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Da Redação
Publicado em 27 de maio de 2019 às 13:38
- Atualizado há 2 anos
A década de 1970 traz para o movimento das pessoas com deficiência importantes contri-buições com o advento dos Disability Studies ou Estudos sobre Deficiência, nos EUA e no Reino Unido. A partir desse período, o conceito de deficiência passa por uma importante mudança, aban-donando o modelo médico que a relaciona apenas aos aspectos físicos e biológicos, à doença e cura, passando para o modelo social que a define como um fenômeno fundamentalmente social, cultural e político, sobretudo na relação com as barreiras arquitetônicas, comunicacionais, atitudi-nais, entre outras.>
Essas questões repercutiram nas políticas brasileiras na década de 1980 em decorrência de alguns eventos e iniciativas, em nível internacional, a exemplo do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, instituído pela ONU, em 1981. Desde então, nossos direitos são garantidos na própria Constituição de 1988 e mais recentemente a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LEI Nº 13.146/2015), sancionada pela presidenta Dilma Roussef. Embora, sem muita efetividade no cumprimento dessas leis, no nosso dia a dia.>
Apesar de todos os avanços, percebemos que as discussões acerca da deficiência ainda ficam restritas a um pequeno grupo e a própria deficiência continua sendo considerada uma tragédia pessoal e não uma questão de justiça social.>
Circulando pelas ruas, observamos os olhares curiosos de piedade, os discursos de supe-ração, as abordagens desrespeitosas camufladas de cuidado, os toques invasivos e as conduções involuntárias como se nossos corpos fossem de domínio público, os carros estacionados em frente às rampas, o taxista que se recusa a transportar a cadeira de rodas, o motorista de ônibus que não para no ponto quando avista um cadeirante ou os meios de comunicação quando descumprem as leis de acessibilidade, entre tantas situações.>
Ahhh! Vocês, bípedes, me cansam! Sempre repito essa frase quando percebo alguma ati-tude capacitista. Para quem não sabe, capacitismo é o preconceito em relação às pessoas com deficiência. Por causa de tantas experiências negativas que vivenciamos no dia a dia, resolvi de-senvolver, na minha pesquisa de doutorado, o conceito de Bipedia.>
Bipedia compreendida não apenas pela locomoção em dois membros, mas como estrutura sócio-política determinada pela perspectiva de mundo pautada apenas pelas demandas de quem não possui deficiência, considerando todos aqueles que não fazem parte do seu grupo como inca-pazes, inaptos e inferiores. A Bipedia age na relação com todos os tipos de deficiência, desde a física até a visual, auditiva, intelectual, etc.>
Na Dança, que é meu campo de atuação, podemos perceber também a soberania do pen-samento bípede. Embora seu conceito tenha se expandido, principalmente em decorrência de al-gumas vertentes da Dança Contemporânea, ainda é possível observar um pensamento excludente em relação aos corpos com deficiência, que continuam sendo considerados corpos desabilitados para dançar.>
As grandes companhias não acolhem em seu elenco artistas com deficiência, muitos festi-vais não convidam seus espetáculos, a mídia pauta seus trabalhos pelo olhar da superação e co-moção do público, os próprios grupos que trabalham com pessoas com deficiência, em muitos ca-sos, buscam trazer uma normatividade para o corpo com deficiência na tentativa de se aproximar de um corpo idealizado.>
Por outro lado, nota-se também que aqueles artistas com deficiência que refutam esse com-portamento excludente e distanciam-se do discurso hegemônico de um corpo padrão, começam a se destacar no cenário da arte brasileira e a ocupar espaços de representatividade, desenvolvendo importantes pesquisas artísticas e acadêmicas, contribuindo, dessa maneira, para mudanças signi-ficativas de paradigmas.>
Com o propósito de levantar reflexões acerca desses assuntos, acontecerá dia 31 de maio, às 14h, gratuitamente e aberto ao público, o Encontro O que é Isso? Acessibilidade e Direitos: cultura, educação e saúde, no Teatro Experimental da Escola de Dança, promovido pela ACCS Acessibilidade em Trânsito Poético.>
Edu O. é professor da Escola de Dança da UFBA, diretor e dançarino do Grupo X de Improvisação em Dança.>
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de reponsabilidade dos autores>