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Rodrigo Daniel Silva
Publicado em 7 de setembro de 2024 às 05:00
Era 17h54 da última quinta-feira (5), quando o colunista do portal Metrópoles, Guilherme Amado, publicou uma informação que empurrou o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para um terremoto político. Às 19h15, um push - mensagem enviada por aplicativos de celular - disparado pelo jornal Folha de São Paulo pôs a notícia ainda mais em evidência: “Silvio Almeida, ministro de Lula, é acusado de assédio sexual”. Vinte e quatro horas depois, uma nota divulgada pelo Palácio do Planalto confirmava a demissão do ministro dos Direitos Humanos.
As investigações do próprio governo petista apontam que há, pelo menos, quatro denúncias de assédio sexual contra Silvio Almeida. Uma das vítimas seria Anielle Franco, que é ministra da Igualdade Racial e irmã da vereadora assassinada no Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL). As acusações foram feitas à Me Too Brasil - organização sem fins lucrativos que presta apoio a vítimas de violência sexual -, que ratificou a denúncia.
“Elas foram atendidas por meio dos canais de atendimento da organização e receberam acolhimento psicológico e jurídico. Como ocorre frequentemente em casos de violência sexual envolvendo agressores em posições de poder, essas vítimas enfrentaram dificuldades em obter apoio institucional para a validação de suas denúncias. Diante disso, autorizaram a confirmação do caso para a imprensa”, informou.
Um vídeo publicado no Instagram pela candidata à vereadora na Câmara de São Paulo Isabel Rodrigues (PSB) pôs fim à passagem de Silvio Almeida pelo Ministérios dos Direitos Humanos. Ela relatou que, em agosto de 2019, antes de ele assumir a pasta, Silvio teria colocado a mão por baixo de sua saia, em suas partes íntimas, durante um almoço em que estavam presentes outros colegas. Na época, ele integrava o Conselho Pedagógico da Escola de Governo, do qual ela também participava.
“Sentei do lado dele e não sei por qual motivo ele se achou no direito de invadir as minhas partes íntimas sem o meu consentimento. A violência sexual sofrida há cinco anos foi tema em sessões de terapia. Pensei muitas vezes em denunciar. Não o fiz por vários motivos, e o motivo maior, foi o medo disso voltar contra mim”, declarou.
Logo após as denúncias virem à tona, o ministro gravou vídeo e divulgou uma nota na qual dizia repudiar com “absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas” contra ele. Disse ainda que as “ilações absurdas” tinham o “único intuito” de “prejudicar, apagar nossas lutas e histórias, e bloquear o nosso futuro”.
Ele afirmou que toda denúncia deve ter materialidade. "Repudio tais acusações com a força do amor e do respeito que tenho pela minha esposa e pela minha amada filha de 1 ano de idade, em meio à luta que travo, diariamente, em favor dos direitos humanos e da cidadania neste país", emendou.
Os argumentos do ministro, porém, caíram diante dos relatos de assédio sexual. Ele foi ficando aos poucos isolado. A Coalizão Negra por Direitos, que congrega centenas de entidades integradas ao movimento por igualdade racial no país, se solidarizou com Anielle Franco e disse que repudiava "qualquer forma de violência, sobretudo contra as mulheres brasileiras".
No início da noite de sexta-feira (6), Silvio Almeida não resistiu e se reuniu com o presidente Lula, que demitiu o agora ex-titular dos Direitos Humanos. A conversa foi dura e o chefe do Palácio do Planalto comunicou que ele estava fora do governo. Disse que as denúncias de assédio e importunação sexual teriam tornado a situação dele insustentável.
Lula perguntou se o próprio ministro preferia pedir ele mesmo exoneração. Caso contrário, seria demitido. Mas Silvio Almeida já tinha dito a integrantes do governo que não pediria para sair porque seria uma confissão de culpa.
Depois do anúncio da saída de Almeida, Anielle Franco disse, por meio de nota, que casos de violência não podem ser relativizados ou diminuídos. “Reconhecer a gravidade dessa prática e agir imediatamente é o procedimento correto, por isso ressalto a ação contundente do presidente Lula e agradeço a todas as manifestações de apoio e solidariedade que recebi”, declarou.
A demissão do ministro dos Direitos Humanos já era dada como certa desde a quinta à noite após a primeira-dama Janja publicar uma foto afagando Anielle. Horas depois, em entrevista a uma rádio, Lula indicaria a saída de Silvio. “Alguém que pratica assédio não vai ficar no governo”, declarou ele.
Advogado e escritor, Silvio Almeida, que tem 48 anos, ficou conhecido pelas pesquisas sobre o racismo na sociedade brasileira. Ele escreveu “Racismo Estrutural” e “Sartre: Direito e Política”. Quando foi anunciado para o Ministério dos Direitos Humanos em dezembro de 2022, era professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Durante a transição de governo, integrou o grupo de trabalho com a temática de direitos humanos.
A demissão do ministro provocou reações entre intelectuais negros. A professora, escritora e palestrante Bárbara Carine disse que estava de luto. "Todo brasileiro com consciência racial na última noite não dormiu, passou o dia com um mau-estar tremendo (mau-estar emocional, no meu caso também físico) e no momento está com uma vontade profunda de sumir um pouco. Os movimentos sociais negros retrocedem anos de luta em um único dia", afirmou.
O ator Lázaro Ramos também considerou o episódio um retrocesso. "A única certeza que tenho é que hoje uma comunidade inteira caminha para trás", escreveu, em seu perfil no Instagram.
Silvio é o quarto ministro a deixar o governo. Em seu lugar, assume provisoriamente Esther Dweck. A exoneração dele e a do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Gonçalves Dias foram motivadas por denúncias. Daniela Carneiro e Ana Moser deixaram o governo devido à costura de apoios políticos.
*Com informação de agências