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'Você não vira super-homem depois de ser vacinado', diz co-criador de vacina da febre amarela

Pesquisador da Fiocruz-PE e doutor em biologia molecular, Rafael Dhalia falou ao CORREIO sobre risco de contágio após imunização contra o coronavírus

  • Foto do(a) author(a) Vinicius Nascimento
  • Vinicius Nascimento

Publicado em 10 de abril de 2021 às 11:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Foto: Divulgação/Fiocruz

A ciência diz que ninguém 'vira jacaré' após a vacinação contra o coronavírus. No entanto, é possível se contaminar com a doença mesmo após completar o ciclo de imunização em duas doses, como é o caso das vacinas que são distribuídas no Brasil: AstraZeneca e Coronavac, desenvolvidas pela Universidade de Oxford e Instituto Butantan, respectivamente.

Pesquisador da Fiocruz Pernambuco e doutor em biologia molecular, Rafael Dhalia tem experiência quando o assunto é vacina. Junto com o imunologista Ernesto Marques, criou uma vacina de DNA contra a Febre Amarela, com direito a patente internacional, e desenvolveu imunizantes similares contra os vírus Zika e Chikungunya. O especialista conversou com o CORREIO sobre os desafios do plano de vacinação brasileiro e tirou dúvidas sobre o tempo que é necessário seguir em isolamento para não se contaminar mesmo após receber a vacina. O papo completo você pode conferir logo abaixo. Boa leitura!Leia também: Vacinados, mas sem 'queimar máscaras': entenda por que quem já foi imunizado pode pegar covid-19CORREIO: Por que as vacinas não são milagrosas ou passaporte para imunidade eterna? 

Rafael Dhalia: Primeiro porque nenhuma vacina é 100%. Tem pessoas que mesmo vacinadas não estarão protegidas contra o vírus. E não é só vacina para covid-19: nenhuma vacina na história da humanidade é 100%. A do Butantan ter 50% de eficácia, quer dizer que metade das pessoas não vão, mas a outra metade vai. O que sabemos é que a pessoa terá proteção contra a forma grave da doença. Isso quer dizer que ainda existe um risco, tanto individual quanto coletivo, porque poucas pessoas foram vacinadas no Brasil e isso significa que elas estarão transmitindo o vírus para o restante da população. Se preservar é um ato até de solidariedade. Ontem chegamos a 3% da população [vacinada] e se a gente chegar em 70% alcançamos a famosa imunidade de rebanho. Mas até isso chegar, é preciso evitar a disseminação do vírus. 

CORREIO: Quais são os cuidados que as pessoas devem manter depois da vacina e por quanto tempo?

RD: Como falei, não existe vacina 100%. Então os cuidados que as pessoas têm que ter agora são aqueles mesmos cuidados básicos de antes, né? Distanciamento social, higienização das mãos e uso de máscara. Aquilo tudo que já é chover no molhado e falamos desde o ano passado e as pessoas não estão levando a sério e por isso chegamos a essa tragédia de 4 mil mortos diários no Brasil.

Isso precisa ser mantido não só até alcançar a imunidade de rebanho. Tem que ser mantido um tempo depois também. O objetivo de uma imunidade de rebanho é reduzir a circulação do vírus. Quando 70% tiver vacinado é preciso um tempinho de 2 a 3 meses de cuidado. Essa retomada da vida normal tem que ser consciente e gradual e para isso acontecer precisamos investir em tudo que se investiu no passado, com testagem, rastreamento de contato e manter a cobertura vacinal porque a gente não sabe quanto tempo vai durar a proteção da vacina. Provavelmente teremos que vacinar a cada ano, como é a vacina da gripe. 

CORREIO: O que acontece se a pessoa não tomar a segunda dose ou atrasar a segunda dose?

RD: Quando os estudos de fase 3 foram desenvolvidos, tudo isso foi avaliado. A necessidade de um ou duas doses. O que se viu na maioria dos estudos, com raras exceções como a Janssen, foi que a dose única não era suficiente para manter a imunidade. Estudos anteriores mostraram que as duas vacinas do Brasil (Oxford e Coronavac) precisam de duas doses. A pessoa tomar só uma dose significa o mesmo que nada. Ela precisa da segunda dose para estimular o sistema imune e ter a eficácia desejada.  

CORREIO: O que é a janela imunológica na vacinação contra a covid-19? significa que os anticorpos realmente não vêm antes? Qual é a média de tempo? 

RD: Quando você se imuniza, coloca um antígeno no corpo e induz a famosa resposta imunológica, que induz a formação de anticorpos e sistemas de defesa chamados Células T. Com relação aos anticorpos, existe um tempo de maturação deles. A ciência mostra que depois de completamente imunizada, aproximadamente em três semanas a pessoa tem a maturação. 

Apesar da gente saber que em três semanas haverá o pico de maturação dos anticorpos, não existe vacina 100%. A vacina não é um passaporte, você não vira um super-homem depois de vacinado e existe a possibilidade de adoecer mesmo depois de se vacinar. Temos que tomar cuidado até que esse vírus deixe de circular ou circule muito pouco. Diminuir os cuidados, ou reduzir, só depois de atingir a imunidade de rebanho porque aí o risco será bem menor tanto de forma individual quanto coletiva.

CORREIO: O quanto devemos nos preocupar com os níveis de exposição dos vacinados? Temos visto idosos que tomaram a segunda dose saindo de casa para locais como shoppings, que acabaram de reabrir; alguns nem mesmo completando o tempo da segunda dose. Os níveis de exposição podem interferir no percentual de eficácia das vacinas no Brasil? 

RD: O risco individual que a pessoa assume é muito alto porque não há 100% de certeza de estar imune. Segundo, que a pessoa aumenta a circulação do vírus e abre janela para o que enfrentamos hoje que é o surgimento de novas variantes. A partir do momento em que você estimula a circulação do vírus, novas variantes surgem como a gente vê. Hoje a mais preocupante é a da África do Sul e as empresas estão se preocupando para ter formulações vacinais mais eficientes contra ela. Mas já surgiu uma variante em Minas Gerais que incorpora mutações da cepa do Reino Unido, da África do Sul, do Brasil.. Um verdadeiro combo de mutações e não sabemos a consequência disso a longo prazo. Resumindo, vacinar em massa e continuar se protegendo é uma coisa que vai reduzir bastante a circulação dessas variantes. Não sei se a população está entendendo, mas vacinar não é um passaporte. Não existe isso. Vacina não é uma medida de proteção individual. Por si só, é uma medida de proteção coletiva. Ou seja, a gente só vai estar seguro quando a população estiver segura, não apenas o indivíduo. 

CORREIO: Sabemos que a circulação do vírus no Brasil é muito grande e isso é um risco para a criação de novas variantes. Elas podem resistir às vacinas?

RD: Hoje vemos resultados bons no Brasil, mesmo no meio de tanta tragédia. As vacinas de Oxford e Coronavac têm efeito contra a p1, que é a principal variante em circulação no Brasil. Um estudo divulgado pelo Butantan com mais de 60 mil voluntários na cidade de Serrana está dando resultado e neutraliza a p1 - variante de Manaus. A gente ainda está bem nesse aspecto, mas corremos risco. Por isso temos que insistir no distanciamento. Há 4 mil pessoas mortas por dia e as pessoas acham que é exagero o isolamento. Fala-se em salvar a economia, mas como se faz isso com 4 mil pessoas morrendo por dia?

Sabe quanto custa uma pessoa que vai para uma UTI dessas? O custo médio de intubação por pessoa é de R$ 100 mil. A gente tem 2 mil internações diárias, aproximadamente. Estamos falando de R$ 200 milhões por dia, com pessoas que a metade vai morrer. A cada cinco dias, gastamos R$ 1 bilhão. Será que esse valor de R$ 1 bi investido em auxílio emergencial e compras de vacina não seria melhor para a economia? É uma conta que não fecha. Você mandar a população trabalhar para não morrer de fome é porque as pessoas que incentivam isso não precisam do transporte público lotado. É muito fácil pedir para as pessoas se exporem enquanto você pode ficar em casa. Israel tem 65% da população imunizada e está em lockdown. Será o primeiro a recuperar a economia e não o contrário. Não adianta mandar o povo para a rua querendo salvar a economia porque não vai salvar. Temos um caos funerário, pessoas abrindo covas todo dia. E as pessoas vulgarizaram as mortes, que passaram a ser apenas números. Passa 4 mil mortos na televisão e parece que são só números e não vidas.