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Hilza Cordeiro
Publicado em 13 de junho de 2020 às 10:13
- Atualizado há 2 anos
Tiros, cercas derrubadas e destruição de símbolos sagrados. O centenário Terreiro Ilê Axé Ici Mimó, em Cachoeira, no Recôncavo, sofreu um novo ataque e ameaça na manhã nesta terça-feira (9), conforme denuncia o babalorixá da casa, Antônio Santos, o Pai Duda de Candola.>
Em vídeo nas redes sociais, ele contou que homens armados invadiram o terreiro, quebraram um assentamento sagrado dedicado ao orixá Exu e arrancaram as estacas que demarcam a área de 22 hectares do templo de candomblé.>
Para o terreiro, os responsáveis pelo ataque fazem parte da empresa Penha Papéis e Embalagens, que tem sede na cidade de Santo Amaro da Purificação, localizada ao lado de Cachoeira. O Grupo Penha nega ter participação no ato.>
A contenda entre o terreiro e a empresa é antiga. No início do ano passado, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) emitiu uma recomendação para que o grupo Penha parasse de invadir o terreno do Ici Mimó. O espaço só foi tombado emergencialmente em 13 de maio deste ano pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).>
Deste histórico de conflito, essa foi a invasão mais agressiva na avaliação do babalorixá da casa.“Chegaram com os nervos à flor da pele, deram tiro para cima, cortaram os arames da cerca, quebraram assentamentos centenários. Além de ter o sentimento religioso ferido, a gente perdeu ferramentas de Exu. Com a retirada da cerca, eles deram acesso a pessoas que não são da comunidade religiosa, acesso para animais pastarem e agora nossas folhas sagradas, nossas nascentes estão sem proteção”, descreve Pai Duda de Candola. [[galeria]]>
Reconhecido como patrimônio imaterial pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (Ipac), em 2015, o terreiro foi fundado por Mãe Judith Ferreira Sacramento, que em 1913 comprou o terreno das mãos da Companhia União Fabril da Bahia. “Naquela época, a religião de matriz africana era muito perseguida e a gente tinha muito menos apoio do que tem hoje, invadiam tudo, perdemos terras”, conta.>
Ainda segundo o babalorixá, plantações clandestinas de bambu têm sido feitas na região do terreiro, o que também se configura como uma ameaça ao templo, pois os bambuzais são incendiados propositalmente com frequência. Pai Duda conta que o fogaréu avança sobre os assentamentos sagrados. Ele acrescenta ainda que a empresa alega que adquiriu o terreno em 2005, mas o terreiro garante que tem a escritura da área e nunca a vendeu. O espaço é mantido pela Associação Seguidores de São Gerônimo.>
Em nota, a superintendência do Iphan na Bahia informou que tomou conhecimento do fato e já encaminhou ao Ministério Público Federal um pedido de investigação. Os responsáveis pelo terreiro também foram orientados pelo órgão a procurar a Defensoria Pública da União (DPU). O Iphan justificou que o tombamento provisório emergencial feito em maio deste ano foi justamente com o objetivo de preservar o lugar, que é referência cultural para a religião de matriz africana.>
Ao CORREIO, o Ipac afirmou que também acionou o Ministério Público Federal e a Polícia Civil da região, bem como a Prefeitura Municipal de Cachoeira. “Toda atitude de intimidação, comungada por ação criminosa e de viés racista e de intolerância religiosa, deve ser fortemente desamparada pela impunidade. Nos solidarizamos com nossos irmãos e, como órgão de proteção ao bem, tomamos as atitudes cabíveis ao ato”, explicou o diretor geral do Ipac, João Carlos de Oliveira.>
Procurada, a empresa não respondeu aos questionamentos. Ao G1 Bahia, o Grupo Penha Papéis e Embalagens enviou a seguinte nota, reproduzida na íntegra:>
O Grupo Penha detém terras na região de Cachoeira (BA) desde o ano de 2005, data em que adquiriu a antiga IPB – Indústria de Papéis da Bahia, a qual mantinha florestas de bambu na região desde a década de 70. Na oportunidade, o processo de aquisição da fábrica e seus respectivos bens acessórios ocorreram com o amparo da lei e reconhecidos com escritura registrada em cartório.>
As terras mencionadas pelo Terreiro Icimimó são de propriedade de nossa empresa, que através de um acordo com o Ministério Público realizado em 07/03/2019, ficou autorizado que a instituição religiosa usufruísse de um lote devidamente demarcado com metragem acolhida pelo Ministério Público e, também, pelo Pai Duda, que esteve presente no dia da audiência, sob a condição de que eles respeitassem esta demarcação, vez que ali a empresa cultiva bambu para gerar energia renovável para alimentação de suas caldeiras. Entretanto, o referido terreiro quebrou o acordo inicialmente firmado e instalou cercas em nosso perímetro.>
Diante desta situação de esbulho da área, foi peticionado junto ao Ministério Público o fato, bem como lavrado Boletim de Ocorrência para preservação das propriedades do Grupo Penha. A referida cerca teve seus marcos alterados ilegalmente pelo terreiro.>
As denúncias de uso de violência, intolerância religiosa ou qualquer acusação de ordem segregatista são evidentemente falsas. Somos um grupo empresarial idôneo que atua há quase 60 (sessenta) anos no mercado e agimos de forma responsável com as comunidades em que nossas plantas estão instaladas e com a sociedade como um todo.>
Só no Estado da Bahia empregamos mais de 1mil profissionais diretos e cerca de 3mil indiretos. Valorizamos o respeito e repudiamos toda e qualquer atitude que fere à diversidade cultural, religiosa e ideológica e, essas premissas, são refletidas em nosso Código de Conduta, valores, esses, supremos para a companhia. Lamentamos a atitude irresponsável do TERREIRO ICIMIMÓ por proferir inverdades sobre o acontecimento dos fatos e, reiteramos, que, todas as nossas ações estão amparadas pelo Poder Judiciário.>
O Departamento Jurídico do Grupo Penha já está tomando todas as medidas legais cabíveis para resguardar os direitos de nossa propriedade>
Atenciosamente>
Direção Grupo Penha>