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Terreiro Ilê Oba L'Okê é reconhecido como patrimônio de Lauro de Freitas

Cerimônia de tombamento aconteceu nesta quinta, 10

  • Foto do(a) author(a) Vinicius Nascimento
  • Vinicius Nascimento

Publicado em 11 de junho de 2021 às 06:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Cultura, educação, memória e religiosidade. Localizado em Villas do Atlântico, Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), o terreiro Ilê Obá L'Okê causa impacto logo na chegada. Tudo na casa é grande e intenso. O destaque ê o poste central erguido em homenagem a Xangô: são 7,5 metros de escultura. O orixá está no topo, sustentado por Yemanjá, Iansã, Oxum e Obá – a mãe e as três esposas do rei. Nos demais espaços, um acervo arquitetônico fabuloso e obras em homenagem a Yemanjá, Exu, Oyá e outros deuses do panteão africano.

O Ilê Obá L'Okê (Casa do Rei e Senhor das Alturas) foi reconhecido ontem como Patrimônio Histórico e Cultural de Origem Africana e Afro-Brasileira de Lauro de Freitas, em uma cerimônia com cerca de 30 pessoas e participação de representantes do terreiro como o babalorixá Vilson Caetano, a secretária de Cultura do Estado, Arany Santana; o vice-prefeito de Lauro de Freitas, Dr. Vidigal; o assessor especial da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) Ailton Ferreira e o vereador de Lauro de Freitas Almir Santos, autor do Projeto de Lei nº 1.939/21, que deu o título ao terreiro.

Leia mais sobre o Terreiro Ilê Oba L'Okê

Segundo Vilson Caetano, esse reconhecimento é o pontapé inicial para uma série de ações almejadas pela casa, que tem 15 anos. "A partir daqui queremos catalogar todo o acervo arquitetônico, que tem esculturas, pinturas, utensílios de cozinha e o próprio espaço em si. Esse reconhecimento é importante para que outros terreiros também sejam reconhecidos, visibilizados e patrimonializados ", disse o babalorixá.

Pai Vilson Caetano acredita que o título, num primeiro momento, oferece visibilidade tanto ao terreiro quanto a outras casas de candomblé que podem se sentir representadas. O babalorixá, que também é antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), afirma que o título é um passo importante na luta contra a intolerância religiosa."Lauro de Freitas tem pouco mais de 400 terreiros e somos somente o 4º a ter esse tipo de reconhecimento. A nível municipal, essa é a primeira vez. Ter esse reconhecimento abre portas para que mais casas também tenham e isso faz parte da luta contra a intolerância religiosa e o racismo", afirmou. Babalorixã Vilson Caetano na cerimônia de reconhecimento do terreiro (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Memória preservada

Para o babalorixá, a patrimonialização também ajuda em outras conquistas. "O que queremos de fato é oficializar a casa como espaço de memória. Aqui se tornará o Espaço de Memória das Comunidades e Povos Tradicionais e de Terreiros", explicou. 

O projeto quer dar visibilidade a materiais que existem dentro da casa e não são de acesso público. Para isso, a ideia é organizar e catalogar todo o acervo arquitetônico, de indumentária e patrimonial do terreiro para expor.

A beleza e impacto causados pelos espaços do Ilê Obá L'Okê são propositais, acrescenta Rodrigo Siqueira, artista plástico responsável por quase todo o acervo do terreiro.  "Temos outras diversas vertentes e religiões admiradas por sua beleza, sua estética. Queríamos mostrar que um terreiro de candomblé também pode ser uma casa bonita, aberta e admirada. Toda vez que uma pessoa entra aqui, vê todo esse material e sente um impacto, temos um pouco da nossa missão cumprida". Mãe Dete de Obaluaiyê dirige a casa com Pai Vilson (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Herança ancestral

Leonel Monteiro, presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro- Ameríndia (AFA), afirma que a conversão do terreiro em Patrimônio Histórico e Cultural de Origem Africana e Afro-Brasileira é fundamental para manter o espaço e o que há nele para a posteridade."Preservar esses espaços sagrados significa permitir a continuidade, a perpetuação da tradição. Historicamente, os terreiros sofrem todo tipo de problemas para se manterem de pé. Seja por conta da intolerância religiosa, da especulação imobiliária, da insegurança jurídica sob o seu terreno que, normalmente, é antigo. A transformação em patrimônio cultural o protege de qualquer um desses problemas", enumera.Monteiro disse ainda que, neste caso, a patrimonialização é feita pela tradição do local e dos ítens de valor histórico ali presentes. "No caso do Obá L'Okê, além dele ter ali a continuidade da tradição de Bamboxê Obitikô, porque o babarolixá Vilson Caetano vem dessa raiz, existe um conjunto de obras de arte do artista plástico Rodrigo Siqueira no espaço, que merece essa proteção para preservar a tradição e esse conjunto de obras únicas", concluiu.

Assessor especial da Sepromi, Ailton Ferreira afirma que momentos como o da cerimônia de tombamento do terreiro são ainda mais importantes no atual contexto de Brasil. "Estamos enfrentando uma doença grave e além disso vivemos ameaças e desrespeitos aos direitos humanos. Mesmo assim, essa casa se firma enquanto patrimônio cultural, representando todos os terreiros da cidade. Aqui temos uma casa do amor e do diálogo inter-religioso, algo que vai além da tolerância, é respeito mesmo".

Secretária de Cultura do Estado, Arany Santana classifica a patrimonialização como um ato de coragem da cidade. "Este é um espaço sagrado, mas também é um espaço de memória, história, aprendizado e os terreiros de candomblé sempre foram ao longo do tempo um espaço social, educacional. Aqui está a memória e história do povo que construiu esta nação".

História

O Ilê Obá L´Okê (Casa do Rei e Senhor das Alturas) foi criada em 2002 e desde 2004 está em Lauro de Freitas. A partir de 2011, o artista plástico Rodrigo Siqueira começou a dar a forma arquitetônica e artística que a casa possui atualmente.

O templo regido pelo orixá Oxaguiã, o Oxalá jovem e guerreiro, inaugurou a sua fachada e o seu barracão em um processo conduzido a partir da escuta dos orixás. Primeiro foi construída a casa de Exu, depois a casa de Odé (Oxóssi), onde estão assentados também Ogum e Oyá.

Rodrigo relembra que durante um caruru para Iansã em dezembro de 2013, a orixá de Mãe Valdelice, irmã de Mãe Dete de Obaluaiyê (Iyá Egbé que dirige a casa com pai Vilson), não se contentou em ficar sentada comendo e rezando: foi para o jardim e dançou um Ilu.

"Naquele tempo, já fazíamos algumas coisas na varanda, mas Oyá estava mostrando o lugar onde os orixás queriam dançar. Entendemos que ela pedia um barracão", lembra Rodrigo, que é Axogum e faz parte do conselho religioso da casa. Sorrindo, ele recorda que o local estava programado para a construção de uma piscina, "mas desejo de orixá é ordem".

O título de Patrimônio Histórico e Cultural de Origem Africana e Afro-Brasileira de Lauro de Freitas não é o primeiro do terreiro. Antes, a Comunidade já havia sido declarada como Utilidade Pública Municipal, também em Lauro, pela Lei 1.577 de 28 de setembro de 2015. Já em 2019, a Lei 14.148 de 29 de setembro declarou de Utilidade Pública Estadual.