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Regine, Le Zodiaque e outras boates: puro glamour entre as décadas de 1970 e 90

Há 50 anos, a capital baiana começava a ser invadida pela febre das casas noturnas. As mais badaladas funcionavam nos hotéis cinco estrelas

  • Foto do(a) author(a) Roberto  Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 29 de março de 2025 às 18:00

Bual'amour
Bual'amour Crédito: arquivo CORREIO

Houve um tempo em que as baladas noturnas em Salvador eram tão agitadas e atraentes que tinha gente que viaja algumas centenas de quilômetros só para curtir as boates da cidade. Os hotéis cinco estrelas, cheios de glamour, tinham casas noturnas que funcionavam como clubes sociais: para frequentá-los, era preciso ser membro daquele seletíssimo clube. E, se não fosse um daqueles sortudos, o jeito era enfrentar até algumas horas nas filas. Como se não bastasse, ainda tinha que passar por uma triagem, onde teria sua vestimenta avaliada, para ver se estava adequadamente vestido para aquele ambiente. E, se não estivesse, não tinha chororô: tinha que voltar para casa ou procurar outro lugar que fosse menos criterioso.

Assim era a vida noturna da capital baiana entre os anos 1970 e 1980, quando casas como Regine’s, Le Zodiaque, Hippopotamus e Bual’amour eram os pontos mais disputados da cidade. Um dos frequentadores mais assíduos daqueles espaços era o administrador Virgílio Senna, 58 anos, que vivia em Itabuna e se deslocava quase toda semana para a capital: “Eu namorava uma menina de Salvador. Saía de Itabuna de carro, para passar o fim de semana e curtir a noite”, lembra.

Às vezes, quando o bolso permitia, pegava um avião do tipo Bandeirante, quando Itabuna tinha um aeroporto, o Tertuliano Guedes Pinho. Saía na sexta-feira à tarde e voltava na segunda. Essa era a rotina de Virgílio entre meados dos anos 1980 até por volta de 1994, período em que ele tinha entre uns 18 e 25 anos.

Le Zodiaque, no Meridien
Le Zodiaque, no Meridien Crédito: Claudionor Junior/Arquivo Correio

O Le Zodiaque funcionava no Hotel Meridien - que mais tarde seria Pestana -, no Rio Vermelho. Virgílio confirma que o uso de tênis era proibido e, numa dessas, alguém muito esperto descobriu uma maneira de ganhar um dinheirinho extra: 

“Tinha muita gente que chegava desavisada e não sabia que não podia entrar de tênis. Então, um porteiro atento via uma maneira de ganhar dinheiro: comprava pares de sapatos e alugava às pessoas que queriam entrar, mas que haviam sido barradas”.

Virgílio Senna

administrador e frequentador das boates nos anos 1980 e 90

Virgílio lembra ainda que tinha uma espécie de “clube de uísque” na boate e ali ele deixava uma garrafa em seu nome. Sempre que voltava ao local, era só chamar o maitre, que prontamente levava a bebida para ele. Numa dessas ocasiões, fez o pedido, mas notou que o maitre o enrolava. Estranhando, Virgílio insistia enovamente era enrolado.

Uma hora o garçom cedeu e levou a garrafa de Cutty Sark até o dono. Quando se deparou com a quantidade que havia no recipiente, Virgílio tomou um susto e viu que tinha muito menos líquido que ele havia deixado na semana anterior. Chamou Ernesto, o maitre, que teve que confessar: “Sabe aquelas duas moças que vêm sempre com você? Elas estiveram aqui no meio da semana e insistiram para que eu as servisse. Aí, deram uma baixa na garrafa!”.

Até hoje, Virgílio espera pela recompensa daquelas doses. Mas nada que abalasse a relação com as meninas: uma continua muito amiga dele até hoje e a outra é sua namorada.

Bual’amour

O empresário Uilton Oliveira, 75 anos, foi um dos pioneiros da febre das boates. Em 1970, ele inaugurou uma das mais tradicionais, a Bual’amour, que funcionava na Avenida Otávio Mangabeira, nas proximidades da Praia do Corsário.

“Antes, nos anos 1960, tinha poucas boates em Salvador, como a Barroco e a Anjo Azul. Inaugurei a Bual’amour em 1970 e depois, vieram aquelas que funcionavam em hotéis”, lembra Uilton.

Régine Choukroun, a rainha dos clubes noturnos dos anos 1970 e 1980
Régine Choukroun, a rainha dos clubes noturnos dos anos 1970 e 1980 Crédito: reproducão Revista Manchete

Além do Le Zodiaque, no Meridien, havia a Hippopotamus no Othon e a Champagne, no Salvador Praia Hotel. Com a concorrência, Uilton se via obrigado a fazer reformas periódicas. O cuidado com o ambiente trazia bons resultados e, segundo o proprietário, gente como os estilistas Ney Galvão e Clodovil apareciam por lá. Até o músico Eric Clapton deu as caras quando esteve aqui nos anos 1970, garante Uilton.

A Bual’amour seguia uma tradição gastronômica das demais casas: por volta das cinco ou seis da manhã, quando a farra terminava, era servida uma farta macarronada à bolonhesa, por conta da casa. Virgílio era adepto da massa, mas às vezes ia atrás de algo com mais sustança: “De vez em quando, pegava uma feijoada que era servida numa kombi ou ia ao Baitakão”, lembra. Aos mais novos: o Baitakão era uma hamburgueria local, uma espécie de McDonalds soteropolitana.

Lei Seca naquela época? Nem pensar! “Infelizmente, havia bastante acidente e as pessoas abusavam de álcool”, lembra Uilton. Blitz era raro e cinto de segurança... para quê?

Numa dessas noitadas, Virgílio sofreu um acidente. Mas ele garante que não foi por álcool: “Fui deixar uma amiga em casa e quando vim pela Federação [na Rua Caetano Moura, pouco após o Campo Santo], tinha muito óleo na pista. O freio não ia para canto nenhum!”. Resultado: perda total no Escort XR3 conversível vermelho, um dos modelos mais cobiçados pelos jovens da época. Mas o mais importante: todos saíram ilesos.

A relações públicas Nadir Cardoso, 74 anos, passou por diversas fases das boates e chegou a frequentar a Anjo Azul, no Largo Dois de Julho, que teve auge nos anos 1960, mas chegou até os anos 1970.

Lembra que numa dessas ocasiões chegou lá vestida de vermelho e preto, quando tinha uns 19 anos. Só quando pisou na boate, descobriu que tinha um jogo entre Flamengo e Bahia naquela noite. “Passei por uma mesa repleta de homens e um deles me pegou na mão, me rodou e disse: ‘você é a rainha do Flamengo’”, recorda Nadir, sem disfarçar certo orgulho e saudade.

Anos 1960 e 70

A Regine’s, que antecedeu o Le Zodiaque no Meridien, era da belga Régine Choukroun (1929-2002). A boate era uma das favoritas de Nadir. “Regine era muita criteriosa e trouxe para cá os hábitos europeus. Então, não tinha esse negócio de amizade: se não estivesse vestido adequadamente, não entrava. E não tinha essa de beber cerveja. Cerveja era só na praia. Eu tomava Campari ou uísque”, lembra Nadir.

Alfredo Ferreira Barros, 68 anos, cita as casas mais antigas, dos anos 1960: “Em Salvador, uma das primeiras foi a boate Clock, que ficava num hotel de mesmo nome. Depois, veio a Anjo Azul, fundada por artistas plásticos, onde Jorge Amado e Carybé iam. Houve também a XK, na Vitória. E vieram ainda a Close-up, na Barra, perto do Barravento, e a Maria Fumaça”, diz Alfredo, profissional da área de administração hospitalar e pesquisador da contracultura.

Ele lembra ainda da Senzala, nas proximidades da Boca do Rio. “Tinha algo bem específico na Senzala, que eram as cabaninhas. Ali, o casal ficava à vontade, tinha privacidade. Às vezes, se tentasse algo mais audacioso, podia até ter êxito”, diverte-se, lembrando. Foi numa dessas boates, a Zum Zum, na Orla, que Alfredo conheceu a mãe de seu filho mais novo.

Nas noitadas, Alfredo tinha a companhia do amigo Pedrinho da Rocha, designer de 67 anos. “Nessa época, além da Zum Zum, tinha a Green House. A primeira era frequentada por um público um pouco mais velho e a segunda, pela garotada. A Green House era pra namorar e a Zum Zum, para arrumar mulher mais velha”, lembra Pedrinho.

Mesmo menor de idade na época, ele diz que conseguia beber em algumas casas, porque não havia muito controle. “Mas a gente tomava uísque falsificado ou um nacional, tipo Drury’s, Old Eight ou Natu Nobilis. E tinha um que era quase transparente: Branfort. Aquele era o mais barato dos mais baratos”. Ressaca no dia seguinte? Que nada! Afinal, na plenitude dos 18 anos, nem o famigerado Branfort era capaz de derrubar.

O projeto Aniversário de Salvador é uma realização do Jornal CORREIO, com patrocínio da Drogaria São Paulo, do Salvador Bahia Airport, apoio do Salvador Shopping e apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador.