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Thais Borges
Publicado em 10 de março de 2019 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
Com os termômetros batendo na casa dos 40°C, em Feira de Santana, a ordem é chegar cedo: no Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, a jovem Alana Duarte, 15 anos, quer garantir um dos lugares perto da porta. Já em Salvador, a estudante Beatriz Santos, 14, do Colégio Municipal Cidade de Jequié, na Federação, tenta ficar perto da janela.
Na sala do 8º ano do Colégio Estadual Evaristo da Veiga, na Avenida Anita Garibaldi, tem até disputa: o “revezamento” é para ficar perto dos ventiladores de teto. Podia ser uma corrida para sentar mais perto do quadro, mas, com um calor que chega a níveis quase insuportáveis, a prioridade de muitos estudantes é conseguir encontrar um lugar mais confortável para assistir a aula.
Seja na rede municipal, seja na rede estadual, a queixa é uma só: o calor não dá trégua. Como ar-condicionado é item raro nas escolas públicas, o jeito é apelar para saídas assim – ou até fazer de leque as folhas do caderno. No Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, em Feira, as aulas tiveram que ser encerradas mais cedo em um dos dias do final de fevereiro, no turno vespertino.
As aulas, que seguiriam até por volta das 17h, acabaram às 15h30. O calor, para alunos e professores, tornou a permanência em sala insustentável. Na comunidade acadêmica, apareceu até bordão de protesto: “não às saunas de aula”.
Ninguém sabe dizer quem começou, mas a expressão caiu na boca de alunos e até de professores. “Só sei que pegou”, diz a estudante Alana Duarte, que cursa o 1º ano do Ensino Médio no turno matutino na instituição. Na sala dela, há três ventiladores para 42 alunos. No entanto, de tempos em tempos, algum dos equipamentos dá problema. “Hoje mesmo, um quebrou e a gente estava morrendo de calor. Tivemos que abrir a porta da sala para sobreviver”, conta.Para amenizar, ela é uma das adeptas do ‘leque’ improvisado. Também são constantes, entre os alunos, os pedidos para sair da sala e beber água. Alguns já trazem garrafas – cheias de gelo – de casa.
“É difícil prestar atenção. A pessoa fica falando e a gente se abanando, não tem aquela concentração. Pior que não é um exagero. É quente, é uma sauna. A gente reclama do calor, toda hora um quer sair e é sempre aquela confusão. A gente tenta controlar, ainda mais eu, que sou líder de sala. Peço para o povo ficar quieto, mas é difícil”, admite.
Concreto O diretor do colégio, Edvan Pedreira, explicou que, ainda que todas as escolas estejam sofrendo com as altas temperaturas, a própria estrutura da instituição contribui para aumentar a sensação de calor. “A escola é toda de concreto. Mesmo com ventiladores, alunos e professores estão sofrendo, principalmente no turno da tarde”.
Lá, os cerca de 2,2 mil estudantes podem usar bermudas para assistir às aulas, mas isso não tem reduzido as reclamações. “A gente protocolou a reivindicação na subsecretaria, mas a situação deveria ser solucionada com a mudança de temperatura”.
No Colégio Estadual Assis Chateaubriand, em Feira, as salas também não têm ar-condicionado. De acordo com a vice-diretora, Leisliane Costa, antes de instalar os equipamentos, seria necessário mudar a rede elétrica da instituição, que é muito antiga.
Com cerca de 3,7 mil alunos nos três turnos, a escola conta com 39 salas. No entanto, as que ficam do lado esquerdo costumam ser bem ventiladas do que as do que ficam no sentido oposto, em qualquer horário do dia. Nessas, a escola chegou a instalar um papel bloqueador da luz nas janelas.
“Além disso, à tarde, temos algumas salas ociosas. Por isso, remanejamos algumas turmas, onde vimos que o sol estava batendo mais forte”. Para facilitar a hidratação dos alunos, a água filtrada dos bebedouros também é colocada em um freezer.
Mesmo assim, o número de alunos que têm passado mal devido ao calor é alto.“Ontem mesmo, logo no início da manhã, tive entre quatro e seis meninos que tiveram que ser liberados porque estavam passando mal. Na semana passada, teve um dia que a sensação térmica deve ter chegado aos 45°C. Tivemos que liberar o turno da tarde mais cedo, porque ficou impraticável”, diz a vice-diretora. Até o cardápio da merenda tem sido repensado. Embora sejam a preferência dos alunos, comidas quentes, como o cuscuz, têm sido evitadas. “Temos feito muito suco, porque a alimentação deles ainda é muito complicada”.
Estratégias Em Salvador, as estratégias fazem parte da rotina dos alunos. No Colégio Municipal Cidade de Jequié, na Federação, a melhor saída, para a estudante Beatriz Santos, 14, é ficar perto da janela. Os três ventiladores para a sala de 35 alunos não têm sido suficientes, nessa época do ano. Na escola, algumas salas têm ar-condicionado. Beatriz tenta sentar sempre perto da janela (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) “Mas a minha não tem. Todo intervalo, vou para a sala vizinha, que tem ar-condicionado, para me refrescar”, diz. Colega dela, a estudante Mirela Nascimento, 15, explica que o problema é que, dos três ventiladores, dois não ‘giram’. O terceiro faz muito barulho.
Assim, precisam escolher entre duas alternativas difíceis: o calor ou o barulho na aula. “Não dá para ouvir os professores. Tem uma professora, a de inglês, que precisa falar muito alto para a gente entender. Fora que a gente fica se abanando. É difícil”, diz.
Por isso que, no Colégio Estadual Evaristo da Veiga, alunos fazem até “revezamento” para ficar mais perto do ventilador. O estudante Vitor Hugo Oliveira, 14, do 8º ano, é um dos que chega cedo para conseguir os melhores lugares. “Tem dias que consigo, tem dias que não. Hoje mesmo, vim de bermuda para facilitar, porque a situação é precária”. Kaiane, David e Vitor também adotam estratégias para não prejudicar o rendimento (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) No 9º ano, o estudante David Yan, 20, passa pela mesma dificuldade. “A gente acaba pedindo mais para sair para beber água, porque a gente precisa se hidratar”, admite. Com um resfriado, a estudante Kailane Rocha, 14, era a única vestindo um casaco no colégio. “Estou doente, então sinto um pouco de frio, mas sempre sinto muito calor”.
Reclamações O coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado (APLB-Sindicato), Rui Oliveira, afirmou que o conforto térmico dos estudantes e professores estará na pauta das próximas reuniões com as administrações estadual e municipal. Segundo ele, nas últimas semanas, devido ao aumento da temperatura, o número de queixas que chega à entidade sobre o assunto aumentou. “Não vamos esperar que alguém morra de desidratação para fazer isso. Vamos esperar morrer um aluno ou aluna da rede? A gente tem que atuar de forma preventiva”, pondera.Ainda de acordo com ele, o calor nas salas prejudica o rendimento dos alunos. “A questão do calor passou a ser problema de saúde pública”.
Já nas escolas particulares, os equipamentos de ar-condicionado são maioria. O coordenador geral do Sindicato dos Professores no Estado da Bahia, Alysson Mustafa, explicou que os casos em que as escolas contam com apenas ventiladores são restritos a centros de ensino pequenos – normalmente de Educação Infantil ou Fundamental I, chamadas “escolas de bairro”.
“Já passou o tempo em que se pensava no ar-condicionado como um luxo. O conforto térmico e ambiental é fundamental para o ambiente em sala, até pelas questões cognitivas. Estar em um ambiente termicamente desconfortável é ruim para a concentração. Os alunos ficam mais dispersos e têm que lidar com desconforto físico, suor e até excesso de barulho”.
Estudos para climatização Nem o Ministério da Educação (MEC), nem o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgaram dados sobre a idade média dos prédios escolares no país – nem sobre a estrutura dessas edificações. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) informou que não tem estatísticas sobre isso. No entanto, a legislação brasileira fala na conservação de “instalações necessárias ao ensino”.
É o caso da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), por exemplo, que afirma que os recursos financeiros da educação devem ser destinados à aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino, entre outros pontos.
Além disso, o FNDE disponibiliza, em seu site, projetos prontos para a construção de espaços educativos de diversos tamanhos, além de quadras escolares e unidades de educação infantil. O órgão também disponibiliza manuais com diretrizes para auxiliar arquitetos, engenheiros e técnicos estaduais e municipais a elaborar projetos próprios de escolas.
Em nota enviada ao CORREIO, a Secretaria da Educação do Estado (SEC) informou que a maioria das escolas da rede conta com ventiladores e que técnicos do órgão estão realizando estudos na rede elétrica das escolas para a climatização das salas de aula.
Além disso, segundo a SEC, "o uniforme padrão utilizado pelos estudantes é composto de camisa de malha com gola em 'V' e manga curta, calça azul, tipo jeans escuro ou similar e calçados, preferencialmente fechados". No entanto, a secretaria destaca que os diretores das unidades podem, desde que seja ouvido o Colegiado Escolar, permitir o uso de roupas distintas da farda por questões de saúde ou de força maior.
No caso específico do Colégio Estadual Evaristo da Veiga, onde estudantes ouvidos pela reportagem falaram de ventiladores quebrados, a SEC afirmou que "está entrando em contato com a direção da escola para orientar sobre o envio das cotações para que possa ser feita a manutenção dos ventiladores ou aquisição de novos equipamentos para a unidade escolar".
A assessoria da Prefeitura de Salvador informou que não tem recebido queixas em relação a isso, mas se receber alguma reclamação dos alunos, a secretaria vai examinar e buscar corrigir, porque o importante sempre é o conforto dos alunos. “Com um calor desses, lógico que as crianças têm que estudar de maneira compatível com o aprendizado”, informa.
Salas de aula precisam de janelas e ventilação cruzada, dizem especialistas Melhorias no entorno da escola, interferências na edificação do sistema de abertura de janelas e ventilação cruzada. Essas são algumas das medidas que podem ser adotadas para garantir o conforto dos estudantes, de acordo com a professora Tereza Moura, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisadora do Laboratório de Conforto Ambiental e Tecnologia Sustentáveis em Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo (Lacam) da instituição. “O que a gente está tendo é a temperatura geral da cidade muito mais alta. Claro que isso não vai diminuir a temperatura, mas vai melhorar. Tem coisas que podem ser realizadas”, explicou a professora Tereza.A ventilação cruzada, por exemplo, é a abertura e a saída das janelas para o vento, sempre estudando de onde a ventilação está vindo. Além disso, a sugestão é adicionar ventiladores.
O problema é que, normalmente, muitas salas são construídas de um lado a outro dos colégios, em locais onde não há ventilação. “Se não tiver vento lá fora, não vai ter vento lá dentro. Precisamos adicionar os ventiladores para que o ar mais quente saia e precisamos entender como o vento sopra na cidade, porque alguns lugares vão ser mais beneficiados do que outros”, afirma.
Locais onde há muitos prédios têm uma tendência a acumular mais calor, devido ao material construtivo dessas edificações. Por isso, na cidade, é preciso ter árvores de grande porte – o sombreamento delas é o que melhora o conforto térmico.
Hoje, o que mais se vê uma multiplicação de salas fechadas, inclusive onde o ar-condicionado é usado para melhorar a qualidade do ar. No entanto, não é bem o que acontece, como explica o engenheiro civil e arquiteto Giesi Nascimento Filho, assessor técnico do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA).
Os aparelhos de ar-condicionado do tipo “split” não renovam o ar da parte superior com o da parte inferior do ambiente. “Então, acaba liberando muito gás carbônico para o ambiente e acaba sendo prejudicial para o aluno”, alerta. O certo, de acordo com ele, seria construir salas com aberturas para o exterior e para a circulação de ar, promovendo a ventilação cruzada. Isso também ajudaria na economia de energia.
No caso das escolas que já estão construídas, a alternativa é justamente observar se é possível existir a ventilação cruzada, abrindo janelas e criando um sistema de venezianas. Esse sistema pode ser na parede frontal. “Isso vai criar uma forma de aeração natural mais eficiente. Só que geralmente fazer uma adaptação no que já está pronto é mais difícil e, às vezes, até mais oneroso do que projetar corretamente”, pondera o assessor do Crea-BA.
No caso das escolas onde há ar-condicionado, o ideal é não usar os modelos split, ainda que sejam considerados mais silenciosos e bonitos.“Aquele antigo aparelho de janela promovia a renovação do ar, coisa que esse de agora não promove. Mas a solução mais adequada seria a abertura de vãos e janelas, patrocinando também a iluminação natural”. Ele acredita que esses critérios em uma sala de aula podem ser observados pelos pais, na hora da matrícula. “Isso pode até induzir a direção da escola a rever questões, porque acaba comprometendo a qualidade do ensino”.
O alerta para a boa ventilação também vem da pediatra Dolores Fernandez, presidente da Sociedade Baiana de Pediatria (Sobape). De acordo com ela, as altas temperaturas na cidade têm feito crescer os índices de mal-estar.“É uma coisa orgânica, em que as pessoas podem suar muito e podem ter realmente até alguma desidratação, se não houver hidratação adequada”, disse a pediatra. A temperatura interna corporal de uma pessoa fica em torno dos 36°C. No entanto, com os termômetros batendo em até quase 40°C, há um desequilíbrio entre o meio externo e o interno. Ou seja, prejudica a homeostase do corpo. No caso dos alunos, prejudica, de fato, a concentração na aula.
“Os alunos, ao invés de estarem prestando atenção, vão estar mais preocupados em se abanar. Isso faz até aumentar o calor, porque aumenta o gasto energético”, alerta a médica. Há, ainda, problemas com as roupas – o ideal é evitar tecidos sintéticos e priorizar o algodão. “Tem que observar também a disponibilidade de água potável para esses alunos, porque o recomendado é beber dois litros de água, em média, por dia”. Alunos de bermuda no Colégio Estadual Evaristo da Veiga, em Salvador (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Em 2019, maioria dos dias registra temperatura máxima maior que 30°C Mas não foi só o senso comum que indicou que os dias estavam mais quentes. De acordo com o meteorologista Aldírio Almeida, do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), a situação está tão difícil que do dia 24 de dezembro do ano passado, véspera de Natal, até o dia 25 de fevereiro, não teve um dia em que a temperatura máxima foi menor que 30°C em Salvador.
De lá para cá, o clima não deu nenhuma trégua. Normalmente, dos 31 dias de janeiro, 24 costumam ter temperaturas acima dos 30°C na cidade, pela média dos anos anteriores. Em fevereiro, 23 dos dias de todo o mês têm temperaturas máximas que chegam ou passam dos 30°C. “Esse ano, a gente teve todos os dias de janeiro e todos de fevereiro (até então). A gente está com uma condição de bloqueio atmosférico na altura do Sudoeste do Brasil. Então, as frentes frias que chegam estão estacionadas no Sul da Bahia. Elas não conseguem avançar em direção ao litoral do Recôncavo ou ao Litoral Norte”, explicou Aldírio. O tal bloqueio favorece justamente a condição de ventos de Nordeste, que significam temperaturas mais elevadas e chuvas menos frequentes. Essa condição deve permanecer ao longo dos próximos dias, até a primeira quinzena do mês de março. A partir de abril, quando começa o período chuvoso em Salvador, as temperaturas devem ficar mais amenas.
Nas grandes cidades, a tendência é que a temperatura seja mais alta do que em zonas rurais, devido ao fenômeno das 'ilhas de calor'. Mesmo dentro das cidades, há locais “mais ou menos quentes” devido a isso.
“A grama absorve calor do sol diferentemente do asfalto, por exemplo. Quando a gente tem vento, favorece a renovação do ar e não permite que o asfalto fique aquecendo a mesma parcela de ar. Quando a gente tem muito prédio, essa renovação é reduzida, tanto que as 'ilhas de calor' geralmente se formam nas regiões centrais da cidade”.
Em fevereiro, só no dia 26 as temperaturas caíram – naquele dia, a máxima registrada foi de 26,2°C. “Tinha uma previsão de chuva no período de Carnaval em todo o estado”, explicou a meteorologista Meryfrancer Santos, também do Inema.
Desde então, a menor máxima registrada foi na terça-feira (5): 24,1°C. “Além do Verão, tínhamos o El Niño, que inibe a chuva, reduz a nebulosidade e faz com que os dias sejam mais ensolarados. A temperatura da água estava muito quente, por isso, as temperaturas aumentaram”, contou.