.
Dentro do salão, as amigas Julia Coelho, 32, e Luisa Hardman, 32, tomavam cerveja e decidiam que prato comeriam. Julia mora em Barcelona e foi levada pela amiga para almoçar no restaurante e o clima entre elas também era de despedida. “O Porto do Moreira é mais um exemplo do que está acontecendo há um tempo, que é a dificuldade de permanecer no Centro”, diz Luisa, que é gestora cultural. Mini Cacique e Colon são alguns dos restaurantes tradicionais que fecharam as portas entre 2020 e 2021.
Dono cogita desistir da venda, desde que movimento continue Enquanto nas mesas as pessoas discutiam soluções e rememoravam os velhos tempos, atrás do balcão Chico Moreira e a filha, Cristina, 46, se perguntam se a movimentação vai ser duradoura. O dono do restaurante não descarta a possibilidade de desistir da venda se a casa continuar cheia e as dívidas todas forem pagas.
“Eu acho as iniciativas válidas, mas é preciso ver como será feito. Tem que fazer o levantamento do débito total para saber se o pessoal quer mesmo ajudar”, afirma o filho de José, português que fundou o Porto do Moreira. Segundo Chico, as dívidas ultrapassam os R$100 mil. “O problema é que no ano que vem os salários vão aumentar e a carga tributária também. Se tiver movimento e no final der para cobrir as despesas, aí tudo bem. Mas se não der, tem que vender mesmo, não adianta”, destaca Chico Moreira.
Há ainda um impasse familiar na história. Aos 75, Chico Moreira afirma que já não tem condições de tocar o restaurante por muito tempo,. E Cristina, que seria a sucessora, é mãe de gêmeos de 2 anos e ainda não consegue administrar o Porto do Moreira completamente.
Apesar de todas as dúvidas em relação ao futuro, o movimento de sexta-feira deixou pai e filha contentes como são ficavam há tempos. Os dois relembraram do irmão de Chico, Antônio, que até seu falecimento em 2018 tocava o Porto do Moreira com o irmão. “Ele está de cima olhando a gente feliz agora”, diz Cristina.
Campanha
Uma conta bancária foi disponibilizada para quem desejar ajudar financeiramente o restaurante.
Banco do Brasil
Agência 2957-2
Conta corrente 982.191-0.
Chave Pix: [email protected]
*Com orientação de Monique Lôbo.