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Publicado em 29 de março de 2025 às 05:00
A escuna Thomé de Souza aporta num porto da Cidade Baixa para aguardar os convidados do aniversário de Salvador. Apesar de ser um sábado, a gorda e voluptuosa Ribeira chega com cara de segunda-feira, botando banca: distribui ordens entre os tripulantes e, enquanto o sorvete derrete numa mão, a outra manda um zap desaforado para Ilha de Maré: “Tudo pronto aí, senhora? Meus convidados já estão chegando”. Sem comer reggae, a barraqueira manda áudio: “É o quê, xibunga? Se oriente que o aniversário não é seu, e piorou os convidados”. >
Ninguém sabe se o aniversariante vai aparecer, embora o próprio tenha encomendado um receptivo caprichado na Praia das Neves. Ao saber que a cidade estava vivendo semanas de mau humor, com o fim do Carnaval e do verão, Salvador resolveu fazer um passeio pela Baía, pra levantar o astral da galera e celebrar seu dia. O bolo com 476 velinhas ficou a cargo de Sete de Abril, mas este disse que confundiu as datas, achando que era para entregar na outra semana - coincidentemente, no próprio aniversário.>
Sem bolo, a esperança para Matatu matar o que estava lhe matando foi depositada no que cada um ofertaria. Os convidados foram chegando e, em tese, cumprindo o combinado: além da bebida a gosto, uma comida de preferência.>
Na parte do rango, destaques para Mouraria, que trouxe lambreta, Brotas, que matou saudade metendo cachorro-quente, e Liberdade, que entupiu todo mundo com acarajé de 1 kg. Na parte das bebidas, a galera que optou por vinho e drinks esquisitos se entendeu bem, mas a turma da cerveja…>
A brincadeira mal começou, e Stiep já acusou IAPI de trazer Schin e beber Heineken. Bairro da Paz, mesmo sem querer guerra com ninguém, contou pra Dois de Julho que viu Pirajá fazer o mesmo. Ao saber do trelelê com seu nome, Pira pirou e quis iniciar uma batalha, mas Campinas, sua filha, o conteve.>
Quando parecia que o sismo e a cisma etílica tinham terminado, Rio Vermelho, de sunga de crochê e boné do MST, chega de virote e de mãos abanando. Dona Vitória, uma coroa emperiquitada e toda repuxada, reclama da situação com Dona Graça, a senhorinha católica que não gosta de samba: “É muita cara de pau, né? Não trouxe nem um pão da Perini”. Horto Florestal, que estava do lado com seu copo stanley, manifesta um sinal de apoio. RV, sem se importar, vira pro mar e vomita. Dona Graça também não trouxe nada.>
Mesmo sem os velhinhos da AmaBarra, que não foram porque estavam cansados de festa, e a galera do Garcia, que tava fazendo mudança no dia, a escuna foi enchendo, enchendo, e com a chegada de Cajazeiras - a última a embarcar por ter trabalhado até tarde e por morar mais longe -, a escuna finalmente desatracou, com alguns apostando que o aniversariante apareceria de jet ski.>
Todos acomodados, panelinhas formadas, a fofocaiada continuou. Os principais comentários giravam em torno dos trajes escolhidos para o dia ensolarado. >
Todinho de branco, sem aderir à moda praia, Seu Bonfim era o mais elegante, e conversava cheio de desenvoltura com Ondina, a nerd gordinha veterana da Ufba que usava um animal print de gosto duvidoso. Idoso vivido, viúvo há 12 anos, Bonfim ganhava em galanteio, mas perdia em marra para Lobato, que veio se achando o próprio velho da lancha. Tentando seduzir a vizinha, Plataforma, uma coroa enxuta e marombeira que nunca desce do salto, ‘Lobinho’ conta que é aposentado da Petrobras, mas ela sabe que o último trabalho dele foi como cobrador da Axé.>
A azaração estava realmente correndo solta: enquanto Alto do Cabrito e Alto do Coqueirinho disputavam a atenção da Baixa de Quintas, São Caetano se encantava com Itapuã e seu ar de sereia la fúria. Porém, em todas as vezes, as investidas não vingaram. Irritado com o que considerou tiração de onda da piriguete, comentou com o vizinho Capelinha: “A única diferença entre eu e ela, é que ela tem praia”.>
Boa Vista viu a cena e riu com respeito. Seus olhos também estranharam os trajes de Pau Miúdo, que ao invés de usar sunga, optou por uma bermuda jeans. Enquanto Lapinha entendeu a escolha, Pau da Lima e Massaranduba se imitaram e se irritaram por usarem a mesma sunga branca e apertada da Mahalo. >
Itaigara também olhou Pituba de cima a baixo, ao ver que a vizinha tava quase com o mesmo look da Salinas, mas brincou com o bebê Aquarius no colo da mainha. Preocupada, ainda sugeriu que Capituba (nome de batismo) colocasse um protetor de ouvido no caçulinha, quando subiu o som do pagodão.>
A criançada, aliás, se divertiu um bocado, embora alguns deles tenham se assustado com o palhaço Paripe, que parecia meio fake. Um menino do Pelô estragou uma mágica dele, Novo Marotinho puxou sua peruca e um pivete do Calabar quase o empurra pra fora do barco.>
Enquanto Itinga e Canabrava, já em águas, discutiam os lances da final do Baianão com Pituaçu, os músicos Candeal e Curuzu se viravam pra descer a percussão sem molhar os instrumentos. Antes do toque de timbaleiro sacudir o mundo inteiro, Piatã comandava a playlist, com especial apego às antigas do Harmonia - decisão aprovada por Capelinha, mas criticada por Engenho Velho de Brotas, que reivindicava o Psi.>
Divergências assim, uma aqui e outra ali, continuaram animando o passeio, a exemplo da contenda entre Ribeira e Ilha de Maré, culpando uma à outra pela ausência física do aniversariante. Mas Salvador estava lá, de butuca, quando começou o batuque dos parabéns, e observou que todos estavam felizes, curtindo à própria maneira. Uma gente tão diversa, mas que celebra a vida com força, graça e bênção de formas consonantes. Um povo com vocação para a festa e para a alegria, mesmo com tanta agonia. E Salvador sentiu-se agraciado por tudo e tanto, e foi feliz o seu aniversário nas águas de Todos os Santos.>
O projeto Aniversário de Salvador é uma realização do Jornal CORREIO, com patrocínio da Drogaria São Paulo, do Salvador Bahia Airport, apoio do Salvador Shopping e apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador.>