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Mario Bitencourt
Publicado em 30 de novembro de 2017 às 11:47
- Atualizado há 2 anos
A geóloga e doutora em engenharia ambiental Joana Angélica Guimarães não tem dúvida: no Oeste da Bahia não há outro empreendimento ou equipamento que consuma tanta água quanto os sistemas de irrigação das empresas de agronegócio.
Entre 2012 e 2016, Joana, hoje reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), coordenou a pesquisa “Hidrogeologia do Aquífero Urucuia: Potencialidades, Vulnerabilidades e Conservação”.
Financiada com R$ 284.550,43 do Ministério da Ciência e Tecnologia, a pesquisa foi realizada por meio do Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável do antigo campus da Universidade Federal da Bahia (Ufba) em Barreiras, hoje Universidade Federal do Oeste (Ufob).
A pesquisa desenvolveu estudos, dentre outros temas, sobre geofísica, monitoramentos de vazões e histórico hidrológico dos rios de Ondas (que corta Barreiras), Formoso e Arrojado (em Correntina), que faz parte da Bacia do Rio Corrente, composto por 15 rios, seis riachos e cinco córregos.
Esses rios e bacias são subafluentes do Aquífero Urucuia, que abastece diversas cidades da Bahia e Goiás. O aquífero tem função reguladora para o escoamento de trecho médio do Rio São Francisco.
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Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a vazão dos poços na camada superior do aquífero é de até 60 metros cúbicos por hora, enquanto na inferior pode atingir mais de 600 metros cúbicos por hora.
O Urucuia é um dos mais importantes mananciais de água subterrânea do Brasil, distribuindo-se pelos estados da Bahia, Tocantins, Minas Gerais, Piauí, Maranhão e Goiás, com área de 120 mil metros quadrados.
Para saber o impacto da irrigação do agronegócio nos subafluentes do aquífero, a pesquisadora Joana Angélica Guimarães visitou diversas fazendas - ela preferiu não identificar quais na pesquisa.
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Comparação e redução O trabalho mostra que há um rebaixamento do nível das águas e problemas com redução de vazão, que, segundo a pesquisadora, não foi provocado pela falta de chuvas no Oeste baiano.
“Fizemos comparativo das vazões de antes da década de 1980 e depois da década de 1980 e percebemos diferenças de vazão, que não foi por causa do regime de chuvas na região. Houve redução no nível que a gente chama de base do aquífero”, afirmou.“O principal motivo [da redução do nível] é a irrigação, pois não tem grandes empreendimentos. O restante é água para abastecimento. O grande tirador de água é a irrigação. Não tem outro empreendimento que tire tanta água quanto a irrigação”, declara.Áreas irrigadas As conclusões da pesquisadora incendeiam os debates sobre problemas socioambientais supostamente causados pelo desenvolvimento do agronegócio no Oeste da Bahia, integrante da principal zona agrícola brasileira, a região do Matopiba, que reúne áreas do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
As principais contestações são com relação aos potentes sistemas de irrigação das empresas agrícolas, um problema que veio à tona com a destruição, dia 2 de novembro, do sistema de irrigação de duas fazendas da empresa Igarashi, em Correntina, margeada pelo Rio Arrojado.
Quase um mês depois do ocorrido, a Polícia Civil, que montou uma força-tarefa com dois delegados para investigar o caso, ainda não apontou culpados pela destruição que causou prejuízos de mais de R$ 50 milhões, segundo a empresa.
Quanto consome? Setores do agronegócio do Oeste da Bahia e de outras partes do Brasil vêm defendendo que atuam com respeito às leis ambientais, mas ninguém ainda – inclusive o governo da Bahia – sabe quanto de fato a irrigação consome de água na região.
O governo espera saber isto a partir de janeiro de 2018, quando encerrará o prazo para que as empresas agrícolas que possuem outorgas para captação de água nos rios da região instalem hidrômetros para fazer a medição.
Diretor de Águas do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), Eduardo Topázio, apesar de não saber a quantidade de outorgas para captação de águas para irrigação na região, afirma que por enquanto não há ilegalidades por parte das empresas.“Tem muitas outorgas, mas nessa crise que tem lá levantamos que os volumes outorgados estavam dentro dos critérios legais, inclusive nem tinha sido atingido o limite máximo, ainda tinha água a ser outorgada”, afirmou Topázio.De acordo com a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), maior entidade representante do agronegócio na região, a área total de produção é de 2 milhões de hectares, sendo que 160 mil hectares são de áreas irrigadas.
O Atlas da Irrigação – Uso da Água na Agricultura Irrigada de 2017 da Agência Nacional de Águas (ANA) aponta que as cidades de São Desidério e Barreiras são as que tem as maiores áreas irrigadas do Oeste, com, respectivamente, 52.115 e 47.006 hectares.
O Oeste baiano, segundo o Atlas, é a mais importante região produtora do Matopiba.
“Ocorrem extensas áreas de produção em regime de sequeiro e também a forte irrigação por pivôs centrais. As fontes de água são sistemas superficiais e subterrâneas – estas do Aquífero Urucuia. As bacias dessa região (dos rios Grande e Corrente) são importantes contribuintes do rio São Francisco.”
Ainda segundo o Atlas, a região Oeste é uma das principais responsáveis pela expansão das áreas irrigadas na Bahia, que em 1960 tinha 22.717 hectares e, em 2015, foi a 504.717 hectares.
Outra cidade de destaque em área irrigada no estado é Juazeiro, no Vale do São Francisco, com 41.308 hectares. O Nordeste tem área irrigada de 1.771.159 hectares. No Brasil, o município com maior área irrigada é Uruguaiana (RS), com 82.474 hectares.
Audiências públicas Esta semana as discussões sobre irrigação de áreas agrícolas ultrapassaram as fronteiras do Oeste e foram parar em Corrente, cidade do Piauí.
Nesta quinta-feira (30), a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (MPF) em Brasília realiza na cidade a audiência pública “A Sustentabilidade do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba em Questão”.
O objetivo é discutir a expansão das atividades agropecuárias e a degradação do meio ambiente na região do Matopiba, com ênfase nos reflexos ambiental e social do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (Decreto nº 8.441/2015).
“Considerada a mais recente fronteira agrícola do país, o Matopiba apresenta alta produtividade de grãos, especialmente soja. A expansão das áreas plantadas, no entanto, agrava o quadro de concentração fundiária e violência no campo, com acirramento de conflitos envolvendo territórios tradicionais e disputas por água. Além disso, ameaça o bioma cerrado”, destaca o MPF, em nota.
Nos últimos quatro anos, somente no estado do Tocantins, a área plantada expandiu-se ao ritmo de 25% ao ano, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Nesta sexta-feira (1º), o Ministério Público da Bahia (MP-BA) realiza em Correntina, uma audiência pública para discutir a redução da vazão da Bacia do Rio Corrente. O evento é aberto ao público e ocorre às 9h no Ginásio de Esportes.
A redução de vazões dos rios da região – Rio Arrojado, Rio Correntina ou das Éguas, Rio Guará e outros, todos eles afluentes do Rio Corrente, que por sua vez deságua no Rio São Francisco – vem sendo denunciada pela população desde 2015 ao MP-BA.
As denúncias de que a redução era provocada por grandes captações foram comprovadas pelo Comitê de Bacia do Corrente, que expediu deliberação para que o Inema revisasse as outorgas concedidas, realizasse o cadastramento das captações de água e não emitisse novas outorgas para grandes empreendimentos, enquanto não fosse formulado o Plano de Bacia, mas as medidas não foram atendidas.
A promotora de Justiça Luciana Khoury, que coordena o Núcleo de Defesa do Rio São Francisco (Nusf), apresentou ao Estado uma proposta de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que prevê uma série de obrigações, dentre as quais a conclusão dos estudos para elaboração do Plano de Bacia Hidrográfica para o Rio Corrente.“Serão medidas indispensáveis para o controle de gestão de águas, permitindo que as captações de água na bacia pelo agronegócio não impactem os rios da região no seu equilíbrio ecossistêmico, bem como as comunidades tradicionais”, afirmou Khoury.