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Fernanda Santana
Publicado em 20 de maio de 2018 às 08:00
- Atualizado há 2 anos
Policiais durante operação contra exploração ilegal de manganês no distrito de Santa Luzia; dois garimpeiros foram detidos (Foto: Divulgação) A névoa de poeira levantada por quatro carros forasteiros foi a senha de dispersão dos garimpeiros, no dia 4 de maio. Dos 70 aventureiros em busca da sorte prensada na superfície ou a poucos metros do chão, apenas cinco, com picaretas e pás em mãos, foram encontrados.>
Vizinha do árido distrito de Santa Luzia, em Caetité, a mina de manganês era explorada ilegalmente há, pelo menos, um ano. Da terra abrasada pelo sol foram extraídas 2,2 mil toneladas do minério: R$ 4,38 milhões em produto, aproximadamente.>
Os 16 policiais e dois agentes da Agência Nacional de Mineração na Bahia (ANM-BA), os visitantes do povoado naquela tarde do início do mês, chegaram ao garimpo por meio de uma estrada de terra.>
Ao redor dos 500 hectares de terra, os garimpeiros que não evadiram a tempo confirmaram a denúncia recebida pelo órgão vinculada ao governo federal, no dia 2 de março. Ali, diariamente, 20 caminhões se revezavam para levar o minério roubado para Caetité, das 6h30 às 16h. Do Sudoeste baiano, o mineral seria levado para as siderúrgicas Eletroligas, em São Gotardo, e Fertiligas, em Sabará – ambas em Minas Gerais.>
A mina estava em fase de pesquisa, quando a empresa interessada estuda a região e averigua o potencial econômico. Não havia, portanto, autorização legal da ANM para os trabalhos de extração começarem. Uma mineradora baiana, titular da área, havia começado a fase de estudos há oito meses.>
Ao CORREIO, um dos representantes da empresa relatou que, cerca de 30 dias antes da operação policial, funcionários notaram um fluxo anormal de pessoas na região.>
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Aliciadores Descobriram, então, como funcionava o esquema. Cada garimpeiro extraía o manganês por um ganho de R$ 250 semanal, supostamente aliciados por dois mineradores. Os exploradores, por sua vez, cobravam R$ 2,6 mil por tonelada. A acusação é de que a dupla emitia notas fiscais subfaturadas em 63% sobre o valor total da extração de manganês, bastante utilizado na siderurgia em ligas com ferro, compostos com aço e fertilizantes.>
Contra um deles, não foi encontrada nenhuma prova. Já o nome do outro, Helvio Radinz, sócio da Radinz Mineração, foi encontrado em alguns documentos fraudados. O advogado de Radinz não quis se pronunciar. Assim como a Fertiligas. Já a Eletroligas afirmou, por meio do diretor Rogério Antunes: “Não recebemos nenhuma carga de Caetité. Tem mais de 20 anos que não negociamos com ninguém lá".>
A extração de qualquer tipo de minério no Brasil precisa, previamente, ser autorizada pela ANM. Sobre o valor gerado com a venda, incide uma taxa de 3%, determinada pelo imposto Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) - no caso do ouro, é 1%; no do ferro, 2%. Agora, caso seja comprovado o crime de usurpação de bem da união, os R$ 4,38 milhões deverão ser devolvidos à União.>
Feita a operação na Mina das Cobras, a ANM elabora um relatório que será encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF) e à Advocacia Geral da União (AGU), atores da decisão final.>
Fiscalização No dia da operação, dois dos cinco garimpeiros encontrados foram levados à delegacia da cidade. Contaram detalhes da rotina no garimpo, do trabalho, do pagamento. Logo depois, foram liberados. Ocorre que a ANM decidiu mudar o foco da atuação: na mira, ao invés dos trabalhadores em busca de manganês, estão as empresas siderúrgicas e de fertilizantes que incentivam diretamente ou indiretamente a extração ilegal.>
Na Bahia, são ao menos três mil pessoas que dependem da atividade mineradora ilegal, geralmente homens em condição de vulnerabilidade social, estimou o órgão a pedido do CORREIO. A corda raramente pendia para o lado mais forte.“A operação consiste, agora, em localizar não apenas o extrator. Mas quem é a outra ponta do mercado? Quais são essas empresas que fomentam a lavra não autorizada?”, justifica Carlos Magno, chefe do Serviço de Fiscalização e do Aproveitamento Mineral da ANM-BA.O órgão começou a realizar fiscalizações mais frequentes em Caetité e região há 20 anos, quando ainda era Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).>
Hoje com 13 minas de manganês legalizadas, o município havia conhecido, até então, dois momentos de grande procura por manganês: na década de 40, durante a Segunda Guerra Mundial, e em meados dos anos 80, contam geólogos ouvidos pelo CORREIO.>
As constâncias de atividades ilegais, no entanto, começaram a expor a face obscura do garimpo de manganês. Em fevereiro de 2011, a polícia de Caetité, por exemplo, havia recuperado dez toneladas de manganês furtado de uma mineradora. Apenas em 2018, foram 27 denúncias relacionadas a usurpação de manganês. No Ministério Público da Bahia (MP-BA), calculou a instância também por solicitação da reportagem, estão em curso quatro procedimentos para apurar extrações ilegal no município.>
Chefe da divisão de Fiscalização da ANM-BA, Cláudio Lima acredita que a descoberta do crime na Mina nas Cobras dialoga com a recente valorização da exploração do minério, observada, principalmente, desde o início deste ano. “Quando acontece um aquecimento do mercado de aço, por exemplo, o manganês é valorizado. Também pelo fato de a extração ser, até certo ponto, simples, acontece essa busca pelo garimpo”, explica Lima.É cedo, contudo, para que se fale em corrida para Caetité. A região, explicam Cláudio e Carlos, sempre foi rica em manganês. E a presença de garimpeiros já é uma realidade para visitantes e nativos. Mestre em Geologia pela Universidade Federal da Bahia, Jofre de Oliveira Borges, confirma. Durante a elaboração da tese, em 2012, ele estudou justamente o garimpo de manganês em Caetité, nome derivado do Tupi. Descobriu que a cidade, enquadrada em uma faixa de 100 quilômetros do Sudoeste da Bahia, é um "distrito manganesrífico", ou seja, com elevado potencial de extração.>
O manganês ocorre em camadas e costuma ser retirado em níveis. Diferentemente do ouro, explica Jofre, ele ocorre em rochas consolidadas. "Por isso dá para encher caçambas e mais caçambas de manganês", justifica. Em média, o potencial de exploração, legal ou ilegal, minério é esgostado em cinco ou seis anos, calcula ele.>
Motivo de preocupação Paulo César foi um dos policiais avistados e alardeados pelos moradores de Santa Luzia no dia 4 de maio. Passada a operação, ele falou ao CORREIO sobre as ações policiais em áreas de extração mineral. Segundo ele, não há operações especiais, destinadas especificamente a descobrir ilegalidades. Mas, agora, com o recente despertar do manganês como objeto de disputa, revive um temor que repousa e acorda conforme o dinheiro passeia das minas às mineradoras e siderúrgias: a criminalidade."Os conflitos costumam acontecer quando está rolando dinheiro. É sempre assim, quando começa a rolar dinheiro, começam as brigas. A polícia acredita que a demanda vai crescer com essa nova movimentação", entrega o policial.A moradores de Caetité como Mário (nome ficticio), a operação do dia 4, e as futuras, são bem-vindas também por outro motivo. Para além do perímetro da segurança, há uma questão explicitamente econômica. O minerador soube da operação na Mina das Cobras dois dias depois do ocorrido. Chegou no sudoeste da Bahia na década de 80, autorizado a extrair manganês. Nas passagens em Santa Luzia, nos últimos meses, ouvia o burburinho dos garimpeiros recém-instalados, das toneladas de minérios extraídas na vizinhança do distrito.>
Comemorou, em silêncio, a ação. "Eu, precisando pagar o imposto, não posso competir com quem não paga. Evidente: preciso repassar os custos. E aí, como ficam meus negócios?", desabafa. Natural de Salvador, a mudança para a região foi motivada pelo interesse na extração de ametista. Àquela época, a mina do Brejinho das Ametistas, outro distrito valioso da cidade, começava a atrair a atenção de milhares de garimpeiros à procura da pedraria roxeada.>
Lá, no entanto, decidiu se dedicar ao manganês. “A concorrência era muito grande. Além disso, também é mais fácil, digamos, extrair manganês. A gente não precisa de muita profundidade”, conta. Mas, aí, começaram a se tornar recorrentes as extrações ilegais. De manganês, de ametista, de ferro.>
O geólogo Ricardo Fraga comenta: “A região mais rica, aqui na Bahia, é justamente aquela região sudoeste, onde está Caetité. Daí, aconteces os grandes booms, acompanhados de certa desinformação. A atividade acaba sendo realizada sem muitos critérios”.>
Os números comprovam a assimetria entre produção e ganho: na Bahia (ainda não há dados específicos de Caetité), a União arrecadou somente R$ 4,4 mil com a extração e venda legais de Manganês em 2018. No Brasil, país com terceiro maior número de reservas mundiais de manganês, foram R$ 15,9 milhões neste ano; em 2017, R$ 34,6 milhões.>
O chefe do Serviço de Fiscalização e do Aproveitamento Mineral da ANM-BA, Carlos Magno, declarou à reportagem que as recentes investidas na modernização do sistema pode contribuir para aumentar a arrecadação, e até acompanhar e desmascarar eventuais irregularidades.>
Na cidade de Caetité, o 42º Produto Interno Bruto do estado (R$ 13,8 mil per capita), no entanto, as irregularidades ainda não são eventuais. Tampouco na Bahia. A terra, com 1,5 mil lavras autorizadas, é exaurida silenciosamente, os braços de milhares de garimpeiros procuram a sorte escondida na terra. A grande luta, agora, é fazer com que eles não retornem à exploração ilegal: deles e do minério.>
*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier.>