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Marcela Vilar
Publicado em 3 de setembro de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
E se Salvador fosse reconhecida como capital histórica pela Constituição? Legalmente, somente Brasília tem o título de capital federativa. Porém, essa realidade de países com múltiplas capitais não é nova ao redor do mundo - Bolívia, Holanda e África do Sul são alguns exemplos. Com o reconhecimento constitucional, a ideia é trazer mais recursos para Salvador do governo federal, que teria a obrigação financeira de manter o patrimônio histórico-cultural da cidade, primeira capital do Brasil.>
O tema foi um dos assuntos debatidos no seminário virtual Território Resiliente: Patrimônio, Inovação e Moradia em Tempos de Distanciamento Social, promovido pelo Instituto ACM nesta quarta (2), com apoio da Rede Bahia. O webinar faz parte da décima edição da Semana ACM de Ação, Cidadania e Memória Semana ACM de Ação, Cidadania e Memória, que segue até sexta (4). As mesas de debate são transmitidas pelo canal do Youtube do Instituto (youtube.com/acminstituto), sempre às 10h. >
Com mediação do diretor teatral Fernando Guerreiro, presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), a primeira mesa contou com a participação do músico Carlinhos Brown, da arquiteta Tânia Scofield, presidente da Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF), do arquiteto Washington Fajardo, e do presidente do Porto Digital no Recife, Pierre Lucena.>
Quem começou com a ambiciosa provocação foi Washington Fajardo, ex-presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade e Loeb Fellow da Universidade de Harvard. Ao lado de Salvador, ele defende que a cidade do Rio de Janeiro também tenha esse reconhecimento. “Salvador e Rio de Janeiro têm essa função de representatividade da cultura brasileira, são símbolos da identidade nacional, têm centros históricos que concentraram o poder, foram as primeiras capitais do país, então elas têm um peso histórico, mas não têm uma condição especial por fazer esse trabalho”, argumentou>
Segundo ele, é “injusto” que as duas cidades tenham que disputar recursos com outros municípios brasileiros, por conta da importância de seus patrimônios histórico-culturais, mesmo que a maioria já seja tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). “Deveria ter primeiro um reconhecimento e linhas orçamentárias com mais facilidade para essas duas cidades, para preservar os centros históricos”, avaliou. >
PIB Cultural>
O mediador do debate e presidente da FGM, Fernando Guerreiro, comprou a ideia. “Acho que seria mais uma possibilidade de a gente fazer um casamento com o Rio de Janeiro para reforçar nosso PIB cultural. A gente tem um PIB cultural altíssimo e precisamos transformá-lo em PIB financeiro para colocar Salvador cada vez mais como a cidade da cultura e isso resultar em ações concretas”, observou Guerreiro, que é também gestor cultural.>
Os recursos financeiros da FGM para incentivar o patrimônio cultural de Salvador hoje são da ordem de 20 milhões ao ano, divididos entre teatro, cinema, literatura, preservação de patrimônios históricos e outras áreas. De acordo com Guerreiro, um cenário financeiro “razoável” seria de, pelo menos, 100 milhões ao ano. >
A presidente da fundação FMLF, Tânia Scofield, disse ainda que o reconhecimento federal ajudaria na criação de um programa para preservar as habitações do Centro Histórico de Salvador, tombado pelo Iphan como Patrimônio Histórico Nacional e considerado Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).>
“Deveria ter uma política de habitação diferenciada para aplicar na área do Centro Histórico, um recurso do governo federal mas que fosse gerido pelo município, porque o custo de recuperação e restauro desses imóveis é muito alto”, pontua Scofield. A arquiteta, que comanda os projetos de revitalização do Centro Histórico em Salvador, ainda ressaltou a importância da manutenção dos prédios que já existem e não da criação de novas casas, como é visto nos programas de habitação federais.>
"Esses projetos do governo federal, Minha Casa Minha Vida e Casa Amarela, é para a produção de novas habitações. É preciso fazer um trabalho inverso, que se crie esse modelo aqui e leve para o governo federal. Traz mais benefício porque você já tem toda a infraestrutura instalada, serviço de transporte, saneamento, escolas e numa região central da cidade”, analisa a arquiteta.>
O cantor e compositor Carlinhos Brown defendeu a proposta para preservar também o patrimônio imaterial de Salvador. “Sou herdeiro do mais valioso patrimônio: o cultural e imaterial. Durante séculos essa valiosa herança ficou obscurecida pelo histórico monumental, a arquitetura dos palácios, o suntuoso que é bonito de se ver. Mas há outras referências e bens na história do Brasil. [..] À administração pública cabe, na forma da lei, estabelecer incentivos para a produção de cultura. Somos herdeiros e nos cabe conhecer e proteger esse rico e valioso patrimônio”, disse Brown.>
Caminhos>
Para isso sair do mundo das ideias e se tornar um debate legislativo, o professor de Direito Constitucional André Quadros, da Faculdade Batista Brasileira, explica que existem dois caminhos: através das autoridades parlamentares, seja por um Projeto de Lei (PL) ou por uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), ou por iniciativa popular.>
“Existe um requisito que para que se enviar um projeto de lei por iniciativa popular, é preciso que o cidadão se organize coletivamente e consiga um porcento do eleitorado distribuído em, pelo menos, 5 estados da Federação. E, em cada um deles, ter não menos que três décimos dos eleitores”, explica o professor.>
Quadros esclarece ainda que, com isso, o debate é apenas iniciado na Câmara dos Deputados, devendo ainda ser apreciado por inúmeras comissões nas duas casas legislativas. Se aprovado pelo Senado, o PL ou PEC é submetido à sanção do Presidente, que pode vetar alguns artigos ou incisos. Contudo, o processo para alterar a Constituição é muito mais complexo e rigoroso do que a “simples” aprovação de um projeto de lei.>
A reportagem entrou em contato com o Ministério da Cultura para comentar a possibilidade do aumento de recursos federais ao município de Salvador, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.>
Recursos do IPHAN>
O Iphan disse que "não comenta propostas eleitorais ou projetos de emenda à Constituição" e que, nos últimos 10 anos, investiu R$ 120 milhões no Centro Histórico de Salvador. >
"Nos últimos dez anos, o Instituto realizou investimentos – parte dos quais ainda em curso – de quase R$ 120 milhões no Centro Histórico de Salvador (BA), seja por meio de programas de financiamento, do PAC Cidades Históricas ou a partir de recursos do Fundo de Direitos Difusos. Somam-se a esses investimentos, projetos realizados por outras instituições, como a Prefeitura, Governo do Estado e, também, a iniciativa privada, que tem investido recursos na preservação desses bens. No caso de Salvador, seu Centro Histórico é protegido pelo tombamento federal e, também, reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Unesco", afirmou o Instituto, por meio de nota.>
Debates como esse poderão ser vistos nos outros seminários virtuais desta semana do Instituto ACM. Perdeu o de hoje? Reveja neste link. Confira a programação desta quinta e sexta-feira:>
Dia 03/09 (quinta-feira) Mesa de debate “Do Carnaval aos Museus: como promover cultura nos Centros Históricos e Arredores”. Participação de Branca Neves, Gringo Cardia, Fernando Guerreiro e Antonio Risério. A mediação é do ator, diretor e apresentador de tv, Aldri Anunciação. >
Dia 04/09 (sexta-feira) Mesa de debate “O Novo Planejamento para o turismo nos Centros Históricos”. Participação de Guilherme Paulus, Chairman, Antônio Mazzafera e Luís Henrique do Amaral. A mediação é da jornalista e apresentadora Camila Marinho.>
*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro>