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Vinicius Nascimento
Publicado em 12 de agosto de 2022 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
A inquietação da artista Tina Melo entrou na academia e, mais do que isso, saiu dela em forma de ações para mudar uma situação que a angustiava. Filha de Cachoeira, a pesquisadora não entendia o motivo de haver tão pouca visibilidade para tantos artistas negros em seu entorno e decidiu pesquisar sobre a invisibilização desses profissionais.
Assim nasceu o projeto Traço Negro, que agora vai virar documentário, livro e uma exposição online a partir de sábado (13), valorizando a história e trabalho de 17 artistas visuais, negras e negros, de Cachoeira e São Félix.
Todos os três produtos estarão disponíveis no site www.traconegro.com. Às 16h, um evento virtual vai juntar artistas e equipe técnica do projeto, além de fazer a primeira exibição do filme e realizar uma visita guiada à galeria virtual.
O projeto nasceu após a pesquisa de mestrado em História da África, Diáspora e dos Povos Indígenas iniciada por Tina em 2014 na Universidade Federal do Recôncavo - Ufrb. No seu trabalho, ela investigou tanto estratégias de invisibilização de artistas de Cachoeira e São Félix quanto apresentou possibilidades de afirmação dessas histórias de vida e de produção.
“Por ser filha de Cachoeira, sabia que essa produção estava ali o tempo todo. Me chamava atenção ao observar em livros de história da arte o jeito como a arte negra é colocada. Os principais registros vão mencionar muito poucos artistas negros. Isso me despertava curiosidade em saber como era possivel não falar dessa produção”, afirma Tina.
Ela também estudou quais eram as ferramentas e discursos para colocar essas produções em segundo plano. Segundo a pesquisadora, as narrativas racistas costumam diminuir esses projetos, negativando termos como primitivo e artesanal, tentando desqualificar essa produção para não dar esse status de arte e justificar a exclusão.
“Quando a gente observa os trabalhos, são criações contemporâneas, bebendo do tradicional, mas com um diálogo atual e que mesmo assim seguem fora dos registros. As próprias pessoas da cidade, pela noção europeia do artista e de Belas Artes, não reconhecem os trabalhos”, pontua.
O livro, o documentário e a exposição mergulham na trajetória desses homens e mulheres. A ideia é que cada produto do projeto possa apresentar um aspecto diferente da trajetória de vida e da arte dessas pessoas, de maneira poética e afirmativa.
O livro ficará disponível para download gratuito por tempo indeterminado, e traz perfis biográficos de cada artista. Já o documentário fica disponível no YouTube e site do projeto até o dia 20 de agosto, trazendo depoimentos dos personagens em primeira pessoa, com traços, caminhos e memórias de cada artista.
Falando neles, a lista de artistas que compõe o Traço Negro é formada por Aletícia Bertosa, Áydano Jr., Billy Oliveira, Biro, Diego Araújo, Deisiane Barbosa, Florisvaldo Ribeiro (Flor do Barro), Carlos Alberto do Nascimento (Fory), Gilberto Filho, Renato Kiguera, Celestino Gama (Louco Filho), Almir Oliveira (Mimo) e seu filho Ronald Oliveira, Eraldo Souza Jr. (Pirulito), Rita de Cássia, Jonilson Rodrigues (Sininho) e a própria Tina Melo. 17 artistas negros do Recôncavo contam suas histórias no projeto Traço Negro (Foto e arte: Divulgação) Durante a elaboração do projeto, um outro artista que faz parte da iniciativa morreu: o escultor J. Cardoso, o Doidão, de Cachoeira. Uma homenagem a seu trabalho está presente no projeto. A ‘última etapa’ do projeto é a exposição virtual Outras Histórias das Margens do Rio. Criada na plataforma Art Steps, essa etapa foi pensada para oferecer uma imersão on-line no Traço Negro e também fica disponível no site por tempo indeterminado.
Para a artista Deisiane Barbosa, um projeto como o traço negro é importante para descolonizar a ideia de arte e é muito forte justamente por ser feita por uma pessoa do Recôncavo e pensada para artistas do Recôncavo. É dessa maneira que a própria Tina quer seguir nos próximos passos do projeto, que garante não ter fim nesta edição.
A ideia da artista é ampliar o Traço Negro para mais cidades, conhecendo novas narrativas e dando opções de visibilidade e escoamento do trabalho de outros tantos artistas espalhados pelo interior da Bahia.