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Conheça festa negra e LGBTQIAPN+ que nasceu em Salvador e mudou o cenário cultural do Brasil

Batekoo teve a primeira edição em 2014 e hoje o projeto faz festas em sete cidades do país

  • Foto do(a) author(a) Carolina Cerqueira
  • Carolina Cerqueira

Publicado em 30 de março de 2025 às 16:00

O nome é diferente, chamativo, ousado. Condiz com a estética e identidade do evento. Nas festas da Batekoo, estão os mais diferentes tipos de looks e penteados e as mais fascinantes performances de dança. É uma festa de pretos para pretos. Eles estão nos bastidores, nos holofotes, na produção, no palco, na plateia. Mas, naquele mar de gente, mesmo de longe, ninguém é igual.

A estudante de jornalismo Micaele Santos, de 23 anos, define a Batekoo como “autêntica”. Mulher negra heterossexual, ela descobriu a festa quando entrou na faculdade e costuma ir com um grupo de amigos, adicionando à lista as edições na Senzala do Barro Preto, no Cuzuru, e os chamados Afters da Batekoo, que aconteceram no Carnaval de 2023 e 2024, na Praça Castro Alves.

“A gente bate o olho em cada um que está ali e consegue, mesmo sem trocar uma palavra, entender um pouco da personalidade. Na maioria das outras festas, as pessoas se vestem de modo igual, querem se encaixar, querem estar no padrão”, analisa Micaele. Para ela, está na identidade do evento a celebração da diversidade. A cena é preta, mas também colorida.

O projeto nasceu em 2014, com o fundador Maurício Sacramento. Jovem negro do Nordeste de Amaralina frequentador de boates LGBTQIAPN+, ele encontrava espaços de festa majoritariamente brancos, contrastando com a demografia da cidade. Decidiu, então, fazer a própria festa e revolucionou o cenário cultural de Salvador.

"A noite sempre foi um lugar de refúgio e respiro da minha realidade como um jovem negro, LGBT, periférico, que tinha problemas em casa. Nessas vivências, colhi insumos para a Batekoo. Nuncia foi um plano de vida, mas as coisas foram me colocando nesse caminho. Conheci muita gente, comecei a tocar em festas e promover eventos. Aconteceu", rememora Maurício.

Impacto

Onze anos depois, tem festa em junho, que é o mês do orgulho, e em novembro, mês da consciência negra. Mas é no verão que o calendário fica mais aquecido, com a Casa Batekoo. As festas acontecem semanalmente, movimentando o mercado.

"Muita gente vem nos procurar querendo fazer parte disso, querendo uma oportunidade de trabalho. A cada festa, são cerca de 60 pessoas atuando diretamente", contextualiza Sandro Mignella, que é produtor-geral da iniciativa especial de verão em Salvador.

Ele nasceu em São Paulo, é filho de mãe baiana e, há três anos, decidiu morar em Salvador. Com propriedade, fala que, mesmo a Batekoo tendo se expandido e promovido festas em sete cidades do Brasil (Salvador, Recife, Belo Horizonte, Fortaleza, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo), em Salvador é diferente. "As pessoas de fora sabem disso, a energia das festas aqui é outra", diz Sandro.

Em São Paulo, acontecem o Festival Batekoo e o bloco com trio elétrico Carnakoo, mas Salvador tem seu lugar. Maurício se divide entre entre as duas cidades, reforçando a estadia na capital baiana durante o verão por conta da Casa Batekoo, que é exclusividade do solo soteropolitano. O trabalho que vai muito além da captação de dinheiro ganha ainda mais nuances na terra onde nasceu por conta do valor cultural do projeto.

Sandro explica que, durante o processo de escolha dos locais onde as festas em Salvador vão acontecer, a história e identidade são fortes critérios. "Já fizemos no Santo Antônio Além do Carmo, no Comércio, no Pelourinho. São espaços que falam e queremos, com as festas, dar outros sentidos a eles", compartilha.

Primeira festa da Batekoo aconteceu em 2014
Primeira festa da Batekoo aconteceu em 2014 Crédito: Acervo de imagens Batekoo

A estudante Micaele, frequentadora dos eventos da Batekoo que foi citada no início da reportagem, entende bem o conceito. “A gente sabe que, numa sociedade capitalista, a lógica é agregar mais pessoas para gerar mais dinheiro, mas essas festas vão além. O valor cultural não se perdeu e espero que nunca se perca”, diz a estudante ao falar sobre a presença de pessoas brancas na Batekoo.

Diversidade

Maurício Sacramento compartilha que há uma política para que 100% dos profissionais que trabalham na Batekoo sejam pessoas negras. Faz parte do propósito da marca e, segundo o fundador, só assim é possível traduzir a cultura negra para as ações realizadas.

“Até quando vamos fazer publicidade com alguma marca, isso é pensado. Algumas marcas querem levar influenciadores para o nosso festival e a gente sempre pede para que sejam negros porque é com eles que vamos nos conectar”, explica.

Quanto ao público geral, Maurício reconhece que a Batekoo furou a bolha, mas sem que a essência se perca. Não é à toa. “Essa alteração de público, digamos, não acontece tanto em Salvador, é mais em São Paulo. Mas temos estratégias internas para que a maioria das pessoas seja negra, como o mote do festival de 2024, que defendia que a gente não quer só ser assistido, quer se assistir”, lembra.

Ele defende que esse tipo de estratégia e festa ainda precisa acontecer. “A criação de espaços negros é algo necessário porque pessoas negras, quando frequentam espaços convencionais, não são maioria e estão sujeitas a passar por situações de racismo, como eu já passei e passo diariamente. É por isso que a Batekoo nasce, é por isso que temos projetos voltados para pessoas negras”, acrescenta Maurício.

Frequentadores defendem que brancos são bem-vindos, mas protagonismo é dos pretos
Frequentadores defendem que brancos são bem-vindos, mas protagonismo é dos pretos Crédito: Acervo imagens Batekoo

Micaela completa opinando que pessoas brancas devem ser bem-vindas, já que uma das palavras de ordem do projeto é "diversidade".

"A mistura não é um problema, a questão é não deixar perder o protagonismo negro, que é o sentido da festa", coloca. Alexsandro Rodrigues, designer de moda gay de 28 anos que frequenta as festas da Batekoo desde a primeira edição, concorda e dá o recado: "Pode ir, ninguém vai barrar. Mas não ocupe um espaço de protagonismo, não entre nessa coisa de subir no palco e chamar a atenção porque a festa não é feita para você."

Compromisso

Para seguir com essa proposta, a gerente de projetos da Batekoo, Annelise Borges, conta que há uma estratégia de acessibilidade para os ingressos. "A gente tem a missão de fazer o evento se pagar, de oferecer uma remuneração digna para os colaboradores e manter um valor que o nosso público possa pagar. Precisa ser acessível para ser Batekoo", diz.

No início, as festas eram gratuitas ou custavam R$10. Agora, o preço dos ingressos no primeiro lote costuma variar entre R$20 e R$25, mas ainda acontecem edições abertas ao público. Também há listas de gratuidade, principalmente no festival, para o público trans, PCD (Pessoas Com Deficiência) e imigrante africano.

"O festival é o maior desafio porque é um evento muito grande, com uma estrutura milionária para colocar 12 horas de música por dia. Mas a gente consegue manter os ingressos a partir de R$60. Menos que isso, a estrutura não se paga", explica Annelise.

Padrão é uma palavra que não existe no vocabulário da Batekoo e empoderamento é incentivado através da estética
Padrão é uma palavra que não existe no vocabulário da Batekoo e empoderamento é incentivado através da estética Crédito: Acervo imagens Batekoo

Outro compromisso, tão sério quanto, é com a felicidade do público. Tudo está conectado ao termo "blackjoy", mencionado pela gerente de projetos. "As pessoas vão buscando um ambiente de felicidade e alegria e a gente proporciona isso", coloca.

O termo surgiu nos Estados Unidos e adota a felicidade como revolucionária, uma verdadeira arma de resistência.

Alexsandro Rodrigues, frequentador das festas da Batekoo citado acima, usa a palavra "diversão". Ele disse que se apaixonou pela experiência desde a primeira vez e coleciona memórias afetivas dos eventos. "Eu vou com os meus amigos, é um momento de celebração para a gente. Tem muito essa energia de aproximar pessoas", compartilha.

É a mesma energia mencionada pelo produtor Sandro Mignella. Ele diz que se emociona ao ver cada uma das edições acontecendo na prática. "É uma energia coletiva que contagia mesmo, eu me sinto tocado. A gente está ali trabalhando para oferecer espaço para quem não tem espaço, para dar liberdade a quem não tem liberdade. Isso é muito especial", traduz.

As músicas tocadas e os DJs escolhidos são pensados para isso. Maurício conta que, quando o projeto surgiu, ainda existia forte conservadorismo em relação a gêneros musicais periféricos, como funk e pagodão. "Não era tão comum um projeto bater no peito e defender as manifestações culturais da periferia e da cultura preta", avalia.

Tem espaço para funk, pagodão, brega funk, trap, reggae, reggaeton e ainda raízes africanas, como o kuduro. As setlists variam a cada cidade, conforme o apelo local, mas a essência se mantém. É o que Sandro Magnella chama de "música preta". "É uma música que tem a identidade preta, de artistas pretos", diz. A MPB não fica de fora, mas tem uma outra cara: Música Preta Brasileira é a versão adotada.

Além das festas

Tudo é pensado para a comunidade negra e LGBTQIAPN+ e é a partir das demandas desse grupo tão plural que surgem as outras vertentes da Batekoo. Além da Batekoo Produções, responsável pelas festas, festivais e o bloco de Carnaval, existe a Escola B.

Coordenada pelo musicista Leonardo Moraes, diretor de ações educativas, promove cursos presenciais e digitais de curta e longa duração, promove ações de capacitação para inserção na cadeia produtiva da economia da cultura e expansão de conhecimentos no âmbito da produção cultural ou artística, com discussões sobre criatividade, inovação e mercado cultural.

A vertente teve início em 2018 e ficou sob a responsabilidade de Leonardo em 2021, quando ele, que é do Rio de Janeiro, chegou ao projeto. Ele conta que conheceu a Batekoo na primeira festa promovida em solo carioca, durante o processo de expansão para fora de Salvador.

"Foi um marco compreender que existia no Brasil uma plataforma que pensava as juventudes negras e LGBTQIAPN+", diz. Para levar a contribuição para antes e depois das festas, surgiu a Escola B. Grande parte dos profissionais formados atuam nos projetos da Batekoo, fazendo a roda girar.

"Um exemplo prático é que, em 2023, o nosso festival em São Paulo serviu de estágio e aplicação prática para três jovens que participavam do nosso curso que era como um laboratório de produção cultural", lembra Leonardo.