Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Da Redação
Publicado em 12 de agosto de 2019 às 06:20
- Atualizado há 2 anos
Já parou para pensar quantos influencers você segue nas redes sociais e qual o impacto deles em sua vida?
Se você nunca fez esse exercício, saiba que 80% das pessoas que responderam a uma pesquisa sobre hábitos digitais disseram gostar de acompanhar as vidas de alguns deles. Mais que isso: 60% disseram se sentir próximos de seus influencers favoritos, e 40% chegaram a confessar que se sentem amigos. Sim, amigos!
Se você é de “outro tempo”, e acha que está imune a essa sensação de se sentir tão próximo de alguém que você nunca viu pessoalmente - nem nunca lhe notou -, é só lembrar das paixões arrebatadoras por artistas e astros da novela que fez durante décadas muita gente correr atrás dos jornais e revistas para saber dos próximos capítulos, e também das vidas privadas de seus ídolos.
Hoje, não é preciso mais isso. Está tudo nas redes sociais, e são as próprias celebridades as primeiras a compartilharem.
Paolla Oliveira admite: só percebeu que ela própria era uma digital influencer depois do sucesso como Vivi Guedes na novela das 21h, A Dona do Pedaço.
A personagem, uma it girl super ligada à moda e ao lifestyle, ganhou uma conta no Instagram: @estiloviviguedes. Já são mais de 700 mil seguidores. Na conta de Paolla, são 18 milhões. "Hoje qualquer pessoa é um potencial influenciador. Na verdade, quem valida se o conteúdo é interessante ou não é o público. Eu procuro mostrar um conteúdo genuíno, real. Acho que as pessoas querem ver isso”, opina a atriz. (Foto: Reprodução/ Instagram) Mas engana-se quem pensa que são apenas os números de likes e seguidores que garantem a influência de uma pessoa sobre a outra. “É muito mais a relação entre elas. Compartilhamento, comentários, resposta a stories dão pra gente indícios maiores de influência do que likes”, explica Paula Paz, professora e mestranda em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Ufba.
Por que seguimos? Até mesmo o hábito de “seguir” alguém, visto de forma negativa antes do Instagram, hoje é natural. Vários são os motivos que levam as pessoas a seguirem influencers. De acordo com a pesquisa #Hashtag Seguidores, realizada pelo Instituto de Estudos de Comportamentos e Consumo Diário de Campo e citada no início desta reportagem, quem cultiva esse hábito busca leveza, bem-estar, prazer, e também dicas práticas sobre o que comprar ou onde ir, por exemplo.
Seguindo a lista de benefícios está o incremento do repertório de conversas de quem os seguem, que replicam os assuntos nas conversas offline. Coisa que as novelas fazem há muito tempo...
Para a relações públicas Allana Gama, mestranda em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Ufba, a estratégia da novela é inteligente justamente por borrar as fronteiras entre seguidor e telespectador e reaproximar das novelas um público que não tem se interessado por tais narrativas. “Isso é necessário porque o público mais jovem está mais ligado ao streaming, e tem feito seus próprios horários de entretenimento, o que dificulta a audiência da novela”, comenta.
Com a popularidade em alta também fora da TV, a personagem também motivou projetos comerciais exclusivos, com publiposts e parcerias pagas com marcas de maquiagem e de carros. ”No caso da Vivi, tem acontecido uma interação incrível. As pessoas têm embarcado na brincadeira e curtido esse dia a dia. Adoro meus fãs e tento ser recíproca com todo carinho que recebo. Minha assiduidade nas redes é uma demonstração de carinho com eles”, conta Paolla.
Nos comentários das postagens, telespectadores costumam dar alertas sobre a trama e o destino da personagem, e também pedem que Vivi publique mais nos stories. ”Muitas pessoas me escrevem pedindo para mostrar um pouco mais da minha rotina e acho que as redes sociais funcionam para isso, mas também entendo que existem limites e cuidados a serem tomados”, opina Paolla, que assim como sua personagem costuma receber a mesma cobrança.
Intimidade A percepção de que influencers são amigos parte justamente daí. Quanto mais eles se mostram verdadeiros e revelam detalhes de suas vidas privadas e se mostram íntimos para outras pessoas, mais a sensação cresce. “É considerado amigo aquele que agrega coisas boas à vida e com quem se tem contato – mesmo que virtual – frequente”, explica Renata Del Caro, sócia da Diário de Campo e psicóloga responsável pela pesquisa.
VEJA ENTREVISTA COM INFLUENCER BAIANA MARTINHA FONSECA
Ela alerta, no entanto, que relacionamentos, mesmo os de amizade, exigem trabalho. “Nos dias atuais, a tecnologia se vende como uma solução simples, rápida e indolor. Ela aplaca o medo da intimidade e possibilita a conexão com controle: assisto a stories na hora em que quero, sigo apenas o que e quem quero, faço tudo o que mais conveniente para mim. No fim, temos a ilusão de estarmos em companhia, mas sem as demandas de um relacionamento offline”, explica.
“Com meus seguidores eu sempre digo que estabelecemos uma relação muito verdadeira. É lógico que eu não falo sobre tudo da minha vida, tenho minhas reservas, mas o que posto, que é minha opinião, já quer dizer muita coisa. Eu sempre prezo por ser cordial e atenciosa, porque muitas vezes a pessoa tem em mim a única pessoa que ela confia ou se sente à vontade”, explica a influencer baiana Tia Má.
É pela sensação que os seguidores têm a partir dessa relação que a psicóloga Renata Del Caro classificou no estudo a relação estabelecida como amizade unilateral. “O conceito de amizade ficou mais elástico, não preciso interagir, basta que ela faça alguma coisa de bom de mim, me dê uma dica concreta, estimule minha autoconfiança”, diz Del Caro.
Para a também psicóloga Ana Paula Nunes, do Espaço Nelson Pires, a amizade é uma relação definida por pelo menos quatro características: intimidade, reciprocidade, troca e companheirismo. “Se não há alguma dessas coisas, não há como dizer que se trata de amizade”, pondera. Para ela, no entanto, é inegável que o influencer é um formador de opinião, no qual o seguidor projeta muitas coisas. “Por isso ele precisa ter responsabilidade sobre o que publica, posta e também sobre como responde a essas pessoas, que chegam até ele às vezes com carências muito grandes”, alerta, ao dizer que a melhor saída é sempre orientar a busca por um psicólogo ou psiquiatra. “Eu não conhecia esse termo de amizade unilateral, mas ele me soa como algo tóxico, onde falta a reciprocidade”, comenta.
O entendimento dessa relação íntima entre influencers e seguidores como uma amizade unilateral também é contestado pela pesquisadora Allana Gama. “Eu não classificaria como "amizade unilateral", por não entender essa relação como unilateral, nem como uma 'amizade' de um modo geral. Estamos falando de relações que dependem fundamentalmente da satisfação genérica que essa relação fornece para ambas as partes”, explica.
No caso dos influenciadores e seus seguidores, temos de um lado alguém que se sente satisfeito com um conteúdo que é postado, com a suposta veracidade daquele conteúdo, com respostas de comentários ou stories e com a assiduidade desse conteúdo. Do outro lado, temos alguém que está satisfeito com o engajamento que consegue, com a audiência que mantém e com a possível publicidade que consegue a partir desta audiência.
“Logo existe a reciprocidade na satisfação dessa relação, e nela acordos de confiança também são desenvolvidos, o que pode aparentar uma amizade, mas eu não chamaria assim", finaliza. (Foto: Reprodução/ Intsgram) “Essa coisa de as pessoas olharem para gente e enxergarem amigos me deixa um pouco assustada. Muita gente tem a solidão como companhia e se sente mais segura atrás do teclado. Então, todas as vezes que alguém me pede um conselho, e que eu percebo que ali é necessário o acompanhamento de um profissional, eu faço questão de dizer que essa pessoa deve procurar um psicólogo, um psiquiatra, um terapeuta, porque a gente não substitui esses profissionais. Eu faço questão de me furtar a fazer qualquer comentário que possa prejudicar alguém” - Tia Má. (Foto: Reprodução/ Intsgram) “O que me preocupa é que não tem como hoje falar de internet sem falar do impacto na vida emocional das pessoas. As pessoas estão se projetando no Instagram, que não é 100% verdade, mas elas tomam como se fosse a vida inteira da pessoa. Se eu não choro no Instagram porque eu me separei, as pessoas deduzem que eu não choro em momento nenhum, que eu não fico mal em momento nenhum, e que eu sou muito maravilhosa. E eu me preocupo na pressão que isso faz na vida das pessoas. É o equilíbrio, né? Entre você não se consumir, porque você não tem controle sobre isso, mas também de você não se ausentar da responsabilidade de produzir um conteúdo que você sabe que vai impactar de uma forma ou outra, e tentar reduzir os danos” – Martinha Fonseca.