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Flavia Azevedo
Publicado em 5 de julho de 2020 às 10:15
- Atualizado há 2 anos
Não há protocolo divulgado por nenhuma autoridade estadual ou municipal, na Bahia. A OMS clama pelo isolamento social e universidades anunciam retomada de aula apenas no modo online. Mesmo assim, nossos empresários da educação garantem estar prontos para receber de volta, nas salas de aula, milhões de crianças e adolescentes, durante a pandemia de covid-19. E querem isso pra já, mesmo antes rede pública de ensino.
Pensar (e atuar) tem muito a ver com conseguir fazer boas perguntas. Por isso, escutei mães, pais, professores, educadores e outras pessoas envolvidas no funcionamento do setor. Depois, formulei 20 questões. A maior intenção, com isso, é provocar reflexões dentro de cada família e na relação de cada família com a instituição à qual confiam suas crianças e adolescentes. Mas este é, também, um convite público aos empresários da educação. Será que um/a representante poderia responder e se juntar a nós na busca por soluções? É apenas um convite. Pode ser aceito ou não.
Seja qual for a escolha dos representantes do setor, o espaço para as respostas está garantido: mesmo tamanho, na edição especial do próximo fim de semana, nas versões impressa e digital do jornal CORREIO. Com uma ressalva, apenas: assim como no ENEM - e nas conversas de gente grande - clareza é importante e fuga do tema anula a redação.
1. Todos sabemos do impacto da pandemia no "negócio educação". Suspensão de contratos, migração para a rede pública e descontos no valor de mensalidades têm causado, inclusive, o fechamento de muitas instituições. Nesse cenário, quais são os caminhos possíveis para a mitigação dos danos econômicos sofridos pelo setor? A imediata volta às aulas presenciais é considerada como solução?
2. Há diversas narrativas contra e a favor da volta às aulas. Que argumentos tem o empresariado do setor para reabertura? Quais desses argumentos contemplam os contratantes (famílias) e os usuários desses serviços, ou seja, crianças e adolescentes?
3. Perdas financeiras, neste momento, fazem parte da realidade de muitos de nós. De acordo com pesquisa da DMCard - administradora de cartões de marca própria - sete em cada 10 brasileiros perderam renda com a pandemia. Além desses, 62% acreditam que ainda vão enfrentar problemas dessa natureza. Diante desse cenário, como o empresariado do setor educação pensa tratar as demandas econômicas das famílias, quando do retorno às aulas presenciais? Haverá alguma flexibilidade, descontos ou algo assim?
4. Os donos de escola reivindicam para si o poder de decisão sobre quando e como retomarão as aulas presenciais, na rede particular de ensino. Que índices, números e parâmetros em relação à pandemia estão sendo considerados, para essa decisão? Há uma comissão de especialistas? Que modelos estão sendo observados, que experiências serão utilizadas como exemplo, inclusive para a adequação de espaços? Na opinião do setor, já vivemos um momento no qual seria possível retomar essas atividades?
5. A rede privada de ensino tem milhões de alunos, na Bahia. A retomada das aulas presenciais impactará em diversos setores e milhões de famílias, além dos profissionais diretamente e indiretamente envolvidos no setor. Os educadores, por exemplo, que estão na linha de frente da prestação desse serviço, estão envolvidos na discussão? As famílias estão sendo consultadas? Há um diálogo amplo ou os donos de escolas se propõem a assumir, sozinhos, essa responsabilidade?
6. Há um consenso de que alunos e funcionários de qualquer grupo de risco não voltarão às atividades presenciais, pelo menos em um primeiro momento. Isso quer dizer que existe um "risco calculado"? Ainda: como ficarão os funcionários e alunos que convivem com familiares em grupos de risco e podem funcionar como vetores de contaminação? As escolas têm pensado também naqueles que vão e voltam das escolas em transportes públicos ou aqueles escolares conduzidos por pessoas em grupo de risco?
7. Uma semana após a volta às aulas de apenas um terço das crianças na França, o governo mapeou 70 novos casos de coronavírus, em sete escolas, e decidiu fechá-las outra vez. Isso, em um país que estava em outro momento da pandemia e onde o número de alunos por sala de aula é muito menor do que temos aqui. Isso, além das distâncias abissais - em muitos aspectos - que separam países desenvolvidos daqueles subdesenvolvidos, como o nosso. As escolas particulares consideram a possibilidade de gerar novos focos de contaminação? Em que lugar, na avaliação de todo o cenário, está posto isso?
8. Quanto aos filhos menores, preceitua o artigo 1.634, do Código Civil, que compete aos pais "dirigir-lhes a criação e educação". Isso, contraposto à obrigatoriedade legal de manter menores matriculados em instituições de ensino, cria um dilema nas famílias, agora. Como as escolas pretendem se posicionar diante das mães e pais que não se sentirem seguros para a retomada, ainda que as crianças e/ou adolescentes não façam parte de qualquer grupo de risco? Haverá a possibilidade de continuarem em ensino à distância? Há chances de esses alunos, caso não voltem às aulas presenciais, serem reprovados?
9. Na Constituição Brasileira (Art. 227) consta que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". A educação é um conceito amplo e uma parte dele – a de conteúdo – é a única que cabe, inteiramente, à escola, no caso das particulares. Todo o resto pode ser viabilizado por famílias não vulneráveis, como as que, por óbvio, formam o público consumidor do setor. Durante a pandemia, o ensino à distância foi ofertado às famílias como uma solução para o trabalho do conteúdo formal. Já que a “convivência comunitária" está contraindicada, neste momento, qual é o ganho, para os alunos, de um retorno às aulas presenciais, neste momento?
10. O governo da Bahia tem testado alunos da rede pública para entender os números de contaminados nesse universo. As escolas particulares pretendem, também, "testar e isolar", como recomenda a OMS? O setor acha importante conhecer os números atualizados de infectados no universo de pessoas que trabalham e pretendem voltar a reunir?
11. Sabemos que a febre é apenas um dos sintomas, que assintomáticos contaminam e que muitas pessoas não manifestam febre, durante todo o curso da covid-19. Sendo assim, medir temperatura, diariamente, não significa estabelecer segurança. A obrigatoriedade de teste diários seria ilegal, além de invasiva. Que método seria eficaz e viável para e retomada das atividades coletivas em uma faixa etária para a qual o contato físico é inevitável?
12. Pessoas adultas reclamam do incômodo causado pelos EPIs. Submeter crianças ao uso deles, por longas horas, seria viável? Se sim, isso seria positivo e confortável para pessoas de 8, 9, 10 anos ou menos? Não seria um sacrifício grande demais, nessa faixa etária?
13. Funcionários de atividades não essenciais infectados pelo coronavírus após patrões exigirem sua volta ao trabalho, durante a quarentena, podem pleitear indenização na Justiça. Isso foi repercutido na imprensa, diversas vezes. Caso sigam seu próprio plano de reabertura, a despeito das recomendações da OMS, as escolas estão preparadas para assumir a responsabilidade sobre a eventual contaminação de alunos e funcionários?
14. Mesmo no setor de ensino privado, há instituições de diferentes estruturas. Sem uma regulação/fiscalização estadual ou municipal, como a classe garante que todas as escolas cumprirão um eventual protocolo estabelecido? Há a previsão de ajudar as mais frágeis no treinamento e compra de material, por exemplo?
15. Uma das reclamações das famílias, em relação às aulas online, foi o "amadorismo". Quase quatro meses depois do início da quarentena, a rede privada de ensino está preparada para um eventual recuo, depois de uma reabertura ou para a manutenção do ensino híbrido? O setor investiu em tecnologia e formação de professores nesse sentido?
16. De acordo com o artigo 3º, do Código Civil, "São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos". Sendo assim, não podem ser responsabilizadas pelo cumprimento de todo um complexo e detalhado protocolo de segurança que os proteja - ainda que relativamente - do contágio. Precisam de cuidado direto, portanto, e de quem se responsabilize por esses cuidados. Em casa, estão sob a responsabilidade das suas famílias. Ao tomarem essa responsabilidade para si, as escolas estão prontas para responder pela conduta individual de cada criança e de cada adolescente, no ambiente escolar, diante de um risco jamais vivido?
17. Sabemos que o lazer é direito e necessidade de todos. Uma retomada que invada, com aulas presenciais, os meses de férias dos alunos, não estaria penalizando esses alunos e suprimindo um outro direito básico? O que o setor pensa sobre o impacto psicológico da pandemia e dessa retomada, em crianças e adolescentes?
18. O Congresso Nacional aprovou o texto base da Medida Provisória 934/ 20 que aponta as diretrizes para adequar o calendário escolar 2020. Seguindo o previsto pela Lei N°9394/ 1996 (LDB), o teor do texto prevê, no que se refere à educação infantil, ensino fundamental e médio:
1- Educação Infantil: A não obrigatoriedade dos 200 dias letivos nem das 800 horas;
2- Ensino Fundamental e Médio: Desobrigação dos 200 dias e 800 horas sendo cumpridos/compensados no próximo ano, como um ciclo único: 2020/ 2021(duas séries em um só ano).
O empresariado do setor apoia essas diretrizes? Por que?
19. Um dos argumentos para o retorno às aulas é o de que a reabertura do comércio demanda que as famílias "tenham onde deixar as crianças" e que mantê-las fechadas aumentaria a desigualdade social entre homens e mulheres, que ainda são mais incumbidas dos cuidados com a prole. Mas reabrir a rede privada, antes da rede pública, também não colaboraria para aumentar o desnível social entre crianças e adolescentes de diferentes poderes aquisitivos? O que o setor, que trabalha com a formação de pessoas, tem a dizer sobre esse outro impacto social da proposta de reabertura?
20. Qual o percentual de famílias que demandam a reabertura das escolas? O setor tem sofrido essa pressão? As que discordam têm se manifestado?