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Laura Fernades
Publicado em 27 de agosto de 2021 às 05:45
- Atualizado há 2 anos
Quem passa na frente do Solar da Quinta do Tanque talvez não saiba que existe um tesouro guardado no imóvel que é a atual sede do Arquivo Público da Bahia (Apeb): são 40 milhões de documentos e séculos de história em um só espaço. Se alguém ainda não sabe, o SSA Mapping não deixa passar despercebido. Com projeções na fachada, shows, palestra, videoaulas e bate-papo, o evento literalmente joga luz sobre o assunto.
Maior festival de vídeo mapping da Bahia, o evento acontece de forma virtual e gratuita até o domingo (29), com exibição no canal do YouTube (/ssamapping). Desde a primeira edição, o objetivo do SSA Mapping é levar as pessoas para a rua e ocupar a história de Salvador. Mas essa terceira edição será diferente: não adianta ir até lá para assistir, mesmo que de longe. Já está tudo gravado e o motivo é simples: evitar aglomeração.
“Foi uma preocupação com o momento. Por conta da pandemia, da impossibilidade de ter público – o que para nós é uma grande pena –, a gente escolheu um lugar que fosse fisicamente fechado, para não aglomerar de jeito nenhum”, destaca a produtora e uma das idealizadoras do festival, Lívia Cunha, 35 anos, que também assina a direção de programação artística e de comunicação do evento.
A ideia, explica, era escolher um espaço onde não só a arquitetura tivesse história, mas o conteúdo interno também. “É uma forma de divulgar o que está lá dentro”, completa. Além disso, o Solar foi escolhido por conta do desafio técnico, acrescenta o produtor e diretor técnico, Zé Enrique Iglesias. Pela primeira vez, as projeções não serão só frontais, mas também laterais para abarcar todo o imóvel em formato de ‘U’.
A programação é toda inspirada nas insurgências e revoltas encontradas no acervo. Entre elas, a Conjuração Baiana (Revolta dos Alfaiates - sec. XVIII), a Revolta dos Malês (1835), a Greve Negra de 1857 e o Quebra Bondes de 1930. “Nossa história tem muita insurgência dos povos oprimidos, então usamos o prédio e o acervo para trazer essas memórias invisibilizadas e provocar um movimento dentro de casa”, explica Lívia. Terceira edição do SSA Mapping faz projeções no Arquivo Público da Bahia (Foto: Cairé Tonelli/Divulgação) Manuscritos Erguido pelos jesuítas no século XVI e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Solar da Quinta do Tanque abriga o Arquivo Público desde 1980. Em termos de volume, o acervo corresponde a aproximadamente 41 milhões de documentos que estão preservados desde o século XVI, destaca a diretora do Apeb e professora de arquivologia da Ufba, Teresa Matos.
“O Apeb é singular. Ele se distingue dos demais arquivos públicos do Brasil em razão de custodiar um acervo de manuscritos impressos originais produzidos e recebidos quando Salvador era a capital político-administrativa do Brasil, durante 214 anos”, ressalta. Além disso, o Solar “se constitui em um imóvel com notável mérito arquitetônico, considerado um dos monumentos civis mais importantes do Brasil Colonial”, completa.
A história é extensa, mas um rápido passeio mostra que durante 207 anos a Quinta pertenceu aos jesuítas. Foi adaptada às funções de hospital, no século XVIII – o Hospital dos Lázaros –, virou asilo de mendicidade e funcionou por 151 anos como leprosário. Foi mantida com base no trabalho escravo dos séculos XVII ao XIX, e abandonada entre as décadas de 1950 e 1970, conta Teresa.
Memória A restauração veio a partir de 1977 e o governo direcionou o prédio para abrigar o Apeb. “O arquivo tem quatro conjuntos documentais nominados como Memória do Mundo pela Unesco. Entre eles, os registros de entrada de passageiros no Porto de Salvador, do período de 1855 a 1964, que muitas pessoas procuram para pleitos de duplas cidadanias”, destaca a diretora do Apeb.
Além disso, o acervo abriga as Cartas Régias do período de 1648 a 1821, “documentação de interesse de países ibero-americanos, um patrimônio arquivístico comum para Brasil, Portugal e Espanha”, enaltece Teresa. “O terceiro Festival SSA Mapping construiu de forma significativa e importante a valorização cultural do Solar da Quinta, bem como a visibilidade do Arquivo Público e os documentos custodiados”, elogia.
E é a partir de uma “viagem tecnológica tropicalista sobre estar no Arquivo Público” que o VJ Gabiru participa do evento, com projeções sábado (28) e domingo (29), a partir das 19h30. “Ali estão os principais arquivos da nossa memória histórica da Bahia”, destaca. “Nesse tempo de pós-verdades, me pareceu muito apropriado estar no Arquivo Público falando que a memória é uma ilha de edição”, diz.
A partir de uma perspectiva antropofágica, Gabiru participa da mostra principal ao lado de MotionLab, Carol Santana e VJ Grazzi. Presente desde a primeira edição, Gabiru afirma que “não existe futuro possível se a gente não estiver atento ao passado, àquilo que nos compõe”. “Temos que ter o exercício de entender o que nos forma. Para nós, lidar com o Arquivo Público é revisitar nossa história”, conclui.
Serviço O quê: Festival SSA Mapping 2021 Quando: até domingo (29) Transmissão: YouTube SSA Mapping (youtube/ssamapping) Gratuito
Projeções e shows Sábado (28) e domingo (29), a partir das 19h30:
Mostra Principal: VJ Gabiru, MotionLab e Carol Santana + VJ Grazzi Mostra Especial: Coletivo Multimanas e Weber Bagetti Mostra Especial Internacional (parceria com o Consulado Geral da República Federal da Alemanha em Recife): Ruestungsschmie.de e Philipp Geist Mostra Aberta: 41 artistas (Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Ceará, Mato Grosso, Pará, Minas Gerais e o Distrito Federal + Tailândia, Itália, França, Espanha e Colômbia) Interação Música-Imagem: Yan Cloud e Coletivo Bonke Music + Muviu Estúdio Criativo e Bruno Zambelli Nara Couto + Lê Pantoja