Treta no Santo Antônio: sem acordo com moradores, bloco Harém pode não desfilar

Reunião em igreja terminou sem decisão sobre impasse da realização de festas no bairro

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  • Fernanda Santana

Publicado em 23 de janeiro de 2019 às 07:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Fernanda Lima/CORREIO

No pátio da Igreja de Santo Antônio Além do Carmo, na noite desta terça-feira (22), a pergunta: "O que vamos decidir pelo bairro?". De um lado, moradores. Do outro, empresários e órgãos ligados à Prefeitura de Salvador. Nos dois, nenhuma decisão.

As três horas da reunião organizada para discutir e prever ações no contexto de popularização do bairro transcorreram sem nenhuma deliberação. Já chegava ao final quando um dos organizadores do bloco Santo Antônio Harém do Carmo, alvo de polêmicas ao decidir fazer um desfile de fanfarras na região, avisou: “Estamos dispostos a deixar de desfilar”. Ainda assim, nada conclusivo. E começa mais um capítulo de incertezas sobre o bairro.

Pouco a pouco, os moradores começaram a deixar o ponto de encontro nada tradicional para uma reunião de vizinhos. “Ou decide alguma coisa ou não decide, fica nesse papinho”, reclamou Kátia Lustosa, 57 – todos vividos no Santo Antônio.

Os moradores, pelo menos 50, chegaram ao local a partir das 19h já incertos de que sairiam dali com alguma resposta. Muito menos os representantes da Diretoria do Centro Antigo, Eliana Pedrosa, e o presidente do Conselho Municipal de Carnaval (Comcar), Pedro Costa, se apegavam a alguma certeza. “É produtivo que se saia daqui com algum pedido, pelo menos”, pediu Eliana, numa das vezes em que a conversa escapava ao objetivo inicial.Os moradores respondiam ou com muxoxos ou com aprovações. Mas, sempre, com discordâncias entre si. Por isso, quando Guiga Sampaio, um dos responsáveis pela Diva Produções que organiza o bloco Santo Antônio Harém do Carmo, levantou a possibilidade de não desfilar no dia 23 de fevereiro no bairro, nenhum sinal de consenso pairou sobre a igreja.

Foi como o padre Ronaldo Magalhães, pároco da igreja, fez questão de frisar ao CORREIO, ao encontrar a reportagem, pouco depois das 22h. “Eu não disse que seria assim? São muitas opiniões diversas, é natural”, afirmou.

Em reportagem publicada pelo CORREIO no último domingo (19), foi mostrado justamente como o Santo Antônio havia se tornado o centro de disputas deste verão.

Foram apenas duas propostas apresentadas: a do produtor e a de um morador, que acrescentou à lista a determinação de horário para fim dos eventos, apoio de segurança e limpeza. “Mas isso já não é obrigação?”, questionou outro.

Novamente, nenhuma regra específica fixada. “O que a gente pede é que seja decidido o quanto antes para que possamos saber como será o evento”, afirmou Guiga.

Até segunda ordem, o Santo Antônio Harém do Carmo começará com concentração, seguirá com fanfarra pelo bairro e terminará com festa privada na Chácara do Baluarte. 

Um grupo de organizadores do bloco De Hoje a 8  - um dos mais tradicionais do bairro e ameaça não desfilar no mesmo dia do Harém - falou aos moradores: “Estamos aqui enquanto corpo coletivo. Emitimos nota sobre nossa possível saída [do Carnaval], que nada tem a ver com a Harém. Nosso carnaval é livre, sem cordas, sem padrão [...] Esse bairro se tornará um circuito? Precisamos entender. A presença do Harém aqui mostra que esse lugar pode se tornar um circuito”, afirmaram.

O Santo Antônio não é considerado oficialmente um circuito de Carnaval. Para isso, inicialmente, um projeto deveria ser submetido ao Comcar. O mais próximo dali é o Circuito Batatinha, formalizado em 1995. 

O cantor e compositor Juraci Tavares, morador do Santo Antônio há 35 anos, ironizou, a essa altura: “Não dá para pedir para o Santo Antônio tirar o pé do chão... Ele não aguenta. Não precisa ficar dizendo o que a gente [o bairro] é”. O tempo de moradia no bairro, inclusive, foi adotado como critério de relevância das opiniões entre os mais antigos. “Oxe, eu nunca nem vi essa pessoa aqui. Chegou outro dia e já tá achando que é dona é?”, reclamou a artesã Kátia Lustosa ao ver um rapaz ficar á frente da discussão.

Mesmo sem nenhuma decisão, não há nenhum novo encontro programado. “Agora, eles [moradores] que se reúnam. Daí, nos convocam”, declarou Eliana Pedrosa.

A Prefeitura de Salvador decidiu intervir, como noticiou a Satélite após publicação da matéria de domingo, nas festas já autorizadas ou com pedido de análise no bairro. Pretende, com isso, apaziguar o conflito entre moradores, produtores e poder público. Conflito carregado de muitas certezas quase sempre não compartilhadas.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier