Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Bruno Wendel
Publicado em 28 de janeiro de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
De parças a alemães. Desde o último sábado (25), mensagens trocadas por integrantes do Comando da Paz (CP) estremeceram a relação entre os integrantes que dominam as localidades da Chapada do Rio Vermelho e do Boqueirão, ambas situadas no Complexo do Nordeste de Amaralina.
O motivo é que um dos grupos teria “virado”, ou seja, passado a atuar pelo Bonde do Maluco (BDM), facção arquirrival. Esse estranhamento teria resultado na morte de um traficante da região. Além disso, membros da CP estariam incomodados com a falta de fornecimento de drogas, como maconha e lança-perfume.
O clima de tensão no reduto de uma das maiores facções do estado levou a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) a criar um monitoramento especial no Complexo do Nordeste de Amaralina, após informações sobre uma guerra entre traficantes rivais nos bairros da região.
Segundo a assessoria de comunicação da SSP, os relatos davam conta de que havia vários homens armados nas ruas, com maior concentração na Chapada do Rio Vermelho. Um patrulhamento tático das Rondas Especiais (Rondesp) Atlântico terminou com troca de tiros entre policiais e bandidos, além de armas, drogas e estojos de fuzis apreendidos.
Nessa ação, Rafael Mota dos Santos, 26 anos, foi morto. Inconformados, moradores contaram ao CORREIO que ele era funcionário de um mercado e estava a caminho do trabalho quando foi baleado por PMs. Ele estava fardado e foi atingido a poucos metros de casa. Rafael trabalhava em um mercadinho do bairro (Foto: Reprodução) A morte de Rafael aconteceu no momento em que a Secretaria da Segurança Pública (SSP) passou a monitorar, desde sábado, o Complexo do Nordeste de Amaralina, após informações sobre uma guerra entre traficantes rivais nos bairros da região. Para a SSP, foi morto um suspeito.
Mensagens O CORREIO tomou conhecimento do racha interno do CP no Complexo do Nordeste através de mensagens nas redes socais. Na manhã desta segunda-feira (27), a equipe esteve na 28ª Delegacia (Nordeste de Amaralina), por volta das 9h20 e o delegado titular da unidade, Deraldo Damasceno, ainda não tinha chegado ao local.
Também não havia ninguém no Serviço de Investigação da unidade. Isso porque foi iniciada hoje uma paralisação da categoria, que terá 48h de duração, relativa à PEC 159/2020, que pretende promover uma Reforma da Previdência estadual que, segundo os servidores, vai resultar em "prejuízos históricos" ao funcionalismo público baiano.
Diante do cenário, o CORREIO foi atrás de moradores da região que confirmaram o racha. Segundo eles, o grupo que atua na Chapada do Rio Vermelho, liderado por Galo, agora é BDM – por várias vazes, a arquirrival do CP tentou invadir o complexo, sem sucesso.“Isso é uma afronta. A BDM nunca havia se firmado aqui, porque era expulsa. Agora eles cooptaram o próprio pessoal do CP”, contou um morador.Gerente do tráfico da Chapada, Galo está custodiado no Complexo Penitenciário da Mata Escura há cerca de um ano, mas os traficantes continuam sob suas ordens.
No sábado, a notícia do rompimento com a CP fez com que traficantes do Boqueirão – pelo menos 15 homens armados – fossem à Chapada do Rio Vermelho. “Foram para tirar satisfação e, ao que tudo indica, acabaram matando um da turma de Galo. Desde então está essa tensão”, disse o morador.
Diante da “visita” inesperada, traficantes ligados a Galo enviaram uma mensagem para o grupo do Boqueirão e fizeram reivindicações para não deixarem a CP. Uma delas é a volta do fornecimento de drogas, como maconha e lança-perfume, e a participação mais ativa da Chapada nas decisões da CP, uma vez que, o grupo é sempre o último a ser ouvido.
Nesta segunda (27), entre 9h30 e 10h30, o CORREIO circulou pelos bairros da Santa Cruz, Nordeste de Amaralina e Chapada do Rio Vermelho e não encontrou uma viatura sequer. Já no Vale das Pedrinhas, havia uma equipe policial em uma viatura na entrada do bairro, mas sem os policiais à vista.
Quem são os nomes do tráfico na região do Nordeste de Amaralina? Desde junho de 2018, o fundador da facção Comando da Paz (CP), o traficante Josevaldo Bandeira, o Val Bandeira, está em liberdade. Sua soltura chegou a ser comemorada no local com rojões. Solto após 15 anos, depois de ser condenado por crimes como homicídio, tráfico de drogas e associação ao tráfico, ele ainda controlava, de acordo a polícia, a venda de entorpecentes e mortes de rivais na região do Nordeste de Amaralina – formada pelos bairros do Nordeste de Amaralina, Santa Cruz, Vale das Pedrinhas e Chapada do Rio Vermelho.
Val Bandeira passou por Sessão de Livramento Condicional na 2ª Vara de Execuções Penais, em Sussuarana, em junho de 2018. Após a audiência, comandada pela juíza Maria Angélica Carneiro, ficou decidido que ele seria liberado com o dever de seguir determinações feitas em juízo. Ele recebeu uma liberdade condicional da Justiça. Na ocasião ficou decido que Val teria que arranjar um emprego (ocupação lícita) no prazo de 90 dias, comunicando e comprovando periodicamente à Justiça essa atividade. A juíza também determinou que ele não poderá mudar o território da Comarca do Juízo da Execução sem avisar previamente essa decisão, tampouco mudar de residência sem comunicação prévia - assim, ele deve continuar morando no bairro da Santa Cruz, endereço informado à Justiça. Val Bandeira ficou preso por 15 anos na Mata Escura (Foto: Arquivo CORREIO) A assessoria do Ministério Público Estadual (MP-BA), na ocasião, informou que a promotora Ana Vitória Gouveia, que acompanhou a audiência, contou que Bandeira estava preso há 15 anos e que cumpriu todos os requisitos para receber o benefício da liberdade condicional, não restando contestação à decisão judicial.
O prazo para cumprimento da pena vence em 14 de junho de 2022. Até lá, ele terá de abdicar da vida noturna. Na decisão, a juíza especifica que ele não poderá frequentar bares (casas de bebidas), casas de jogos ou de prostituição, nem festas de largo ou carnavalescas. Também prevê que ele deve estar em casa, todos os dias, até as 22h. Está proibido ainda de andar armado.
Um dos gerentes de Val Bandeira é o traficante Leandro Marques Cerqueira, 36 anos, conhecido como Leandro P, que segue como o líder: fora das grades. Ele é acusado de participação na morte do policial militar Diego Márcio Tavares de Oliveira, 27, baleado na localidade de Boqueirão. No momento do crime, Diego, que era lotado na 26ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Brotas), circulava pelo bairro do Nordeste de Amaralina, onde morava, à paisana. Segundo as investigações, o PM foi reconhecido por traficantes, que atiraram nele e o colocaram dentro de um carro, antes de seguir para a Avenida Paralela. Leandro P, gerente de Val Bandeira (Foto: Divulgação/SSP-BA) O corpo do PM foi encontrado na Rua da Gratidão, ao lado do Colégio Paulo dos Anjos, em Piatã, com 20 perfurações de tiros concentradas na cabeça e nas pernas. De acordo com a polícia, também havia sinais de tortura. Leandro P está em liberdade por conta de uma ordem judicial. Ele havia sido preso no dia 13 de novembro de 2016. Uma viatura da 40ª CIPM (Nordeste de Amaralina) fazia rondas quando avistou um Hyundai HB20 branco (OLE-2620) na Rua Amazonas, na Pituba. A polícia identificou Leandro P, com quem foram encontrados 11 pinos de cocaína e uma quantia não divulgada de dinheiro.
A liderança do CP foi levada para o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), onde foi lavrado o flagrante por tráfico de drogas pelo delegado Reinaldo Mangabeira. Leandro tinha três mandados de prisão em aberto. Em 2012, ele foi detido quando preparava uma fuga para São Paulo. No momento da prisão, realizada em São Caetano, os investigadores apreenderam com Leandro R$ 39.500 em dinheiro, uma caminhonete Fiat Strada e um Palio Adventure, além de cinco celulares e chaves de outros três carros.
Leandro é apontado como o chefe de Marcelo Henrique Menezes dos Santos, o Elias ou Pinto, preso quando era o Ás de Ouro do Baralho do Crime e apontado como gerente do tráfico do Boqueirão. Além disso, Leandro P seria dono de uma frota de seis táxis. Na época, ele negou que ainda fazia parte do tráfico de drogas.
Crueldade e uso de crianças Em 2009, o CORREIO mostrou como funcionava a então denominada facção Comissão da Paz (inicialmente Comando do Boqueirão). O bando era liderado pelo também traficante Cláudio Campanha - que assumiu a organização após a morte de Éberson Souza Santos, Pitty.
Naquele ano, Bandeira foi um dos suspeitos de comandar uma onda de ataques a ônibus e módulos policiais em Salvador, iniciada no dia 7 de Setembro. Segundo a polícia, a revolta dos criminosos foi causada pela transferência de Campanha para um presídio de segurança máxima em Campo Grande (MS). Claudio Campanha, que assumiu o comando da facção após a morte de Pitty (Foto: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO) Na época, segundo a polícia, Bandeira era responsável por liderar a maioria das execuções registradas no Nordeste de Amaralina e região. De acordo com o então comandante da 40ª CIPM, major Gidelmar de Almeida Gualberto, ele agia de forma cruel. “Ele ganhou fama pelo requinte de crueldade com que executa seus desafetos”, afirmou Gualberto, na ocasião, sobre Bandeira.
Também na época, policiais da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes (DTE) destacaram que a linha de frente do CP era formada por jovens ente 15 e 17 anos, que usavam revólveres calibre 38, pistolas ponto 40 e 45 (uso restrito das Forças Armadas), rifles, metralhadoras ponto 45, submetralhadoras 9mm, carabina (espingarda) calibre 12, bananas de dinamite e até fuzil 762. O crack e a cocaína eram as drogas mais vendidas na região, segundo agentes da DTE que mapeiam o tráfico da região. Segundo eles, o comércio de entorpecentes rendeu cerca de R$ 50 mil por mês aos traficantes ligados a Val Bandeira.
Uma das estratégias da quadrilha, ainda conforme os policiais, era recrutar crianças e adolescentes. Primeiro, porque eles respeitam mais a hierarquia da comunidade, e também por ser mais difícil mantê-los detidos. Eles também eram utilizados como olheiros, avisando sobre a presença da polícia nas comunidades dominadas pela quadrilha. Outros eram usados para despistar policiais durante abordagens na favela. Os chamados “vapor” corriam em direção contrária, atraindo os policiais para longe das bocas de fumo.