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Raquel Saraiva
Publicado em 3 de março de 2018 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
A Bahia tem 15 pacientes aguardando transplante cardíaco, segundo a Central Estadual de Doação de Órgãos. A angústia da espera, no entanto, supera o medo de morrer antes de conseguir o coração novo ou o risco de ter complicações após a cirurgia. Isso porque, embora o estado tenha equipamentos de ponta e equipe treinada, de 2015 para cá só fez uma cirurgia.
Em 2015, o Hospital Ana Nery (HAN) realizou o primeiro transplante de coração em hospital público na Bahia. Na época, a expectativa da direção era que a unidade realizasse de 10 a 20 operações por ano. No entanto, nenhum outro procedimento foi feito no local ou estado.
O diretor do Ana Nery, o médico Luiz Carlos Passos, explica que faltam recursos financeiros para realizar transplantes cardíacos. “Nós temos condição, mas não temos o dinheiro para fazer. Para cada transplante cardíaco o SUS (Sistema Único de Saúde) paga R$ 43 mil, mas o hospital gasta muito mais, porque o procedimento pode chegar a R$ 100 mil ou R$ 200 mil, a depender da gravidade. Então é preciso ter uma fonte de recursos regular para garantir que o transplante seja feito”, explica.
O médico acrescenta que o estado ainda está começando a fazer transplantes cardíacos: “Na história da Bahia foram feitos três ou quatro transplantes, sendo que o do Ana Nery foi o único hospital público que realizou o procedimento. Os outros a gente faz a avaliação e manda fazer fora”, completa Luiz Carlos Passos.
Engajamento
André Durães, médico cardiologista, especialista em terapia Intensiva e professor de medicina na UFBA, participou da equipe de transplantes do Ana Nery desde a sua criação até fevereiro de 2017, quando deixou de trabalhar no local. Segundo o especialista, que desde junho de 2017 assumiu a direção do Hospital Roberto Santos, a Bahia tentou fazer transplantes em três momentos:
“O primeiro foi no Hospital Português, mas os resultados foram ruins. Depois no Santa Izabel, foram realizados cinco, mas só um paciente sobreviveu. No Ana Nery nós fizemos em 2015, de um paciente que está vivo”, enumera.
De acordo com Durães, embora o transplante realizado no HAN tenha sido bem-sucedido, múltiplas causas explicam a não continuidade da realização do procedimento. “É necessário um engajamento muito forte, uma motivação muito forte da equipe e dos gestores locais do hospital. Se o gestor direto não comprar a causa, muitas vezes o próprio secretário de Saúde e o governador não conseguem que aquilo aconteça, porque é um trabalho conjunto”, opina.
Segundo dados da Sesab, na década de 90 foram realizados seis transplantes cardíacos na Bahia, todos entre 1991 e 1992, no Hospital Português. Dezesseis anos depois, em 2008 e 2009, houve a realização de procedimentos no Hospital Santa Isabel. “O fato é que o transplante hoje na Bahia está meio órfão. Ele precisa renascer e se estabelecer de uma vez por todas”, defende Durães.
Tratamento fora
Os pacientes que residem em localidades que não dispõem de nenhum centro transplantador ou que não dispõem de alguma modalidade específica de transplante podem ser encaminhados para outro estado, para o recebimento dos cuidados assistenciais necessários. Ao menos é o que estabelece o Ministério da Saúde, que ainda acrescenta que cabe à gestão local realizar esse deslocamento do paciente.
Na Bahia, os pacientes que precisam de transplante cardíaco são encaminhados para o Hospital Messejana, em Fortaleza (CE), ou para o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), em Recife (PE). O translado em avião comercial ou através de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) móvel é custeado pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesab), através do programa de Tratamento Fora do Domicílio (TFD/BA), que engloba transplantes e outros procedimentos.
Em 2015, quando o último transplante cardíaco foi realizado no estado, o investimento da Sesab em TFD foi de R$ 10 milhões. No ano passado, a secretaria investiu cerca de R$ 12 milhões. A previsão para 2018 é que o investimento seja de R$ 11,8 milhões. Ainda de acordo com o órgão, 3,4 mil baianos estão cadastrados no TFD, sendo 1.659 (48,8%) correspondentes a casos de transplante.
“Nós temos dezenas de estados que não oferecem nada, a Bahia está no meio do caminho. Não está como São Paulo, Paraná, Pernambuco e Ceará, mas tem outros que não têm absolutamente nada, nem fazem avaliação, nem nada. A gente está no pelotão intermediário”, diz o médico Luiz Carlos Passos.
De acordo com a assessoria do Imip, de 2012 a 2018, 12 pacientes baianos foram encaminhados a Pernambuco. Outros seis realizaram transplante cardíaco no Ceará em 2016 e 2017, informa a assessoria do Messejanas.
Pós-operatório
O acompanhamento desses pacientes baianos operados fora da Bahia era feito nos próprios hospitais onde as cirurgias ocorriam. Mas, segundo pacientes ouvidos pelo CORREIO, recentemente o estado deixou de custear as passagens e o acompanhamento vem sendo feito no Hospital Ana Nery.
É o que relata a professora Reinildes Santos Abreu, 53 anos, transplantada em dezembro de 2013, no Messejanas, em Fortaleza. “A gente quer saber porque o estado cancelou de sermos atendidos onde fizemos transplante. O atendimento lá é outro. No meu caso mesmo, sempre tinha a data de voltar para o exame, o hospital marcava a consulta com todos os profissionais, de nutricionista a dentista e psicólogo, e quando chegávamos a prioridade era do transplantado cardíaco”, revela a paciente.
A Sesab explica que o acompanhamento pós-transplante é garantido para os pacientes do SUS. A equipe que realizou o transplante avalia se o paciente está em condições de ser acompanhado por equipes da Bahia, para que as consultas possam ser feitas no próprio estado. Se for necessário, o estado custeia as despesas para que o paciente se desloque para a unidade hospitalar onde o transplante foi feito.
Ainda segundo a Sesab, 93 pacientes de transplante cardíaco estão cadastrados no programa de atendimento a domicílio. A secretaria informa ainda que os recursos do TFD cobrem o deslocamento dos pacientes com o fornecimento de passagens aéreas e rodoviárias, pagamento de diárias pré-fixadas e despesas com serviços funerários e translado nos casos de óbito.
“Quando fui para Fortaleza, fui com passagens pagas pelo TFD, mas fiquei cinco meses no Ceará e só recebi reembolso das diárias quando voltei pra Bahia”, lembra a professora Reinildes.
A professora Reinildes diz também que os pacientes transplantados de coração muitas vezes têm de esperar um dia inteiro para conseguirem realizar um exame, já que o hospital atende os pacientes por ordem de chegada.
Outros pacientes transplantados relatam também dificuldade de agendamento de consultas no HAN, a falta de garantia da realização de procedimentos como a biópsia específica, a falta de transporte dos municípios até Salvador, o que faz muitos perderem consultas previamente agendadas, além da descontinuidade eventual no fornecimento dos imunossupressores.
Na última semana de fevereiro, pacientes se encontraram com parte da direção do HAN, que prometeu melhorias no tratamento. “A direção garantiu que teremos prioridade no atendimento, vamos ver como será da próxima vez que formos lá”, acrescenta Reinildes.
Serviço
A doação de órgãos e tecidos é gratuita. Quem tiver dúvidas sobre o procedimento pode entrar em contato com a Central de Informações pelo número: 0800 284 0444. O mais importante é comunicar à família e aos amigos este desejo, pois pela legislação atual, todos podem ser doadores desde que a família autorize a retirada dos órgãos. Segundo os médicos, cada doador pode salvar, pelo menos, sete vidas.