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Da Redação
Publicado em 20 de novembro de 2021 às 05:07
- Atualizado há um ano
Na escola, numa roda de conversa, numa mesa de bar e - por que não? - nos livros de história, nos jornais e revistas ou em qualquer outra produção em que aborde questões sobre a História do Brasil, lá estão eles: os mitos. Eles se fundam naquelas certezas quase inabaláveis sobre temas clássicos como ditadura, liberdade, escravidão, abolição, relações entre negros escravizados, fé, religião... E aí mora o perigo.
Mitos como o de que a população negra assistiu apática às mudanças sociopolíticas da ditadura militar; de que a resistência quilombola era essencialmente bélica e masculina; que os negros não tinham protagonismo nem na própria história; e que o Brasil vive, desde sempre, uma democracia racial ajudaram, ao longo dos anos, a sustentar o racismo na sociedade brasileira.
Mas, significa que tudo isso foi inventado? Não, não é que essas histórias não existam, que esses pensamentos e teorias nunca tenham ocorrido a nenhum estudioso ou que sejam apenas fruto de alguma mente criativa. Muitas destas teorias foram defendidas por longos períodos em trabalhos da historiografia tradicional. Mas, eles já começaram a ser revistos e já há novas perspectivas, novos pontos de vista.
Aquela história de que a abolição da escravidão no Brasil aconteceu graças à bondade dos ingleses e que só em 13 de maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea, os negros começaram a ter liberdade já não se sustentam tão facilmente.
Dez destes temas clássicos da História do Brasil foram revisitados pela Rede de HistoriadorXs NegrXs. A seguir, percebam como eles desmontam alguns dos mitos que ajudaram a sustentar o racismo por aqui. Felizmente, essas são histórias que a nova história já conta:
Ditadura Militar A historiografia clássica do tema deixou a impressão de que a população negra brasileira esteve apática e alienada das mudanças sociopolíticas promovidas pelo regime autoritário instaurado pelo golpe de 1964. Contudo, estudos recentes têm demonstrado que os movimentos negros e outras articulações lideradas por indivíduos negros foram parte significativa das ações de resistência à ditadura.
Resistência Quilombola A resistência quilombola foi tradicionalmente narrada desde uma perspectiva bélica e masculina. Nos últimos anos, a historiografia tem reconhecido a importância das mulheres na manutenção dos quilombos, bem como evidenciado como relações econômicas e sociais estabelecidas entre os quilombos e as áreas vizinhas foram centrais para a longevidade de experiências quilombolas.
Museus e histórias negras Os museus naturalizaram narrativas em que o homem branco era protagonista da história do Brasil, enquanto indivíduos e coletividades negras e indígenas, quando mencionados, ficavam reduzidos à subalternidade. Uma renovação historiográfica possibilitou casos de reconfiguração do pensamento nesses espaços, permitindo destacar a centralidade desses grupos na formação social brasileira.
Democracia racial A historiografia tradicional negou a existência do racismo, bem como a possibilidade de analisar historicamente a racialização num país fundado na escravidão de africanos, indígenas e seus descendentes. Porém, a virada historiográfica iniciada nos anos de 1980, marcou o reconhecimento da ação de pessoas negras escravizadas, libertas e livres, incluindo povos indígenas, num cotidiano marcado pela hierarquização racial.
Retorno à África Durante muito tempo, foi dito que os retornos de libertos para a África foram feitos exclusiva- mente contra seus desejos, sobretudo no contexto de repressão que se seguiu à Revolta dos Malês, em 1835. A liberdade entre africanos libertos ficou ainda mais ameaçada. Porém, novas pesquisas mostram que eles também organizaram projetos coletivos de retorno. Propunham outra inserção para si na África e no mundo atlântico, reconexão religiosa e familiar.
Bondade inglesa É verdade que a chave do abolicionismo inglês era a ampliação de mercados consumidores via inserção de libertos? Há vários equívocos aí, a começar por desconsiderar o crescimento das ações rebeldes dos escravizados e libertos e sua participação no consumo de mercadorias. Além disso, combater o tráfico escravista foi o centro do discurso europeu para justificar a ocupação colonial em África na segunda metade do século XIX.
Escravidão indígena A escravização de indígenas foi menos importante que a de africanos. Não é nada disso. Pesquisas históricas comprovam que a escravidão indígena foi um processo duradouro e essencial para a montagem da empresa colonial no Brasil. Em várias regiões do país, essa prática foi contemporânea à escravização de africanos. Juntos, eles criaram formas importantes de resistência como quilombos e mocambos no Nordeste e na Amazônia.
Liberdade negra O Brasil foi o último país a abolir a escravidão. Certo. A liberdade da gente negra foi iniciada em 1888. Errado. Desde o início do século XIX, o Brasil tinha a maior população negra livre e liberta das Américas. Pelo Censo de 1872, para cada 10 pretos e pardos, 6 nasceram livres ou conquistaram alforria. Mas liberdade não significava cidadania. Estudos sobre trajetórias de livres e libertos têm sido centrais para o entendimento do racismo no Brasil.
Famílias negras O costume de dizer que gente escravizada era coisa ou mercadoria apagou imagens de experiências familiares entre escravizados e libertos. Porém, a nova historiografia evidencia redes de solidariedade e afetividades, além de negociações e estratégias para resguardar da opressão escravista formações familiares, sanguíneas ou não. Arranjos familiares negros se dinamizavam diante das novas condições vivenciadas por africanos e seus descendentes no Brasil.
Associativismo negro Aprendemos que a escravidão interditava possibilidades de associação pública entre africanos e seus descendentes, o que praticamente bloqueava nosso interesse por articulações coletivas entre eles para além do cativeiro. Pesquisas sobre clubes e imprensa negra, irmandades, sociedades de apoio mútuo, partidos e sindicatos demonstram que eles criaram caminhos para promover saúde, educação, trabalho, lazer e cidadania.