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Vencedor do Festival de Berlim, Synonymes estreia em Salvador

Longa-metragem narra história de um soldado israelense que foge para Paris

  • D
  • Da Redação

Publicado em 12 de dezembro de 2019 às 06:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Foto: Divulgação

É um cinema do corpo, um corpo em movimento, e de cara o diretor Nadav Lapid mostra o ator Tom Mercier nu, de frente para a câmera. Não se trata de provocação, mas uma forma de reconhecimento. Yoav é judeu e está querendo fugir - de Israel, de si mesmo -, mas a identidade, o pacto do homem judeu com sua religião, está ali, gravada no corpo, para lembrá-lo.

“Eu tinha de sair de Israel, precisava fugir para tentar salvar minha alma. Se tivesse ficado, o nacionalismo beligerante e a hipervirilidade pregada como norma de conduta no exército teriam acabado comigo. A situação não melhorou nem um pouco, e foi levada ao limite com Benjamin Netanyahu. Esses direitistas só conseguem pensar em destruição. O outro não pode existir, tem de ser exterminado para eles. Nunca quis ser uma máquina de matar”, afirmou Nadav em entrevista ao  jornal O Estado de S. Paulo.

Como Nadav, Yoav não reza pela cartilha da violência e foge para a França. De cara, é roubado e fica à deriva. Não para. Está sempre se movendo. Mais que isso - está sempre tenso, como uma fera enjaulada. Mesmo no conforto de sua poltrona, o espectador sente isso. O homem na tela pode estourar a qualquer momento.

“Pensei o filme como um corpo a corpo permanente de Yoav com o mundo, mas também como um confronto do próprio filme com o público, que não se sente confortável. Toda a mise-en-scène foi planejada assim”, explica Nadav. Em Synonymes, Yoav ganha abrigo no casa de um casal, arranja um emprego como segurança. De repente, até por conta da função, envolve-se numa briga. Bate e arrebenta. Voltam as lembranças de Israel - do exército, de uma guerra que ele não quer combater, mas que o persegue. O corpo pode não ser o do próprio Nadav, que recorreu a um ator, mas evoca, permanentemente, o corpo do diretor. Mais que pessoal, é um filme autobiográfico. É tudo verdade.

“Servi no exército, fugi para a França, tive um amigo que me abriu os olhos para a cinefilia. E, sim, eu andava por Paris com aquele dicionário, tentando aprender a língua francesa”. Fugir, para Yoav, significa romper com a própria língua. Daí o título, Sinônimos. O francês, língua de grandes poetas e literatos, abre um mundo de possibilidades - sim ou não?

Radicalismo

Yoav anda muito, mas fechado em si mesmo. Não liga para a família, quase não come. Precisa arrancar do próprio corpo a semente de hipermasculinidade com que foi forjado no exército. O dicionário vira sua bíblia, sua religião. E ele (quase) se transforma num eremita. Passaram-se 20 anos, e agora Nadav consegue lembrar essa fase com distanciamento, até rir dela. “Para Yoav, é como se um demônio habitasse dentro dele, e dentro de cada sílaba de cada palavra em sua língua original. Ao tentar rejeitá-lo, ele corre o risco de suprimir as palavras. Quando jovens, nós radicalizamos com facilidade. Nossas ideias tornam-se concretas. O tempo e a maturidade terminam por nos fazer ver que não é assim, quem sabe adquirimos até um pouco de humor”.

O radicalismo permanece na forma como Nadav conta sua história e penetra a intimidade de Yoav para desarmá-lo. “O filme venceu Berlim em fevereiro. Vieram depois Cannes e Veneza, com Parasita (de Bong Joon-ho) e Coringa (de Todd Phillips). Ouso dizer que, como linguagem, meu filme é o mais radical. Não estou dizendo que é o melhor, você pode até não gostar, mas só consigo entender o cinema como uma aventura extrema, que vai me tirar do conforto e levar não sei aonde. Synonymes não é para ser palatável”.

Nadav reconhece que teve a sorte de encontrar o ator certo. “Fizemos um casting intenso e extenso. Centenas de entrevistas e testes. Quando Tom (Mercier) chegou, era ele. A disponibilidade física, o despudor, a tensão. Quando lhe expliquei o personagem, ele não se assustou. Disse que o entendia. ‘Isso, eu faço’. E fez. É um filme sobre o embate entre corações e mentes. Coloquei nele minha experiência, e meu sentimento. Estou feliz com a repercussão. Synonymes encontrou seu caminho”.

Prestígio e prêmios

Nadav nasceu em Israel, em abril de 1975 - tem 44 anos. Estudou filosofia na Universidade de Tel-Aviv e fez o serviço militar obrigatório. Depois, foi para a França, mas, apesar de todas as tentativas, nunca conseguiu se desvencilhar de sua origem e voltou para casa. Cursou a Escolas de Cinema e TV Sam Spiegel - cujo nome honra o célebre produtor -, em Jerusalém.

Estreou com A Namorada de Emile, em 2006, e, depois disso, colecionou prestígio e prêmios. Policeman, de 2011, ganhou o prêmio especial do júri em Locarno, e The Kindergarten Teacher (literalmente, A Professora do Jardim de Infância) passou com sucesso na Semana da Crítica de Cannes, três anos mais tarde.

Policeman centra-se numa situação extrema com refém e coloca o personagem no centro de outra crise de identidade - e que tem a ver com o idealismo versus o cinismo do mundo contemporâneo. A Professora ganhou uma versão em Hollywood, com Maggie Gyllenhaal, dirigida por Sara Colangelo. A história da professora de jardim de infância que acredita que seu aluno de 4 anos é um pequeno gênio e tenta, de todas as formas, protegê-lo de uma família que não liga para suas capacidades, já carrega a questão da linguagem, tão importante em Synonymes.

Detalhe: os poemas do garotinho do filme foram escritos pelo próprio Nadav, quando criança. Tudo isso agora é história, e ele, cada vez mais seguro, reflete sobre o tipo de cinema que faz. "Não me sinto preso a um estilo de narrar. O que quero é lançar o espectador num turbilhão, oscilando entre vários estilos, mas mantendo a vibração. É o que busco, é o que me interessa no cinema."

SERVIÇO

 Saladearte CineMAM  Sala 1 (leg): 20h35 (exceto segunda)  Saladearte Cine Daten Paseo  Sala 2 (leg): 18h (exceto quinta)