Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Carolina Cerqueira
Publicado em 14 de junho de 2021 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
A Baixa dos Sapateiros, que ao longo dos anos vinha perdendo o posto como uma das principais regiões de comércio de rua e popular de Salvador, amarga dias ainda mais difíceis com a pandemia. De acordo com a Associação dos Lojistas da Baixa dos Sapateiros e Barroquinha (Albasa), das 360 lojas locais, aproximadamente 40% fecharam as portas.
Para o vice-presidente da Albasa, Rui Barbosa, o principal problema começou em 2014, com a reestruturação das linhas de ônibus na cidade. “A Lapa ficou hoje com 107 linhas, além do metrô, e nós ficamos só com 10. É uma deslealdade com a Baixa dos Sapateiros. Aí o cliente não chega”, pontua. A reclamação é comum entre os lojistas, que dizem precisar pegar dois ônibus e o metrô para chegar ao trabalho e, por vezes, ainda caminhar cerca de 1km.
O vice-presidente explica que a pandemia veio para piorar ainda mais o cenário e que, apesar de mais de um ano depois, as coisas ainda não voltaram ao normal. “É como se a gente tivesse saído da UTI para a enfermaria. Tem muita gente com dívidas, devendo impostos. Tem FGTS, INSS, IPTU, ICMS. As contas continuam chegando e não temos nenhum auxílio. É, no máximo, a possibilidade de jogar o problema para frente. Só Deus mesmo na vida do comerciante para suportar uma situação dessas”, ressalta Barbosa.
“Nós esperamos que melhore, já que foi inaugurada a Barroquinha, o Mercado São Miguel e vai ter obra no Aquidabã. São mais de 180 anos de existência. É um comércio importante e tradicional que não pode morrer”, finaliza.
Obstáculos da pandemia
Carol Souza, de 37 anos, montou uma loja de cosméticos há cerca de dois anos na Baixa dos Sapateiros, mas, ainda no começo da pandemia, foi forçada a fechar as portas. “Com as restrições, a gente teve que fechar a loja por quatro meses e aí não aguentei. Era a única loja de cosméticos daqui”, conta.
Mas outro fator que contribuiu para o fechamento foram os assaltos constantes na porta da loja. Segundo os comerciantes, a concentração desse tipo de crime fica nas proximidades do Pelourinho. “Era todo dia e, principalmente, com turistas. Os meninos saíam do beco e levavam as correntinhas. Recentemente eles colocaram a polícia para rondar ali, aí até melhorou, mas não resolveu”, diz Carol.
Com o fim da sua loja de cosméticos, Carol foi trabalhar na loja do marido, a Casa do Bebê, que vende roupas e artigos para bebês. Ela fica na outra extremidade da Baixa dos Sapateiros, que diz ser “mais tranquila”. Por lá, a saída para a crise foram as vendas online. “A gente começou a vender pela internet. Graças a Deus, conseguimos manter todos os funcionários, mas por aqui é exceção isso. Muita gente foi demitida, principalmente aqueles com carteira assinada e contrato”, coloca. Sem clientes, vendedores ficam de braços cruzados nas lojas vazias (Foto: Paula Fróes/CORREIO) “Aqui em frente você já tem umas cinco lojas fechadas; andando mais um pouco já soma umas 10. Até lá na Barroquinha já tem um monte. Essa loja aqui do lado já tem três anos que ninguém aluga. O movimento não é mais o mesmo há um tempo já. Reformaram a calçada, colocaram um certo policiamento, mas o cliente mesmo não vem. Isso aqui precisa se tornar atrativo, precisa ser divulgado”, acrescenta a gerente.
Já para a loja de produtos de cama, mesa e banho, A Sergipana, de sete anos de existência, a pandemia teve ainda mais impacto. A proprietária, Rita Maria, de 46 anos, precisou demitir os dois funcionários que tinha. “Agora é só meu marido e meus filhos me ajudando. A gente criou dívidas porque é muita coisa para pagar e pouco cliente para comprar. “Fica cada dia mais difícil e tem muita loja fechando, seja pequena ou grande. A Baixa dos Sapateiros está morrendo aos poucos”, destaca.
Decaindo aos poucos
Luciene Oliveira, de 55 anos, começou a trabalhar na Baixa dos Sapateiros ainda aos 18. “Comecei no Centro Comercial Santa Bárbara, com uma loja de moda masculina. Foi um sucesso aqui até 1996. Depois, foi caindo aos poucos e o movimento foi diminuindo cada vez mais”, conta.
Segundo ela, a piora começou no final dos anos 1990, quando os camelôs passaram a não ser mais bem-vindos no local. “Antes, aqui tinha camelô. Era um pouco de bagunça, mas ajudava muito no movimento. Depois que a prefeitura tirou eles, isso aqui enfraqueceu”, diz Luciene.
Hoje ela tem sua loja de variedades ainda na Baixa dos Sapateiros, a Lu Embalagens, mas isso é motivo de animação. “Eu até troquei de ponto e vim para esse, que fica mais visível, mas a pandemia foi um baque grande, é muita conta para pagar. E olha que não tem funcionário; aqui é meu filho e minha sobrinha comigo me dando suporte. Mas os poucos clientes que chegam ainda pedem desconto. O lucro já é pouco. Aqui na minha eu pego menos de 30% às vezes e já vi especialista dizendo que não é certo”, explica a lojista.
Paulo Silva, de 66 anos, é proprietário da Street Wear, loja de roupas masculinas há 25 anos. Para ele, os anos fizeram muito mal para a Baixa dos Sapateiros e a situação atual é lamentável. “Isso aqui piorou muito nesses anos todos. Nem tinha violência e agora alguns lojistas até se reúnem para bancar uma empresa de segurança particular. O transporte foi o pico da piora. Eu tenho muitos clientes antigos que deixaram de vir. Aí o resultado é loja fechando”, diz ele, que já chegou a ter quatro funcionários e, agora mantém apenas um.
Paulo faz uma avaliação do que vem acontecendo com o local. “Por aqui, a gente tem mesmo clientes de mais idade. Os mais jovens só querem saber dos shoppings, que é cheio de atrativos. Aí o comércio de rua fica em segundo plano”, opina.
Sobre o problema trazido pela Albasa e pelos comerciantes a respeito da insuficiência do transporte público para a Baixa dos Sapateiros, a Secretaria de Mobilidade de Salvador (Semob) disse, em nota, que algumas linhas foram substituídas, mas o serviço não deixou de ser oferecido à população.
Segundo a secretaria, no novo Terminal da Barroquinha, entregue recentemente totalmente requalificado, os usuários contam com 10 linhas e cerca de 50 ônibus por hora, favorecendo bairros como Paripe, Pirajá, Acesso Norte, Pau da Lima, São Marcos, Vale das Pedrinhas, Fazenda Grande, Parque São Cristóvão, entre outros. Além do atendimento de linhas que passam pela Baixa dos Sapateiros, Terminal de Aquidabã, e Campo da Pólvora.
“Também é possível realizar a integração com ônibus ou metrô na estação da Lapa ou no Terminal Acesso Norte, de onde saem ônibus com intervalos de aproximadamente 10 minutos para a região da Baixa dos Sapateiros”, diz a nota.
Quanto ao problema da falta de segurança, em nota, a Polícia Militar informou que, de acordo com o 18º Batalhão de Polícia Militar (BPM/Centro Histórico), o policiamento na Baixa dos Sapateiros é realizado diuturnamente por guarnições motorizadas e policiamento a pé, que fazem rondas ostensivas preventivas.
"Além do policiamento ordinário, a unidade dispõe de guarnições de motociclistas e da Companhia de Emprego Tático Ostensivo (CETO), que se sobrepõem ao policiamento do setor, de acordo com a mancha criminal. O Batalhão tem intensificado o policiamento, com vistas a coibir ações delituosas de quaisquer naturezas, contando com o reforço e o apoio da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT) RONDESP BTS, que realiza constantes ações preventivas e repressivas na localidade", informou a PM.
A PM destacou ainda que o 18º BPM tem um diálogo permanente com gestores da Albasa e está de portas abertas para a comunidade da região. "É importante salientar ainda que o cidadão deve registrar as ocorrências na delegacia, pois a PM trabalha a partir dos dados estatísticos de cada área. Além de ligar para o Disque Denúncia, 3235-0000, para informar dados sobre qualquer crime que aconteça nos bairros", reforça a corporação.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro